RECURSO ESPECIAL Nº 1924452 - SP (2021/0056091-7)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : COLÉGIO DANTE ALIGHIERI
ADVOGADO : FLÁVIA HELLMEISTER CLITO FORNACIARI DÓREA - SP196786
RECORRIDO : CLAUDIO ANTONIO CALLIA
ADVOGADO : LINO ELIAS DE PINA - SP151706EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. PROVA PERICIAL. INDICAÇÃO PELAS PARTES. ART. 471 DO CPC/2015. PERÍCIA CONSENSUAL. COMUM ACORDO. EXIGÊNCIA. RESOLUÇÃO CNJ Nº 233/2016.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se o perito indicado pelo autor, com a recusa do réu, pode realizar a prova pericial determinada pelo juízo.
3. Os peritos são escolhidos entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
4. Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.
5. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, mediante requerimento dirigido ao magistrado, desde que sejam plenamente capazes e a causa admitir autocomposição.
6. Inexistindo consenso entre os litigantes, o profissional indicado por uma das partes e rejeitado por outra não pode realizar a prova pericial nos autos.
7. A justificativa pautada na ausência de suspeição ou na possibilidade de nomeação de assistente técnico não é suficiente para admitir a perícia consensual sem o prévio acordo entre os sujeitos processuais.
8. Recurso especial provido.RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto por COLÉGIO DANTE ALIGHIERI, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:
"Agravo de Instrumento - Indenização - Decisão que homologa a indicação de perito, feita pelo autor - Insurgência do réu, sustentando que não observadas as regras do artigo 471, do Código de Processo Civil, pois não houve consenso entre as partes em relação à indicação feita pelo autora; que foram trazidos dados pessoais, em poucos dias, o que revela a proximidade entre eles, o que pode colocar em dúvida a imparcialidade da perícia - Ausência de provas de eventual suspeição do profissional indicado - Decisão mantida - Agravo desprovido" (fl. 208 e-STJ).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 219-222 e-STJ).
Em suas razões recursais (fls. 225-231 e-STJ), o recorrente aponta violação dos arts. 156, §§ 1º e 5º, e 471 do Código de Processo Civil de 2015.
Defende que os peritos deverão ser nomeados entre profissionais legalmente habilitados e devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual está vinculado o magistrado.
Alega que "a nomeação do perito fora da lista do Tribunal só é de livre escolha do juiz quando não houver perito inscrito no cadastro da localidade" (fl. 227 e-STJ).
Assevera que não existe a opção legal para que o cadastro do perito seja feito posteriormente à sua nomeação pelo magistrado.
Sustenta, ainda, que a nomeação de expert indicado pelas partes exige o necessário consenso.
Com as contrarrazões (fls. 236-242 e-STJ), a Presidência da Seção de Direito Privado do Tribunal de origem admitiu o processamento do presente apelo (fls. 243-244 e-STJ).
Pedidos de preferência formulados às fls. 251-252 e 254-256 e-STJ.
Às fls. 260-273 e-STJ, o ora recorrido postula a concessão de efeito suspensivo ao recurso ao argumento de que o bem a ser periciado está perecendo.
É o relatório.VOTO
O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
A irresignação merece prosperar.
Cinge-se a controvérsia a definir se o perito indicado pelo autor, com a recusa do réu, pode realizar a prova pericial determinada pelo juízo.
1. Da síntese da controvérsia
Na origem, Colégio Dante Alighieri (ora recorrente) interpôs agravo de instrumento contra decisão do magistrado de piso que homologou a indicação do perito feita pelo autor (ora recorrido) (fls. 1-7 e-STJ).
O Tribunal de origem negou provimento ao recurso, conforme se observa do trecho a seguir transcrito:
"(...)
Cuida-se de ação de indenização na qual o Juízo, em despacho saneador, afastou a preliminar de inépcia da inicial; acolheu parcialmente a alegação de prescrição, deferiu a prova pericial, determinando que as partes teriam profissional que desejariam indicar em conjunto para a realização do trabalho.
O réu informou que não logrou êxito em cogitar de um profissional que pudesse atuar como perito com a necessária equidistância das partes, ao passo que o autor sugeriu o professor Dr. Olívio Guedes, indicando dados para a sua identificação.
