Inteiro teor - REsp 1767406

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.767.406 - SC (2018/0240272-7) RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES RECORRENTE : UNIÃO RECORRENTE : INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE RECORRIDO : BAIA MADEIRAS RENOVAVEIS LTDA ADVOGADOS : GUILHERME FRANZEN RIZZO E OUTRO(S) - RS055852 GIULIANO DEBONI - RS053963 INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): A União e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio interpõem cada um deles recurso especial próprio, o do ICMBio fundado no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição da República, ao passo que o da União fundamenta-se apenas no permissivo da alínea "a", ambos dirigindo-se contra o acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, assim ementado: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. DIREITO REAL. Ao analisar o tema, por ocasião do julgamento da ADI n.º 2.260-1 (medida cautelar) - que tinha por objeto a validade da norma prevista no parágrafo único do artigo 10 do Decreto-Lei n.º 3.365/41, introduzido pelo artigo 1º da Medida Provisória n.º 2.027-40 e reedições -, o eg. Supremo Tribunal Federal assentou que (1) de há muito, a jurisprudência afirmou que a denominada ação de desapropriação indireta tem caráter real, e não pessoal, porque o que está em causa é o direito de propriedade, que se substitui pela indenização reclamada pelo proprietário (verdadeira expropriação às avessas), tendo o direito a ela o mesmo fundamento da garantia constitucional da justa indenização nos casos de desapropriação regular, tanto que, dada sua afetação (destinação) pública, não é possível vindicar o próprio bem; (2) não tendo a norma legal criado uma modalidade de usucapião por ato ilícito, com prazo de cinco anos (após o qual se atribuiria o direito de propriedade ao Poder Público sobre o bem de que ele se apossou administrativamente), é relevante o argumento de que a prescrição extintiva da ação indenizatória fere a garantia constitucional da justa e prévia indenização em dinheiro a que alude o artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, e (3) idêntico raciocínio não alcança a ação de indenização por dano decorrente de ato do Poder Público (p.ex. restrição ambiental, servidão, limitação administrativa) - em que não há perda da propriedade -, sendo legítima a previsão legal de prazo prescricional, sem qualquer violação ao artigo 5º, incisos XXII e XXIV, da Constituição Federal. Embora, posteriormente, a demanda tenha perdido seu objeto, em face da alteração do dispositivo legal impugnado, a linha argumentativa adotada por aquela eg. Corte denota a plausibilidade do posicionamento adotado pelo juízo a quo, ante a natureza da pretensão indenizatória sub judice (que está relacionada à desapropriação indireta dos imóveis pertencentes à autora). (TRF4, AG 5048632-61.2016.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 10/04/2017) Pelo que se apreende dos autos, houve na origem a propositura por Baía Madeiras Renováveis Ltda. de uma ação ordinária de indenização por desapropriação indireta em face da União, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio. Aduzia a autora ter havido por força de decreto federal de 19/10/2015 a declaração de utilidade pública de determinados bens imóveis para o fim de criação do Parque Nacional das Araucárias, unidade de conservação de proteção integral, em razão disso tendo sido atingidos diretamente 129,24 ha (cento e vinte e nove hectares e vinte e quatro ares) de imóvel pertencente a si, parte atingido a "Fazenda Ressaca" e parte a "Fazenda Tarso". Na primeira afirmava que o decreto incidia sobre a sua área total de 97,12 ha (noventa e sete hectares e doze ares) e que nela havia uma área coberta com espécies nativas (imbuia), ao passo que na segunda os efeitos do decreto federal eram apenas parciais, com área atingida de 32,12 ha (trinta e dois hectares e doze ares), coberta por espécies exóticas cujo reflorestamento havia sido finalizado ainda antes da criação do parque nacional. Referiu ainda que na segunda fazenda, a despeito de apenas parte da sua área estar incrustada nos limites do parque nacional, outros 132,19 ha (cento e trinta e dois hectares e dezenove ares) foram limitados em decorrência da sua zona de amortecimento (Z.A.). Por conta disso, alegou que embora tenha havido a declaração de utilidade pública no ano de 2015, até a data da propositura da demanda não tinha havido ainda a desapropriação