Inteiro teor - REsp 1047109

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.047.109 - RS (2008/0078210-1) RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO RECORRENTE : JACKSON LEMBERT ADVOGADO : RAFAEL JOSTMEIER VALLANDRO - RS050651 RECORRIDO : OLGA DE OLIVEIRA BOEIRA ADVOGADO : NEWTON GILBERTO VARGAS BONN - RS014103 RELATÓRIO EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): Cuida-se, na origem, de ação de manutenção de posse ajuizada por OLGA DE OLIVEIRA BOEIRA contra JACKSON LEMBERT. Requerida pelo réu a denunciação da lide à anterior proprietária do imóvel, o pedido foi indeferido pelo douto Juízo de primeiro grau sob o fundamento de que "tal modalidade de intervenção de terceiros não se ostenta obrigatória, além do que envolveria, na lide secundária, questão atinente ao domínio" (fl. 70). Interposto agravo de instrumento, o recurso foi improvido por decisão monocrática do il. Relator (fls. 79/81), a qual foi mantida pela eg. 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em sede de agravo interno, nos termos do v. acórdão assim ementado: "AGRAVO INTERNO. Parte que pretende, em suma, estabelecer discussão acerca da questão dominial para resguardar direito à evicção. O que descabe em sede de ação possessória. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO." (fl. 95). Inconformado, JACKSON LEMBERT interpôs recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, apontando violação dos arts. 70, I, do Código de Processo Civil de 1973 e 456 do Código Civil de 2002, além de divergência jurisprudencial. Nas razões recursais, o recorrente alega que "o simples fato de a ação ter sido desencadeada pela demolição da cerca e, por isso, ter iniciado com a discussão da posse direta de terminada área não significa impossibilidade ou exclusão do direito do comprador de boa-fé chamar a juízo o alienante do imóvel, para que os fatos sejam devidamente esclarecidos, especialmente na questão dos limites do terreno adquirido", acrescentando que "eventual perda do direito sobre determinada área do terreno certamente gerará consequências diretas sobre a totalidade do imóvel adquirido, gerando os direitos do regresso e da evicção, garantidos por lei e pela escritura de compra e venda" (fls. 108/109). Outrossim, sustenta que a denunciação da lide, no caso, não constitui uma faculdade, "mas uma obrigação sua para fins de regresso, posto que o alienante responde pelos vícios da evicção em caso de perda dos direitos de posse e, consequentemente, de propriedade, do comprador, mesmo que sobre parte dessa área" (fl. 109). Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 149). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.047.109 - RS (2008/0078210-1) RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO RECORRENTE : JACKSON LEMBERT ADVOGADO : RAFAEL JOSTMEIER VALLANDRO - RS050651 RECORRIDO : OLGA DE OLIVEIRA BOEIRA ADVOGADO : NEWTON GILBERTO VARGAS BONN - RS014103 VOTO EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): 1. A controvérsia cinge-se a verificar o cabimento de denunciação da lide, promovida pelo réu ao alienante do imóvel, em ação de manutenção de posse. O eg. Tribunal de origem, ao examinar a questão, entendeu incabível a intervenção de terceiro na espécie, decidindo à base da seguinte fundamentação: "A agravada suscita esbulho que teria sido praticado pelo agravante. Donde emerge que a questão versada é eminentemente possessória. Logo, não caberia ao réu denunciar o alienante para responder por questão de fato - esbulho - que lhe é imputado. O domínio não pode ser oposto quando se discute posse. Aliás, inegável a natureza petitória do pleito, não obstante se trate de ação possessória. É o que se infere da narrativa e manifestações havidas no processo original. Não se discute a propriedade ou domínio, mas sim a sua exteriorização, circunstância eminentemente fática, cuja construção ocorre no passar do tempo. E os limites da ação originária estão claros. Daí porque evidente a impropriedade na pretensão de denunciação. Onde, em suma, pretendia a parte estabelecer discussão acerca da questão dominial para resguardar direito à evicção. O que descabe em sede de ação possessória como já referido. Urge esclarecer que a denunciação da lide, nos moldes como se apresenta no feito, não é o instituto cabível, porquanto a demanda foi direcionada ao possuidor-proprietário. Assim, não há falar em exercer o