O réu se manifestou, alegando que o profissional indicado não foi de comum acordo, conforme preconiza o artigo 471, do CPC; a possiblidade de contato entre eles; que o autor apresentou, em poucos dias, os dados pessoais do perito indicado o que pode afastar a necessária imparcialidade que se espera de um perito.
O artigo 471, do Código de Processo Civil dispõe que as partes podem, de comum acordo, escolher o perito e o fato de o réu não concordar com a sugestão do autor, não configura inobservância a esta regra. O próprio agravante reconhece que o perito indicado possui em substancioso currículo e é profissional conhecido no mercado.
Assim, o fato de o autor tê-lo indicado e apresentado seus dados pessoais, em poucos dias, não é capaz de demonstrar seja ele suspeito, ou amigo do autor.
De se ressaltar que o agravado, em sua indicação, afirmou que o profissional já efetuou alguns trabalhos de análise de obras de arte para ambas as partes, alegação esta que não foi rechaçada pelo recorrente.
Assim, não há nos autos, prova de eventual suspeição do perito indicado, devendo desde já ser observados que as partes podem solicitar a nomeação de assistentes técnicos, após a elaboração do laudo, haverá manifestação acerca do trabalho pericial realizado, podendo ainda, haver a possibilidade de perícia complementar, se foi o caso.
Quanto à ausência de observância ao artigo 156, § 1º, do CPC, tem-se que houve determinação para contato telefônico com o profissional para informar se aceita o encargo, devendo providenciar seu registro junto ao sítio eletrônico deste Tribunal.
Essas as razões pelas quais se entende não ser possível acolher o recurso interposto, manifestando-se aqui o quanto se tem como necessário e suficiente à solução da causa, dentro da moldura em que apresentada e segundo o espectro da lide e legislação incidente na espécie, sem ensejo a disposição diversa e conducente a outra conclusão, inclusive no tocante a eventual prequestionamento de questão federal, anotando-se, por fim, haver-se decidido a matéria consoante o que a turma julgadora teve como preciso a tanto, na formação de sua convicção, sem ensejo a que se afirme sobre eventual desconsideração ao que quer que seja, no âmbito do debate travado entre os litigantes" (fls. 210-211 e-STJ).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 219-222 e-STJ).
Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso.
2. Da indicação do perito pelas partes
O recorrente defende que a indicação do perito pelas partes depende do comum acordo entre os litigantes. Sustenta, ainda, que o expert deve ser nomeado entre profissionais legalmente habilitados e devidamente inscritos em sistema mantido pelo tribunal ao qual está vinculado o magistrado, sendo vedado o cadastro após a sua nomeação para atuar nos autos.
De início, não se discute a necessidade de produção da prova pericial, visto ser claro que a análise de deterioração de obras de arte - no caso, esculturas - depende de conhecimento especializado. Nesse contexto, o art. 156, caput, do CPC/2015 estabelece que "o juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico".
O art. 145, § 1º, do CPC/1973 preconizava que os peritos seriam escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente. Com a entrada em vigor da atual codificação civil, passou-se a exigir que a escolha seja feita entre "profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado" (art. 156, § 1º).
A formação do cadastro de profissionais e de órgãos técnicos e científicos ocorrerá na forma estipulada pelos §§ 2º e 3º do art. 165 do CPC/2015, cabendo ao respectivo tribunal promover as avaliações e as reavaliações periódicas para manter atualizado o registro dos peritos.
Eis, por oportuno, a transcrição dos dispositivos mencionados:
"(...)
§ 2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.
§ 3º Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados".
Em regra, a nomeação do perito deve ocorrer entre os profissionais e órgãos técnicos ou científicos constantes do cadastro realizado pelo tribunal. Somente na localidade onde não houver o registro de profissionais habilitados, a escolha do expert será de livre escolha do juiz (§ 5º do art. 156 do CPC/2015).
Nessa linha de intelecção, confira-se a seguinte lição doutrinária:
"(...)
2. Escolha do perito: cadastro de profissionais. O CPC/15 detalhou a fundo os critérios e os requisitos para a escolha do perito, pelo juiz, tendo em vista os imperativos de imparcialidade e de igualdade de oportunidade entre os profissionais habilitados, princípios análogos àqueles que regem as licitações (art. 3.° da lei 8.666/93). Nesse sentido, o CPC/15 inova, em relação ao CPC/73, quando prevê a necessidade de os Tribunais manterem os cadastros de profissionais habilitados a atuar como peritos. A escolha pelo juiz deve ser feita dentre esses profissionais, salvo na localidade onde não houver inscrito no cadastro, quando então a nomeação será livre, devendo, porém, recair sobre profissionais ou órgão técnico ou científico detentor do conhecimento técnico necessário à realização da perícia (ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários do código de processo civil. São Paulo: Thomson Reuters, pág. 359 - grifou-se).