do imóvel, isso em consideração à circunstância de que a criação de um parque nacional implica a impossibilidade de exploração econômica dos bens por ela atingidos. Durante o transcurso do feito o magistrado federal prolatou decisão por força da qual, a título de saneamento do processo, reconheceu a carência de legitimidade passiva "ad causam" do IBAMA mas manteve tal condição para ao ICMBio e para a União, afastando ainda a ocorrência da prescrição da pretensão indenizatória, bem como pontuando a caracterização da desapropriação. Dessa decisão interlocutória recorreu apenas a União, por força do agravo de instrumento cuja minuta está em e-STJ fls. 3/24 e cujo julgamento constitui o cerne de ambos os recursos especiais. Em seu julgamento o Eg. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região manteve o inteiro teor da decisão interlocutória, ou seja, confirmou a legitimidade "ad causam" da União e do ICMBio, disse ainda que havia interesse de agir no tocante ao pleito indenizatório, porque omissos os entes federais no concernente à consecução da desapropriação direta, bem como afastando a configuração da prescrição dessa pretensão na medida em que o prazo era decendial, na forma da nossa jurisprudência. Apesar de o agravo de instrumento ter sido interposto apenas pela União, houve a interposição de recurso especial também pelo Instituto Chico Mendes, que preconiza o reconhecimento da negativa de prestação jurisdicional uma vez não examinadas as matéria deduzidas por si em prévios embargos de declaração, conforme declina em e-STJ fls. 166/167. Afirma, sem indicar preceito legal violado, que não houve desapropriação mas apenas limitação administrativa, bem como ter ocorrido a confissão sobre a inexistência de ato de apossamento administrativo e, portanto, o desrespeito aos arts. 334, inciso III, 348 e 349 do CPC/2015, pontuando também a descaracterização do decreto de criação do parque nacional como ato de apossamento administrativo (violação ao art. 334, inciso III, do CPC/2015, ao art. 10 do Decreto-Lei 3.365/1941 e aos arts. 1210,1212, 1223 e 1224 do Código Civil de 2002). Por fim, o ICMBio faz referência à existência de limitações administrativas anteriores à criação do parque nacional, de forma que a falta de reconhecimento disso importou violação ao art. 16 do Decreto-Lei 3.365/1941, aos arts. 952, 1212, 1224 do Código Civil, ao Decreto 750/1993, ao art. 14 da Lei 11.428/2006, ao Decreto 6.660/2008 e aos arts. 5.º, incisos II e XXIII, e 225, § 4.º, da Constituição da República. Quanto à divergência jurisprudencial, a tese é de que todo parque constituído por mata atlântica em estágio avançado de regeneração obedece a limitações administrativas anteriores à sua própria criação (do parque), como bem resolvido no REsp 625.588/SP e nos consequentes EREsp 628.588/SP, assim como no AgRg no REsp 769.405/SP. O recurso especial da União repete o argumento da preliminar de negativa de prestação jurisdicional (violação aos arts. 489, § 1.º, inciso IV, e 1.022, inciso II, do CPC/2015 e defende, como teses de mérito, a falta de legitimidade passiva "ad causam" (violação aos arts. 17 e 485, inciso VI, do CPC/2015, ao art. 6.º da Lei 9.985/2000, ao art. 1.º, inciso I, da Lei 11.516/2007, e ao art. 2.º do Decreto 7.515/2011), a ausência de interesse quanto ao pleito indenizatório (violação aos arts. 17 e 485, inciso VI, do CPC/2015), a prescrição da pretensão indenizatória (violação ao art. 1.º do Decreto 20.910/1932, ao art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei 3.365/1941 e ao art. 205 do Código Civil de 2002), a ausência de desapropriação indireta, de apossamento administrativo e a existência de limitações administrativas ambientais (violação ao art. 1228 do Código Civil de 2002, ao art. 2.º do Decreto 750/1993, à Lei 11.428/2006, ao art. 7.º do Decreto-Lei 3.365/1941, aos arts. 1.º, 2.º, 3.º e 14 da Lei 4.771/1965, e ao Decreto Federal 99.547/1990. Contrarrazões em e-STJ fls. 343/349 e fls. 359/368. O parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Exmo. Sr. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, é pelo não conhecimento do recurso especial (e-STJ fls. 401/410). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.767.406 - SC (2018/0240272-7) EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DAS ARAUCÁRIAS. DESAPROPRIAÇÃO "EX VI LEGE". OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROPOSITURA DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. VIOLAÇÃO A NORMATIVO FEDERAL. CARACTERIZAÇÃO. FALTA DE LEGITIMIDADE "AD CAUSAM" DA UNIÃO. DECRETO DE UTILIDADE PÚBLICA. ATRIBUIÇÃO DE ENTE FEDERAL DISTINTO. RECURSO ESPECIAL DO ICMBIO. PRECLUSÃO TEMPORAL DO DIREITO DE RECORRER. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO. FALTA DE IMPUGNAÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. 1. Na hipótese em que o decreto de utilidade pública assinala a pessoa jurídica responsável pela promoção e a execução da desapropriação, é esta quem tem legitimidade passiva "ad causam" para figurar tanto em ação de desapropriação direta quanto na indireta, e não o ente público subjacente à autoridade pública responsável pelo decreto. 2. No caso específico do Parque Nacional das Araucárias, criado por força do Decreto Federal de 19 de outubro de 2005, era o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA esse responsável, ao depois sucedido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio em razão do teor dos arts. 1.º, inciso I, e 3.º, "caput", da Lei 11.516/2007, e dos arts. 6.º, inciso III, e 11, § 1.º, da Lei 9.985/2000. 3. Em não se caracterizando litisconsórcio unitário, a interposição de recurso pelo litisconsorte não aproveita aos demais. Inteligência do art. 1.005 do CPC/2015. 4. Recurso especial da União provido. Recurso especial do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio não conhecido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): O apelo raro da União tem procedência, mas o do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio não chega a ser conhecido. Inicialmente é necessário consignar que ambos os recursos atraem a incidência do Enunciado Administrativo n. 3/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC". Embora o recurso especial da União seja extensamente arrazoado, é de se observar para o seu provimento apenas uma das teses aduzidas, qual seja, a concernente à sua legitimidade passiva "ad causam", ou melhor, à falta dela. Cabe referir antes disso que por uma questão lógica haveria de se examinar primeiramente a alegação de violação aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, que constitui matéria preliminar de mérito e que, portanto, precede neste caso a verificação da legitimidade, que concerne ao mérito do apelo raro. Nada obstante, como a perspectiva hipotética de conhecimento e provimento dessa preliminar de mérito importaria, quando muito, a cassação do acórdão da origem por "error in procedendo", ou seja, seria ele nulo, é de se vislumbrar aqui a aplicação da regra do art. 282, § 2.º, do CPC/2015: Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados. [...] § 2.º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta. Pois bem, em se vencendo isso, a conclusão é pela carência de legitimidade passiva da União para a causa. A criação do Parque Nacional das Araucárias operou-se ante a edição do Decreto Federal de 19 de outubro de 2005, cujo art. 4.º expressa o seguinte: Art. 4.º Ficam declarados de utilidade pública, para fins de desapropriação, na forma prevista no Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, os imóveis particulares constituídos de terras e benfeitorias existentes nos limites descritos no art. 2.º deste Decreto, nos termos dos arts. 5.º, alínea "k", e 6.º do Decreto-Lei no 3.365, de 1941. § 1.º O IBAMA fica autorizado a promover e executar as desapropriações de que trata o caput deste artigo, podendo, para efeito de imissão na posse, alegar a urgência a que se refere o art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365, de 1941. § 2.º A Advocacia-Geral da União, por intermédio de sua unidade jurídica de execução junto ao IBAMA, fica autorizada a promover as medidas administrativas e judiciais pertinentes, visando a declaração de nulidade de eventuais títulos de propriedade e respectivos registros imobiliários considerados irregulares, incidentes no Parque Nacional das Araucárias. Embora tenha Sua Excelência o Presidente da República realmente feito a declaração de utilidade pública, acometeu expressamente ao IBAMA a responsabilidade para a promoção e a execução das desapropriações, inclusive no tocante ao pedido de imissão na posse de que trata o art. 15 do Decreto-Lei 3.365/1941. Essa responsabilidade foi atribuída ao IBAMA e não ao Instituto Chico Mendes apenas e tão-somente porque este último sequer existia, dada a sua criação apenas dois anos depois por força da Lei 11.516/2007. Esse diploma, por sua vez, ao criar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio o fez com a finalidade de que fosse ele o responsável pela execução das ações referentes às unidades de conservação da natureza, conforme o seu art. 1.