direito de evicção para justificar a denunciação." (fls. 96/97). O recorrente, no entanto, sustenta ser obrigatória a denunciação da lide no caso, argumentando nos seguintes termos: "[...] o ora recorrente, na qualidade de terceiro de BOA-FÉ, diretor das Incorporação Lembert de Imóveis, adquiriu da Irmandade Santa Casa, nos idos de 16/08/2002, ATRAVÉS DE ESCRITURA PÚBLICA de Compra e Venda, o imóvel detalhadamente descrito na matrícula nº 26.906 do Ofício de Registro de Imóveis da 5º Zona de Porto Alegre/RS. Inclusive, referido negócio foi averbado na matrícula do imóvel. Três anos após, em 2005, quando iniciadas obras de construção no local (inclusive com projeto aprovado junto a Prefeitura de Porto Alegre - f. 48), o recorrente foi surpreendido pela construção de uma cerca aos fundos do terreno, já adquirido por si em anos anteriores. Quando retirou essa cerca de dentro de sua propriedade (fatos que não se discutem aqui nesse recurso), a recorrida interpôs a ação de manutenção de posse, alegando-se esbulhada em sua 'posse'. Diante desse panorama, nos parece claro que o simples fato de a ação ter sido desencadeada pela demolição da cerca e, por isso, ter iniciado com a discussão da posse direta de determinada área não significa impossibilidade ou exclusão do direito do comprador de BOA-FÉ chamar a juízo o alienante do imóvel, para que os fatos sejam devidamente esclarecidos, ESPECIALMENTE NA QUESTÃO DOS LIMITES DO TERRENO ADQUIRIDO. Aliás, isso NÃO é uma faculdade do ora recorrente, mas SIM uma OBRIGAÇÃO sua para fins de regresso, posto que o alienante responde pelos vícios da evicção em caso de perda dos direitos DE POSSE e, consequentemente, de propriedade, do comprador, mesmo que sobre parte dessa área." (fls. 108/109). 2. Conforme se observa, a denunciação da lide, no caso dos autos, teve por justificativa a existência, à época, de exigência legal expressa imposta à parte (CC/1916, art. 1.116; CC/2002, art. 456), a fim de assegurar-lhe o exercício do direito à garantia que lhe cabe em face da alienante. Com efeito, afirmando o réu tratar-se de aquisição onerosa de domínio e posse de imóvel - circunstância que não foi infirmada pelas instâncias ordinárias -, e tendo em vista a previsão legal de que o alienante responde pela evicção (CC/1916, art. 1.107 - atual art. 447 do CC/2002), bem assim a previsão de que, para poder exercer esse direito, deve o adquirente promover a notificação do alienante, nos termos do art. 456 do CC/2002 (art. 1.116 do CC/1916), a denunciação da lide, nos termos da lei material, mostrava-se, então, obrigatória. Com o advento do Novo CPC de 2015, revogou-se o art. 456 do CC/2002, em razão da alteração do teor do art. 70 do CPC/73 pelo art. 125 do CPC/2015. Confiram-se os dispositivos legais: Código Civil de 1916: "Art. 1.107. Nos contratos onerosos, pelos quais se transfere o domínio, posse ou uso, será obrigado o alienante a resguardar o adquirente dos riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta responsabilidade. Parágrafo único. As partes pode reforçar ou diminuir essa garantia." "Art. 1.116. Para poder exercitar o direito, que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienaste, quando e como lho determinarem as leis do processo." Código Civil de 2002: "Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública." "Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. (artigo vigente à época dos fatos, Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015). Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos. (vigente à época dos fatos, Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) Outrossim, a teor do art. 70 do anterior Código de Processo Civil, a denunciação da lide era obrigatória nos seguintes casos: "Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória: I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta; II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada; III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda." De fato, acerca da obrigatoriedade da denunciação da lide, ensina o ilustre Professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: Sobre a obrigatoriedade da denunciação da lide, é digna de acolhida a lição de Pedro Soares Muñoz, para quem, na dúvida, devem prevalecer as regras de direito material. Assim, merece subsistir o ensinamento de Lopes da Costa, segundo o qual 'quando à denúncia a lei substantiva atribuir direitos materiais (o caso da evicção, por exemplo) é ela obrigatória. Se apenas se visa ao efeito processual de estender a coisa julgada ao denunciado, é ela facultativa' (para o denunciante). Para o denunciado, porém, os efeitos inerentes à intervenção são sempre obrigatórios. [...] Em conclusão: a obrigatoriedade de que fala o art. 70 decorre do direito material e não da lei processual." (in Curso de Direito Processual Civil, Vol. I - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento - Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 140/141). No mesmo sentido, a lição do Professor VICENTE GRECO FILHO: "E, no direito brasileiro, ainda persiste o artigo 456 do Código Civil que estabelece: 'Para poder exercitar o direito, que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.' Tal disposição, em pleno vigor, encontra ressonância no texto do artigo 70, I, do Código de Processo Civil que repete a condição: 'A denunciação da lide é obrigatória .... A fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta.' Inegável, portanto, a manutenção da exigência da denunciação, único meio hábil para a liquidação da responsabilidade pela evicção." (in Direito Processual Civil Brasileiro, Vol. 1 - 23ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2013, p. 173). Também esse o entendimento na doutrina de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO acerca da obrigatoriedade da denunciação da lide em caso de evicção: "Aroldo Plínio Gonçalves, em tese de livre-docência à Faculdade de Direito da UFMG, apreciou o tema da 'obrigatoriedade' da denunciação da lide a partir da distinção entre garantia própria (formal), derivada da 'transmissão de direitos', e garantia imprópria, vinculada apenas 'a responsabilidade civil', sustentando que a não denunciação acarreta a perda do direito de regresso nos casos de garantia própria (o adquirente de direitos perderá a garantia prometida pelo transmitente); nos casos de garanti imprópria, restaria assegurado, embora não denunciação, o direito de regresso contra o responsável civil, em processo autônomo. O ilustre professor e magistrado liga a garantia próprias às hipóteses do art. 70, I e II, e algumas hipóteses do item III; a garantia imprópria aos casos de responsabilidade civil do art. 70, III (Da denunciação, cit., p. 223, 324 e passim). Nem sempre, pois, a omissão da parte no provocar a intervenção do terceiro acarretará a perda do direito (rectius, da pretensão) regressivo contra este. Em Ciclo de Estudos do Processo Civil (realizado em Curitiba, em agosto de 1983, pela OAB e pela Associação dos Magistrados do Paraná), resultou aprovada por unanimidade tese por nós apresentadas, com a seguinte conclusão: 'A não denunciação da lide somente acarreta a perda da pretensão regressiva nos casos de garantia formal, ou seja, de evicção e de transmissão de direitos'." (in Intervenção de Terceiros, 19ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2010, p. 109). Nesse passo, a jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça mostra-se em consonância com o entendimento doutrinário, conforme demonstram os seguintes julgados: "PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE PROPOSTA POR QUEM SE AFIRMA TITULAR DA PROPRIEDADE E POSSE INDIRETA DO IMOVEL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE FEITA PELOS REUS A TERCEIRO QUE, NA QUALIDADE DE LOCADOR, LHES TRANSMITIU A POSSE DIRETA DEMANDADA. ADMISSIBILIDADE. CASO EM QUE OBRIGATORIA. EVICÇÃO. ARTS. 70, II, E 75, I, CPC. RECURSO DESPROVIDO. I - AQUELES QUE, OCUPANDO O IMOVEL NA CONDIÇÃO DE LOCATARIOS, SÃO DEMANDADOS, PARA ENTREGA DA POSSE DIRETA QUE EXERCEM A TITULO ONEROSO, POR PESSOA DISTINTA DAQUELA COM QUEM CELEBRARAM O CONTRATO DE LOCAÇÃO, NÃO SO PODEM, COMO LHES E POR LEI IMPOSTO, DENUNCIAR DA LIDE O LOCADOR, SOB PENA DE PERDEREM O DIREITO DE DESTE EXIGIREM INDENIZAÇÃO PELOS PREJUIZOS DECORRENTES DE EVENTUAL FRUSTRAÇÃO DO PACTO LOCATIVO. II - EM SE TRATANDO DE GARANTIA PROPRIA (FORMAL), ASSIM ENTENDIDA A INERENTE A TRANSMISSÃO DE DIREITOS, E OBRIGATORIA, NOTADAMENTE NOS CASOS DE EVICÇÃO (TRANSFERENCIA ONEROSA DE DOMINIO, POSSE OU USO - ART. 1.107, CC), A DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO ALIENANTE. III - AS EXPRESSOES "PROPRIETARIO" E "POSSUIDOR INDIRETO" CONSTANTES DO ART. 70, II, CPC, ANALISADO O CONTEXTO EM QUE INSERIDAS, SÃO INDICATIVAS DAQUELA PESSOA QUE, A EPOCA DA TRANSFERENCIA DA POSSE DIRETA, ERA OU APARENTAVA SER TITULAR DA "PROPRIEDADE" E/OU "POSSE INDIRETA". NÃO NECESSARIAMENTE, PORTANTO, DAQUELA PESSOA QUE, NO MOMENTO DA PROPOSITURA DA AÇÃO, OSTENTA ESSA TITULARIDADE, ATE PORQUE A DEFINIÇÃO A ESSE RESPEITO SOMENTE SERA OBJETO DE PRONUNCIAMENTO FINAL, APOS OPORTUNIZADO AOS INTERESSADOS O ENSEJO DE INTEGRAREM A RELAÇÃO PROCESSUAL, COM DIREITO A REGULAR CONTRADITORIO." (REsp 20.121/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ de 26/9/1994). "AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. BENS MOVEIS VENDIDOS. VIA ELEITA ADEQUADA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. 