RECURSO ESPECIAL Nº 1.722.578 - SP (2018/0007186-1)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : INDÚSTRIAS NARDINI S/A
ADVOGADOS : ROSEMEIRE MENDES BASTOS - SP105252
LYRIAM SIMIONI - SP275732
GEVANIO SALUSTIANO DE OLIVEIRA - SP335058
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE AMERICANA
PROCURADOR : RENATO GUMIER HORSCHUTZ E OUTRO(S) - SP155371
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da CF/1988, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo cuja ementa é a seguinte (fl. 122, e-STJ):
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO Contraprestação pela Permissão de Uso a título oneroso de bem público Lei Municipal nº 5.519/13 que não revogou o Decreto Municipal nº 6.593/05, mas apenas consumou a desafetação do bem tornando-o dominical Todos os bens públicos, qualquer que seja a sua natureza, são passíveis de uso especial por particulares Correta a cobrança pela Municipalidade das parcelas não adimplidas pela autora Ação julgada improcedente na 1ª Instância Sentença mantida Recurso improvido.
Em suas razões, a recorrente alega que houve violação do art. 19 do Código de Processo Civil/2015, sob o argumento de que "no caso em apreço, embora o embate desborde sobre a interpretação da Lei Municipal de Americana 5.519/13 em confrontação com a contraprestação de uso que trata o Decreto Municipal de Americana 6.593/05, o que buscou a Recorrente é a declaração de inexigibilidade do débito estampado na CDA em questão, daí a infringência ao artigo 19 da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil), qual possui identidade ao artigo 4º do Revogado Código de Processo Civil de 1973" (fls. 134-135, e-STJ).
Contrarrazões às fls. 141-147, e-STJ.
O Recurso Especial não foi admitido pelo Tribunal de origem (fl. 150, e-STJ).
Por decisão proferida no AREsp 1.232.031/SP, determinei a conversão do Agravo para o presente recurso (fl. 175, e-STJ).
O Ministério Público Federal, na pessoa do Subprocurador-Geral da República José Flaubert Machado Araújo, opinou pelo não conhecimento do presente recurso (fls. 181-183, e-STJ). Eis a ementa do parecer ministerial:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. Ação ajuizada por sociedade empresária em face do Município de Americana visando à declaração de inexistência de débitos, no período de outubro a dezembro de 2013, relativos à contraprestação pela permissão de uso privado de áreas públicas outrora classificadas como de uso comum e de uso especial e que foram desafetadas pela Lei nº 5.519/2013 do Município de Americana, que as transferiu para a categoria de bens dominicais, o que, segundo a Autora, a teria desobrigado do pagamento pela permissão de uso especial a título oneroso. Ação julgada improcedente. Apelação não provida. Recurso especial interposto pela sociedade empresária Autora, com fundamento na alínea ?a? do artigo 105, III, da Constituição da República, sob a alegação de contrariedade ao artigo 19 do CPC de 2015. Recurso que não é suscetível de conhecimento, porque a matéria de que trata o dispositivo legal apontado como violado não foi prequestionada, nem mesmo implicitamente. Além disso, sequer foram opostos embargos de declaração para essa finalidade. Ainda que assim não fosse, não seria possível examinar, em recurso especial, alegações pertinentes ao conteúdo normativo de legislação municipal, em virtude do óbice da Súmula nº 280 do STF, aplicável ao recurso especial por analogia. Recurso especial que não deve ser conhecido.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.722.578 - SP (2018/0007186-1)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 14.3.2018.
Tenho que a irresignação não merece prosperar.
Não se pode conhecer da irresignação contra a ofensa ao art. 19 do Código de Processo Civil/2015, pois esse dispositivo legal não foi analisado pela instância de origem, sendo certo que a parte não opôs Embargos de Declaração visando a provocar a manifestação do Tribunal a quo acerca de tal artigo. Ausente, portanto, o indispensável requisito do prequestionamento, o que atrai, por analogia, o óbice da Súmula 282/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada." A propósito:
(...) PROCESSUAL CIVIL. (...) PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno aviado contra decisão monocrática publicada em 09/05/2017, que julgou recurso interposto contra decisão que inadmitira Recurso Especial, publicada na vigência do CPC/2015.
(...)