º, inciso I Art. 1.º Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: I - executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União; II - executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União; III - fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental; IV - exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e V - promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas. Parágrafo único. O disposto no inciso IV do caput deste artigo não exclui o exercício supletivo do poder de polícia ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Vê-se ainda no art. 3.º regra que articula a sucessão do IBAMA pelo ICMBio no que é referente a esse mister, tendo sido atribuído a este os direitos, os créditos e as obrigações decorrentes de lei, de ato administrativo ou de contrato que anteriormente eram daquele: Art. 3.º O patrimônio, os recursos orçamentários, extra-orçamentários e financeiros, o pessoal, os cargos e funções vinculados ao Ibama, relacionados às finalidades elencadas no art. 1.º desta Lei ficam transferidos para o Instituto Chico Mendes, bem como os direitos, créditos e obrigações, decorrentes de lei, ato administrativo ou contrato, inclusive as respectivas receitas. Assim sendo, se era do IBAMA a responsabilidade pela promoção e execução das desapropriações relacionadas ao Parque Nacional das Araucárias, com o advento da Lei 11.516/2007 essa tarefa passou a ser do Instituto Chico Mendes, do que resulta a carência de legitimidade passiva "ad causam" da União. Embora integrem a mesma estrutura da Administração Pública federal, a União e o ICMBio são pessoas jurídicas de direito público distintas, com direitos e obrigações próprios e que não se confundem um com o outro, de sorte que se a demanda versa a pretensão indenizatória por desapropriação indireta e a desapropriação direta tinha de ser promovida pelo Instituto Chico Mendes, então será ele o único legitimado a responder diretamente pelos danos eventualmente existentes. Assim, o recurso especial da União há de ser provido nesse ponto e todo o restante da argumentação deduzida não pode ser examinada na medida em que não tendo ela legitimidade para compor o polo passivo da demanda, tampouco tem o direito de defender quaisquer outros aspectos relacionados à causa, mormente se atrelados ao "meritum causæ". Quanto ao recurso especial do ICMBio, este não chega a vencer o conhecimento, como fiz referir inicialmente, e o motivo é bastante singelo, residindo na inércia da própria autarquia. A ação de desapropriação indireta foi proposta pela sociedade Baía Madeiras Ltda. em face de três pessoas distintas, a saber, a União, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes e assim transcorreu regularmente até o momento em que se prolatou a decisão devolvida ao Tribunal da origem por força de agravo de instrumento. Em tal decisão interlocutória o douto magistrado federal, a pretexto de sanear o processo, proferiu diversos julgamentos, como o reconhecimento da legitimidade "ad causam" do ICMBio e da União, o reconhecimento da falta dessa condição para o IBAMA, a definição do interesse de agir para o pleito indenizatório, porque omissa a Administração Pública federal na consecução da desapropriação direta, bem como a inexistência de prescrição. Dessa decisão interlocutória apenas a União interpôs agravo de instrumento, ou seja, apesar de ser em tese prejudicial aos interesses do ICMBio essa autarquia deixou de recorrer da decisão, o que por si há de implicar o reconhecimento da coisa julgada formal decorrente da preclusão temporal do direito de recorrer. Há considerar, portanto, que tudo o quanto o ICMBio poderia arguir perante o Tribunal "a quo" e neste recurso especial no tocante à legalidade e à justiça da decisão interlocutória foi acobertado pela coisa julgada formal, embora, em tese, as questões de ordem pública possam ser revisitadas, mas pelo próprio juiz federal sentenciante. No entanto, para efeito de julgamento do apelo raro, a conclusão deve ser pelo não conhecimento dele. Deve ser esclarecido que não se tem aqui a hipótese do art. 1.005 do CPC/2015, cuja regra determina que o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses. Segundo a doutrina remansosa, esse preceito deve ser interpretado para os casos em que houver litisconsórcio unitário, como bem explicita o renomado processualista Elpídio Donizetti ("in" Curso Didático de Direito Processual Civil, 20.