Ainda nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção orienta que,
"(...)
Com relação ao perito, há uma modificação no tocante à escolha pelo juiz. Enquanto o art. 145, § 2º do CPC/1973 previa que os peritos seriam escolhidos livremente pelo juiz, bastando o preenchimento de certos requisitos formais (nível universitário e registro em órgão de classe competente), o art. 156, § 1º, do CPC prevê que os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
E mais, a escolha aparentemente deixa de ser do juiz porque o art. 157, § 2º, do CPC prevê que será organizada lista de peritos na vara ou na secretaria, com disponibilização dos documentos exigidos para habilitação à consulta de interessados, para que a nomeação seja distribuída de modo equitativo, observadas a capacidade técnica e a área de conhecimento" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de processo civil comentado. São Paulo: JusPodivm, 2022, págs. 307-308 - grifou-se).
Por outro lado, o art. 471 do CPC/2015 trouxe importante inovação ao permitir a indicação do perito pelas partes, havendo, no ponto, a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual, conforme se observa da transcrição do referido dispositivo:
"(...)
Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que:
I - sejam plenamente capazes;
II - a causa possa ser resolvida por autocomposição. (...)
§ 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz".
Por se tratar de perícia consensual, exige-se o comum acordo entre os litigantes, cuja prova realizada substitui, para todos os efeitos, aquela que seria realizada por profissional nomeado pelo juiz. Além disso, as partes devem ser plenamente capazes e a causa deve versar acerca de direito que admita a autocomposição.
A propósito, Francisco Maia Neto explica que:
"(...)
Uma novidade sobre o tema que nos parece relevante se refere à figura da denominada "perícia consensual? que permite às partes, de comum acordo, escolher o perito e que tem caráter vinculativo, o que significa que o juiz não pode contrariar essa disposição trazida pelos litigantes, caso contrário violaria o princípio da autonomia da vontade (art. 471), até porque o próprio texto traz a determinação que esta substitui aquela realizada pelo perito nomeado pelo juiz" (MAIA NETO, Francisco. A prova pericial no novo processo civil e na arbitragem. Belo Horizonte: Delrey, 2015, pág. 39).
Nesse caminho, destaca-se que a doutrina pátria traz importantes lições a respeito do tema:
"(...)
Interessante notar que, para a escolha do perito judicial, o Código faz uma série de exigências, como se vê do disposto no art. 465, § 2º, I a III, determinando que, ciente da nomeação, o perito apresentará em cinco dias proposta de honorários (inc. I); currículo, com a comprovação de sua especialização (inc. H) e contatos profissionais, em especial o endereço eletrônico, para onde serão dirigidas as intimações pessoais (inc. IH); mas em se tratando de peritos escolhidos pelas próprias partes, contenta-se com o consenso de ambas em escolher um mesmo perito, que deve, no entanto, ser devidamente identificado e qualificado" (ALVIM, J. E. Carreira. Comentários ao novo código de processo civil - vol. VII. Curitiba: Juruá, 2017, pág. 471).
"(...)
O art. 471 do CPC/15 prevê, ainda, a possibilidade de as partes, de comum acordo, escolherem o perito. A escolha, aplicando-se por analogia o que está previsto para os conciliadores e mediadores (art. 168 CPC/15), não estará restrita aos profissionais cadastrados no Tribunal" (ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários do código de processo civil. São Paulo: Thomson Reuters, pág. 359).
"(...)
Por outro lado deve ser lembrado o art. 471 do CPC, que permite que as partes escolham o perito desde que sejam plenamente capazes e a causa possa ser resolvida por autocomposição. Nesse caso a lista disponibilizada pelo tribunal é irrelevante, podendo ser escolhido perito estranho a ela, sendo tal hipótese mais uma demonstração clara da perda de poder do juiz na nomeação do perito judicial" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de processo civil comentado. São Paulo: JusPodivm, 2022, págs. 307-308 e-STJ).