1. A AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE E PROPRIA AQUELE QUE PRETENDE HAVER A POSSE DOS BENS ADQUIRIDOS, CONTRA O ALIENANTE OU TERCEIROS, QUE OS DETENHAM. 2. A DENUNCIAÇÃO DA LIDE SO DEVE SER ADMITIDA QUANDO O DENUNCIADO ESTEJA OBRIGADO, POR FORÇA DE LEI OU DO CONTRATO, A GARANTIR O RESULTADO DA DEMANDA, CASO O DENUNCIANTE RESULTE VENCIDO, VEDADA A INTROMISSÃO DE FUNDAMENTO NOVO NÃO CONSTANTE DA AÇÃO ORIGINARIA. 3. NECESSIDADE, ADEMAIS, DE REEXAME DE MATERIA PROBATORIA (SUMULA NR. 07-STJ). RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO." (REsp 49.969/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, DJ de 20/11/1995). "PROCESSO CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DIREITO DE REGRESSO. FUNDAMENTO JURIDICO NOVO. INADMISSIBILIDADE. OBRIGATORIEDADE. INOCORRENCIA. PRECEDENTES. RECURSO NÃO CONHECIDO. I - EM RELAÇÃO A EXEGESE DO ART. 70, III, CPC, MELHOR SE RECOMENDA A CORRENTE QUE NÃO PERMITE A DENUNCIAÇÃO NOS CASOS DE ALEGADO DIREITO DE REGRESSO CUJO RECONHECIMENTO DEMANDARIA ANALISE DE FUNDAMENTO NOVO NÃO CONSTANTE DA LIDE ORIGINARIA. II - A DENUNCIAÇÃO DA LIDE, COMO MODALIDADE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS, BUSCA AOS PRINCIPIOS DA ECONOMIA E DA PRESTEZA NA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, NÃO DEVENDO SER PRESTIGIADA QUANDO SUSCEPTIVEL DE POR EM RISCO TAIS PRINCIPIOS. III - SEGUNDO ENTENDIMENTO DOUTRINARIO PREDOMINANTE, SOMENTE NOS CASOS DE EVICÇÃO E TRANSMISSÃO DE DIREITOS (GARANTIA PROPRIA) E QUE A DENUNCIAÇÃO DA LIDE SE FAZ OBRIGATORIA." (REsp 43.367/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ de 24/6/1996). Portanto, como se pode observar, a denunciação da lide, na hipótese de direito decorrente de evicção, era, à luz da legislação vigente ao tempo da propositura da ação, obrigatória para o adquirente, sendo despicienda, no caso, a natureza jurídica da ação judicial. De fato, especificamente no que se refere às hipóteses de cabimento dessa modalidade de intervenção de terceiros, afirma ainda o Professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que "a previsão legal de cabimento da denunciação da lide abrange todas as causas do processo de cognição, sem distinção da natureza do direito material controvertido e do procedimento da ação", salvo, conforme nos lembra, nos casos das exceções legais expressas (CPC/73, art. 28, I, e CDC, art. 88), ou no caso de embargos à execução, "por seu âmbito restrito e específico" (ob. cit., p. 141). 3. No caso, a denunciação da lide, feita pelo ora recorrente com base no art. 70, I, do CPC/1973, tem por fundamento a possibilidade de evicção relativa a parte do terreno que adquiriu do alienante direto denunciado, mediante contrato oneroso. Ora, tendo o alienante, por escritura pública de compra e venda, transmitido o domínio e a posse que afirmou exercer sobre todo o imóvel alienado, é natural que o adquirente, demandado em ação possessória por quem se apresenta como possuidor de parte do bem, chame à lide o vendedor para, paralelamente, contestar a suposta posse do promovente, sob pena de responder pela evicção conforme se comprometeu na escritura em que afirmou estar transmitindo ao promovido (adquirente) também a posse que detinha do mesmo imóvel. Sobre a evicção, lecionam os ilustres Professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE A. NERY: "Dá-se a evicção quanto terceiro - titular de direito com causa preexistente ao negócio jurídico celebrado entre alienante e alienatário - se sagra vitorioso de uma intervenção a) expropriatória ou b) reivindicatória em face do comprador (alienatário), subtraindo deste o direito já verificado e removendo o efeito translativo de direito já verificado, ou tolhendo o comprador do exercício da posse do bem adquirido, obstruindo-lhe ulterior