ª ed., São Paulo: Atlas, 2017, p. 1333): A despeito do disposto no caput do art. 1.005, somente o recurso interposto por litisconsórcio unitário aproveita aos demais. No nosso sistema, a regra é a completa autonomia dos litisconsortes (art. 117). Assim, cada litisconsorte tem de apresentar recurso independente, sob pena de contra ele a sentença transitar em julgado. Apenas na hipótese de litisconsórcio unitário, quando o julgamento do recurso deve ser idêntico para todos os litisconsortes, aplica-se o caput do art. 1.005. Exemplo: a ação de petição de herança foi julgada improcedente. Apenas um herdeiro recorreu, porém todos os herdeiros podem ser beneficiados pelo julgamento do recurso. O credor tem direito a exigir e receber de um ou alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum (art. 275, caput, do CC). Se a demanda for proposta contra mais de um devedor solidário, teremos o litisconsórcio unitário. Entretanto, mesmo que a demanda seja proposta apenas contra um, a solidariedade permanece íntegra, até porque o devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua quota (art. 283 do CC). Em decorrência da solidariedade, o recurso interposto por um devedor a todos aproveitará (art. 1.005, parágrafo único). Corrobora isso o magistério de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero ("in" Código de Processo Civil Comentado, 4.ª ed., São Paulo: RT, 2018, p. 1132): O recurso interposto por um dos litisconsortes unitários a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses. O art. 1.005, caput, só se aplica ao litisconsórcio submetido a regime especial (litisconsórcio unitário), porque somente aí há a necessidade de manter-se, à vista da natureza incindível da relação jurídica material, afirmada em juízo, a uniformidade da disciplina da sentença. Ao litisconsórcio simples (regime comum do litisconsórcio) não se aplica o art. 1.005, caput. A aplicação do art. 1.005, caput, CPC, ao litisconsórcio simples viola o art. 116, CPC. O efeito expansivo subjetivo dos recursos, por conta do caput do art. 1.005, CPC, pressupõe a unitariedade do litisconsórcio. Pressupõe interesse comum entre os consortes. Sobre o tema propriamente dito, isto é, em que hipóteses o litisconsórcio é ou não unitário, transcrevo a lição de Alexandre Freitas Câmara ("in" O Novo Processo Civil, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2016): Terceiro critério de classificação do litisconsórcio é o que permite analisar o fenômeno quanto ao regime de tratamento dos litisconsortes. Segundo este critério o litisconsórcio pode ser unitário e simples (ou comum). O litisconsórcio é unitário quando todos os litisconsortes têm, obrigatoriamente, de obter o mesmo resultado no processo (art. 116, que fala em decidir-se o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes). Ou todos ganham (o mesmo bem jurídico), ou todos perdem (e, neste caso, ficam privados do mesmo bem jurídico). É o que se dá quando, por exemplo, o Ministério Público demanda, em face de um casal, a invalidação do casamento. Neste caso, ou o casamento é invalidado ou não é. De qualquer modo, o resultado para os litisconsortes será sempre o mesmo. Os litisconsortes, neste caso, embora sejam diversos, são tratados no processo como se fossem uma só parte (o que justifica a nomenclatura adotada: litisconsórcio unitário). E não é por outra razão que, nos termos do art. 117, havendo litisconsórcio unitário os litisconsortes não são tratados em suas relações com a parte adversa "como litigantes distintos". Devem eles ser tratados "como se fossem uma só parte". Assim, por exemplo, o recurso por um interposto a todos aproveita (art. 1.005). Do mesmo modo, sendo unitário o litisconsórcio, a contestação por um apresentada a todos beneficia. Os atos e omissões de um litisconsorte, porém (tratando-se de litisconsórcio unitário, claro), não poderão prejudicar os demais. Deste modo, a revelia de um litisconsorte unitário não prejudica os demais, assim como não haverá prejuízo para os outros se algum litisconsorte unitário deixar de efetuar algum recolhimento de custas ou deixar de interpor recurso contra alguma decisão (tudo nos termos do mesmo art. 117). A unitariedade do litisconsórcio deriva, sempre, da natureza incindível da relação jurídica substancial deduzida no processo. Tal incindibilidade, então, é causa de dois fenômenos distintos e inconfundíveis: ela faz com que o litisconsórcio seja