Diante da necessidade de uniformização da matéria, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 233/2016 para dispor acerca da "criação de cadastro de profissionais e órgãos técnicos ou científicos no âmbito da Justiça de primeiro e segundo graus" e determinar a instituição do Cadastro Eletrônico de Peritos e Órgãos Técnicos e Científicos (CPTEC), conforme os dispositivos a seguir:
"(...)
Art. 1º Os tribunais brasileiros instituirão Cadastro Eletrônico de Peritos e Órgãos Técnicos ou Científicos (CPTEC), destinado ao gerenciamento e à escolha de interessados em prestar serviços de perícia ou de exame técnico nos processos judiciais, nos termos do art. 156, § 1º, do Código de Processo Civil.
§ 1º O CPTEC conterá a lista de profissionais e órgãos aptos a serem nomeados para prestar serviço nos processos a que se refere o caput deste artigo, que poderá ser dividida por área de especialidade e por comarca de atuação.
§ 2º Para formação do cadastro, os tribunais deverão realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a entidades, órgãos e conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.
Art. 2º Cada tribunal publicará edital fixando os requisitos a serem cumpridos e os documentos a serem apresentados pelos profissionais e pelos órgãos interessados, nos termos desta Resolução.
Art. 3º Os tribunais manterão disponíveis, em seus sítios eletrônicos, a relação dos profissionais e órgãos cujos cadastros tenham sido validados.
Parágrafo único. As informações pessoais e o currículo dos profissionais serão disponibilizados, por meio do CPTEC, aos interessados, conforme § 2º do art. 157 do CPC, e aos magistrados e servidores do respectivo tribunal.
Art. 4º O profissional ou o órgão interessado em prestar serviço nos processos deverá apresentar a documentação indicada no edital.
§ 1º O cadastramento é de responsabilidade do próprio profissional ou do órgão interessado e será realizado exclusivamente por meio do sistema disponível no sítio de cada tribunal.
§ 2º A documentação apresentada e as informações registradas no CPTEC são de inteira responsabilidade do profissional ou do órgão interessado, que é garantidor de sua autenticidade e veracidade, sob penas da lei.
§ 3º O cadastramento ou a efetiva atuação do profissional, nas hipóteses de que trata esta Resolução, não gera vínculo empregatício ou estatutário, nem obrigação de natureza previdenciária.
§ 4º Ficam mantidos os cadastros existentes na data da publicação desta Resolução, previstos em atos normativos que não conflitem com as disposições deste artigo.
Art. 5º Cabe a cada tribunal validar o cadastramento e a documentação apresentada pelo profissional ou pelo órgão interessado em prestar os serviços de que trata esta Resolução.
§ 1º Os tribunais poderão criar comissões provisórias para análise e validação da documentação apresentada pelos peritos.
§ 2º Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas, para manutenção do cadastro, relativas à formação profissional, ao conhecimento e à experiência dos peritos e órgãos cadastrados".
Ademais, a referida resolução traça outras normas a respeito da questão: (i) impossibilidade de nomeação profissional ou de órgão que não esteja regularmente cadastrado, salvo no caso do art. 156, § 5º, do CPC/2015 (art. 6º, caput); (ii) a escolha dos peritos previamente cadastrados ocorrerá por nomeação direta ou por sorteio eletrônico, a critério do magistrado (art. 9º, § 1º) e (iii) o juiz poderá selecionar profissionais de sua confiança, entre aqueles que estejam regularmente cadastrados no CPTEC, para atuação em sua unidade jurisdicional, devendo, entre os selecionados, observar o critério equitativo de nomeação em se tratando de profissionais da mesma especialidade (art. 9º, § 2º).
Por sua vez, o CNJ reafirma que a nomeação de perito ou de órgão não cadastrado somente ocorrerá quando não existir profissional especializado e quando houver indicação conjunta pelas partes. Nessa hipótese, "o profissional ou o órgão será notificado, no mesmo ato que lhe der ciência da nomeação, para proceder ao seu cadastramento" (art. 10).
No caso dos autos, o juiz, ao proferir a decisão saneadora (fls. 101-104 e-STJ), deferiu a produção de prova pericial e instou as partes para que indicassem, conjuntamente, algum profissional com o objetivo de realizar os trabalhos, consoante se extrai do seguinte excerto:
"(...)
3- Defiro a prova pericial, a fim de se averiguar a eventual ocorrência de dano às obras do autor. Digam as partes se têm profissional que desejam indicar em conjunto para a realização dos trabalhos.