exercício de direito. [...] Em outras palavras, evicção é a perda da coisa (propriedade, posse ou uso) em virtude de decisão judicial ou administrativa, de caráter (lato sensu) reivindicatório ou expropriatório, que a atribui a outrem. A evicção ocorre objetivamente, independentemente da boa ou má-fé das partes contratantes. Restou superado o conceito anterior (CC/1916, 1107 e 1117, I), haurido na tradição romana da etimologia do verbo latino evincere, que significa 'ser vencido em juízo'. Hoje, nos termos da norma ora comentada, a perda pode ocorrer tanto em virtude de sentença judicial como de decisão administrativa, que acarreta perda total ou parcial da propriedade, posse ou uso da coisa, atribuindo-a a terceiro. Há evicção, por exemplo, no caso de o adquirente ficar vencido em ação judicial ajuizada contra ou pelo possuidor ou detentor da coisa adquirida." (in Código Civil Comentado, 11ª ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 843). É justamente este o caso dos autos. Tendo o réu, conforme alega, adquirido, mediante contrato oneroso, o domínio e a posse da área cuja parcela constitui objeto de pedido possessório, e não podendo, por outro lado, opor-se ao referido pedido invocando direito de propriedade (CC/2002, art. 1.210, § 2º), de natureza petitória, ou mesmo propor ação de reconhecimento de domínio (CPC/1973, art. 923), resta-lhe apenas contestar a ação possessória e convocar à lide o anterior proprietário e possuidor de modo a assegurar o direito à indenização já previsto na norma material (CC/1916, art. 1.107, atual art. 447 do CC/2002), no caso de eventual sucumbência. Importa observar que, diversamente do afirmado no v. acórdão recorrido, a intervenção do denunciado não ensejará nenhuma discussão acerca do domínio, o que a lei processual expressamente veda, mas sim quanto à alegada posse do promovente, conforme expressamente previsto na lei para a ação possessória, constituindo apenas o meio processual necessário para, nos termos da lei civil, garantir ao réu (adquirente) o direito de ver-se indenizado, caso julgada procedente a pretensão possessória, e, ao denunciado, o direito de contestar essa mesma pretensão da autora, que alega direito de posse anterior à compra e venda do terreno. Com efeito, a propósito da natureza da denunciação da lide na hipótese do art. 70, I, do CPC/73, ensina VICENTE GRECO FILHO: "[...] não é permitida, na denunciação, a intromissão de fundamento jurídico novo, ausente na demanda originária, que não seja responsabilidade direita decorrente da lei e do contrato. Observe-se, também, que, por tradição histórica, uma das finalidades da denunciação é a de que o denunciado venha coadjuvar na defesa do denunciante e não litigar com ele, arguindo fato estranho à lide primitiva. Pode, é certo, o denunciado negar a qualidade de garante ou alegar a inexistência do vínculo da garantia, mas não introduzir indagação sobre matéria de fato nova. [...] Aliás, o artigo 75 do Código de Processo Civil revela que não deve haver litígio entre denunciante e denunciado, salvo quanto à negativa deste da qualidade que lhe foi atribuída. Negada a qualidade de garante, competirá ao denunciante prosseguir na defesa até o final, devendo, o juiz, na sentença, decidir inclusive quanto a essa qualidade, porque o condenará, se for o caso, em perdas e danos. Note-se, pois, como seria verdadeiramente incompatível outra discussão que não a referente à simples qualidade de garante, porquanto a lei prevê somente o problema do relacionamento entre denunciado e parte contrária e não uma lide com o denunciante." (ob. cit, p. 175/176). No caso, não se trata de simples direito de regresso, fundamentado em responsabilidade civil (garantia imprópria), cujo reconhecimento demandaria a análise de fundamento novo não constante da lide originária, mas, sim, de direito incontroverso, previamente acertado pela lei civil (garantia própria), mas para o qual se exigia, à época do ajuizamento da ação, a notificação do alienante (garantidor) acerca do litígio (CC/2002, art. 456), sob pena de perda da pretensão regressiva. Destarte, não há fundamento legal para o indeferimento da denunciação da lide na espécie, onde se discutirá apenas a existência da alegada posse do promovente. Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso especial para reformar o v. acórdão recorrido e deferir o pedido de denunciação da lide. É como voto.