necessário e, também, unitário. Os dois fenômenos, porém, não se confundem. Afirmar que um litisconsórcio é necessário é dizer que só será possível resolver-se o mérito da causa se todos os litisconsortes estiverem regularmente presentes no processo (sem pronunciar-se, com isto, uma só palavra acerca do modo como a causa será julgada). De outro lado, dizer que um litisconsórcio é unitário é dizer que para os litisconsortes presentes ao processo (e sem afirmar se tal presença era ou não necessária) o julgamento será uniforme. Não há litisconsórcio nem necessário tampouco unitário. A comunhão de direitos ou de obrigações aqui é inexistente, competindo, como dito antes, apenas ao ICMBio a execução da desapropriação e, portanto, em sendo omisso a responsabilização pelos danos eventualmente existentes. Não há tampouco a obrigação de que União e ICMBio tenham o mesmo resultado no processo; na medida em que se reconhece a falta de legitimidade da União, é imperioso concluir-se pela descaracterização da eventual unitariedade de litisconsórcio. Dessa forma, não se tratando, pois, dessa espécie de cumulação subjetiva de demandas, tampouco há incidir a regra do art. 1.005, "caput", do CPC/2015, daí surgindo inviável o conhecimento do recurso especial. Assim, dou provimento ao recurso especial da União para reconhecer sua carência de legitimidade passiva "ad causam", mas não conheço do recurso especial do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio. Quanto aos honorários recursais, devem ser examinados de modos distintos porque embora ambos os recursos especiais provenham do julgamento de agravo de instrumento, o resultado dado ao apelo da União põe fim à demanda, mas para o ICMBio ela prossegue. Nesse diapasão, é forçoso salientar o disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015, que estabelece que o cabimento de honorários recursais pressupõe a existência de arbitramento anterior de honorários sucumbenciais "originais", digamos assim, tanto que a regra prevista nele consigna expressamente o dever de "majorar" levando em consideração o trabalho adicional em grau recursal: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. [...] § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2.º a 6.º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2.º e 3.º para a fase de conhecimento. Da leitura do texto ressoa a mim inequívoca a conclusão de que os honorários recursais não têm autonomia tampouco existência independente da condenação sucumbencial pretérita, fixada na instância ordinária, isso porque a lei pressupõe que a interposição do recurso representa a realização de um trabalho adicional e, por isso, que o montante fixado anteriormente deve ser aumentado, com a finalidade de retribuir esse trabalho a mais. Por conta disso, somente haverá a majoração dos honorários a título de ônus sucumbencial recursal quando obviamente houver a fixação pretérita. Essa compreensão é compartilhada em interessante artigo da lavra de Guilherme Jales Sokal (A sucumbência recursal no novo CPC: razão, limites e algumas perplexidades, Revista de Processo, São Paulo, v. 256, p. 179-205, 2016): Vejamos com alguma profundidade a mais, porém, em que termos cabe a aplicação deste § 11, definindo os seus pressupostos de incidência. É fundamental, nesse ponto, atentar para a expressão "majorará os honorários fixados anteriormente", que consta do dispositivo. Ao falar em majorar, pressupõe a lei, logicamente, que a decisão atacada no recurso tenha fixado honorários; sem isso, não haveria majoração pelo Tribunal, mas sim fixação ex nova. Desta forma, como regra, pode-se dizer que o § 11 incidirá quando recorrida for a sentença, como categoria definida de pronunciamento judicial (art. 203, § 1.º), porque, como decorre do caput do art. 85, cabe à sentença condenar o vencido a pagar honorários ao vencedor. Todavia, é possível, no sistema do NCPC, que essa "fixação anterior", enxergada pelos olhos do Tribunal ao julgar um recurso, ocorra não só em sentenças, mas também em decisões interlocutórias específicas, igualmente capazes de ensejar, em certos casos, verba de sucumbência. É a hipótese, por exemplo, da decisão mencionada no art. 338, parágrafo único, no instituto que felizmente virá a suceder a fracassada nomeação à autoria, ou, de forma mais geral, da decisão interlocutória que exclua um dos litisconsortes (art. 354, parágrafo único), ou que julgue parcialmente o mérito de forma antecipada (art. 356). Nesses casos, se recorrido o ato judicial pela via do agravo de instrumento à luz do art. 1.015, II e VII, poderá haver a majoração dos honorários anteriormente fixados. A regra, em suma, é que esse § 11 só incidirá quando já houver fixação de honorários na decisão recorrida, seja esta sentença ou decisão interlocutória. E, ademais, é também preciso que a decisão recorrida não seja anulada no julgamento do recurso: se houver essa anulação, seja para retorno ao primeiro grau, seja para aplicação da teoria da causa madura no próprio Tribunal, quando possível à luz do art. 1.013, § 3.