4- Após a produção desta será avaliada a necessidade e conveniência de produção de outras provas" (fl. 103 e-STJ).
Em resposta, o réu (ora recorrente) destacou que "não logrou êxito em cogitar de um profissional que pudesse atuar como perito do juízo com a necessária equidistância das partes, pelo que aguarda a nomeação de perito imparcial por V.Exa." (fl. 105 e-STJ). Já o autor (ora recorrido) indicou o Professor Dr. Olívio Guedes (fls. 107-108 e-STJ).
Após, o magistrado de piso determinou a intimação do réu para dizer se concordava com a sugestão de perito oferecida pelo autor (fl. 109 e-STJ). Por sua vez, o requerido se opôs à indicação do requerente, nos seguintes termos:
"(...)
Diante disso, apesar de reconhecer o renome do profissional indicado pelo autor, pelos motivos antes declinados, discorda de sua nomeação como perito e aguarda a nomeação de profissional imparcial e equidistante das partes pelo Juízo, após o que poderão ambas as partes indicar assistentes técnicos de confiança, para que o trabalho técnico possa se desenvolver sem maiores percalços" (fl. 111 e-STJ - grifou-se).
Com efeito, apesar da divergência entre as partes no tocante ao perito, o juízo de primeiro grau aceitou a indicação do profissional feita pelo autor devido à ausência de suspeição e à possibilidade de nomeação de assistente técnico:
"(...)
Ante a ausência de prova de eventual suspeição do experto indicado pelo autor, e a possibilidade de nomeação de assistentes técnicos pelas partes, homologo o nome apresentado pelo requerente, Dr. Olívio Guedes.
Contate-se o profissional por meio do telefone indicado a fls. 1.092, uma vez que não cadastrado junto ao TJ/SP, intimando-o desta decisão, a fim de que informe se aceita o encargo, devendo providenciar o registro competente junto ao sítio eletrônico do Tribunal.
Certifique-se.
Intime-se" (fl. 112 e-STJ - grifou-se).
A par disso, o magistrado poderia ter nomeado diretamente o perito, com a seleção ou com o sorteio entre os profissionais e órgãos técnicos ou científicos constantes do cadastro realizado e mantido pelo tribunal. Todavia, ao atribuir essa escolha aos litigantes, deveria ter observado os comandos do art. 471 do CPC/2015, que exige o comum acordo.
Assim, a justificativa de ausência de suspeição ou da possibilidade de nomeação de assistente técnico não afasta a necessidade de consenso entre as partes, tanto que a decisão saneadora determinou a intimação dos litigantes para que dissessem se desejavam indicar em conjunto o profissional para realizar os trabalhos periciais.
Nessa linha, observa-se que o CPC/2015 estabelece como regra a escolha do perito pelo juízo e, como alternativa, possibilita a nomeação do referido profissional pelas partes. Porém, na segunda hipótese, a concordância dos litigantes é elemento fundamental à validade (ou à existência) do negócio jurídico processual.
Tanto é assim que o Enunciado nº 616 do Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC orienta no sentido de que "os requisitos de validade previstos no Código Civil são aplicáveis aos negócios jurídicos processuais, observadas as regras processuais pertinentes".
Com idêntico raciocínio, eis o seguinte ensinamento doutrinário:
"(...)
O art. 471 do CPC autoriza a celebração de um negócio processual probatório: a escolha consensual do perito. Essa convenção processual deve observar os mesmos dois pressupostos gerais previstos para a negociação processual atípica do art. 190 (...)" (DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Salvador: JusPodivm, 2015, vol. 2, pág. 287)
Além disso, o art. 190 do CPC/2015, que traz a norma geral dos negócios processuais, prescreve ser lícito às partes estipular mudança "no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Com efeito, o estatual processual deixa claro, mais uma vez, a necessidade de convergência entres os sujeitos litigantes, sem a qual o ajuste não se concretiza.
Dessa forma, diante da ausência de consenso entre as partes, é nula a decisão que acolheu a indicação do perito feita pelo autor, cabendo ao magistrado de piso nomear profissional devidamente inscrito em sistema mantido pelo tribunal ao qual está vinculado, em conformidade com a codificação processual civil.
3. Da conclusão
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para anular a decisão que homologou a indicação do perito e determinar a nomeação de profissional pelo magistrado de piso de acordo com as prescrições legais, ficando prejudicado o pedido de atribuição de efeito suspensivo.
É o voto.