º, do Novo Código, haverá fixação nova, originária, dos honorários, e não majoração de algo que não subsiste mais. (Destacamos) Assim sendo, parece-me que nos casos em que o julgamento do agravo de instrumento resultar em situações que não ponham termo à demanda nem, portanto, fixem sucumbência, o recurso especial supervenientemente interposto não ensejará novos honorários, apesar de submeter-se ao regime do CPC/2015, que é exatamente o que ocorre com o não conhecimento do recurso especial do ICMBio, que em nada altera o prosseguimento do feito, ou seja, a ação de desapropriação seguirá até a prolação da sentença. No entanto, essa mesma compreensão dá azo à conclusão de que o provimento do apelo da União importa, em última análise, a extinção da demanda para si, com fundamento no art. 485, inciso VI, do CPC/2015, e isso deve ensejar a fixação de honorários tanto sucumbenciais originais, quanto os sucumbenciais recursais. Trata-se, então, de ação de desapropriação indireta que teve a alçada arbitrada pelo autor em quinhentos mil reais, ou seja, o autor pensa que o apossamento administrativo causou-lhe um prejuízo avaliado em quinhentos mil reais, que é o equivalente à terra nua e às benfeitorias. Segundo o Decreto-Lei 3.365/1941, o regime a ser observado na fixação dos honorários sucumbenciais é o do art. 27, §§ 1.º e 3.º, inciso II: Art. 27. O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu. § 1.º A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4.º do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais). [...] § 3º O disposto no § 1.º deste artigo se aplica: [...] II - às ações de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta. A regra-base considera, portanto, a hipótese em que a ação de desapropriação chega a termo com a confirmação da pretensão de intervenção estatal na propriedade, quer diretamente, quer indiretamente, ou seja, seja o bem imóvel incorporado pela desapropriação direta, seja ele incorporado ante o reconhecimento do esbulho possessório. Percebam, no entanto, que não trata dos casos em que essa pretensão não é acolhida por qualquer motivo ? rejeição pura e simples ou a carência do direito de ação, como no presente caso ?, mas tampouco remete à observância de outro regime, daí concluir-se por permanecer a obrigação de observância da regra-base. Assim, em que pese não tenha sido definido o montante indenizatório, é certo tomar-se como tal o proveito econômico buscado pelo autor, que é, a princípio, o quanto julgar ser-lhe devido a título indenizatório, de modo que a base de cálculo dos honorários sucumbenciais originais são os quinhentos mil reais, as alíquotas, por outro lado, adstritas aos limites de meio a cinco por cento. Como o feito encerra-se prematuramente para a União, antes mesmo da prolação da sentença, mas considerando que teve o ente federal de socorrer-se desta Corte Superior para ver o seu pleito acolhido, conclui-se por um lado que não há para a União uma demanda complexa, mas por outro é valoroso o trabalho do seu procuratório, que desde 2016 persiste e persegue o reconhecimento da carência da ação. Assim, julgo adequado condenar a autora Baía Madeiras Renováveis Ltda. ao pagamento de dois por cento sobre o valor referido anteriormente, de modo a perfazer honorários sucumbenciais originais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Pelos sucumbenciais recursais, considero o tempo de tramitação do recurso, contado apenas entre a sua interposição na origem e a data do presente julgamento, é medianamente longo ? perfazendo pouco mais de quinze meses ?, mas tomo novamente a premissa de que a demanda recursal em si, como restrita, aparenta grau de complexidade diminuto e para tal era bastante a compulsação do teor do decreto de utilidade pública, daí por que considero correto condenar a recorrida Baía Madeiras Renováveis Ltda. ao pagamento de honorários recursais os quais arbitro no total de R$ 1.000,00 (um mil reais). É o voto.