V. O acórdão recorrido, ao dirimir a controvérsia, não expendeu qualquer juízo de valor sobre os arts. 29, 30, 130 e 131 do Código Tributário Nacional, invocados como violados, na petição do Recurso Especial. De fato, por simples cotejo das razões recursais e dos fundamentos do acórdão, percebe-se que a tese recursal, vinculada aos citados dispositivos, tidos como violados, não fora apreciada, no voto condutor, sequer de modo implícito, não tendo servido de fundamento à conclusão adotada pelo Tribunal de origem. Assim, é o caso de incidência do óbice da Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada").
VI. Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp 1053492/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe 13/10/2017, grifei).
(...) PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. (...)
1. O acórdão recorrido não apreciou a matéria pertinente ao art. 373, I, do CPC/15, tampouco foram opostos embargos declaratórios para suprir eventual omissão. Portanto, ante a falta do necessário prequestionamento, incide o óbice da Súmula 282/STF.
(...)
4. Agravo Interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1642552/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 13/10/2017, grifei).
Por fim, verifica-se que o Tribunal de origem, ao julgar o recurso de Apelação, solucionou a questão com base em legislação local, nos seguintes termos (fls. 123-125, e-STJ, grifei):
Cuida-se de ação declaratória ajuizada por Indústria Nardini S.A. em face da Prefeitura Municipal de Americana, objetivando a declaração de inexistência de relação jurídica atinente ao débito das contraprestações dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2013, pelo uso da área descrita na inicial. Aduz, a autora que obteve a permissão para utilização de áreas públicas pertencentes à ré, mediante o pagamento da quantia mensal de R$5.466,15, tendo deixado de quitar aludidas parcelas diante da promulgação da Lei nº 5.519/13, que revogou o Decreto Municipal nº 6.593/05, ao tornar os bens dominicais.
Infundada a pretensão postulatória.
Conforme consta dos autos, a requerente possui permissão de uso das áreas públicas em comento por força do Decreto Municipal nº 6.593/02 (fl. 68), o qual continua em plena vigência, tendo em vista que a Lei Municipal nº 5.519/13 não o revogou. Operou-se, no caso, apenas a desafetação, já que referida lei dispôs sobre a alteração da categoria de uso dos bens nela descritos. Confira-se, a propósito:
?Art. 1º. Ficam transferidos da categoria de bens de uso comum/ bens de uso especial para a categoria de bens dominicais, os imóveis descritos nos anexos que acompanham e integram a presente lei.? (fls. 30)
Ora, nos termos do art. 99, do Código Civil:
?Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.?
(...)
Desta feita, tem-se que a permissão de uso é ato negocial (com ou sem condições, gratuito ou oneroso, por tempo certo ou determinado), unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público, independentemente de sua natureza pública ser de uso comum, especial ou dominial.
Logo, conforme já explicitado, a Lei Municipal nº 5.519/13 não revogou o Decreto Municipal nº 6.593/05, a qual concedeu a permissão de uso da área para a autora. Referida lei tratou-se, apenas, de ato de desafetação, no qual os bens, nela descritos, de uso comum ou uso especial perderam a destinação pública, passando à categoria de bens dominicais. Não há qualquer fundamento para a autora ter deixado de pagar as parcelas referentes à contraprestação da permissão a título oneroso, sendo totalmente pertinente a sua cobrança pela Municipalidade.
De rigor, assim, a manutenção da r. sentença singular, proferida em consonância com os argumentos acima articulados, não merecendo prosperar o inconformismo da apelante.
Isto posto, nega-se provimento ao recurso.
Assim, o exame da matéria demanda análise de Direito local, razão por que incide, por analogia, a Súmula 280 do STF: "por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". A propósito:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IPTU. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 32, § 2º, DO CTN. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE LEI MUNICIPAL QUE DECLARE A ÁREA COMO ZONA DE EXPANSÃO URBANA OU URBANIZÁVEL. ANÁLISE DE LEI LOCAL. INVIABILIDADE. SÚMULA 280/STF. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. O Tribunal de origem, ao dirimir a controvérsia, concluiu inexistir lei municipal que declare expressamente o loteamento Jardim dos Lírios como área urbanizável ou de expansão urbana, motivo pelo qual julgou ilegítima a cobrança do IPTU.
2. A revisão da conclusão da Corte local - feita com base na interpretação do direito local (Lei Municipal 3.016/1996) - é vedada ao Superior Tribunal de Justiça, em decorrência da aplicação do disposto na Súmula 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário".
(...)
4. Recurso Especial não conhecido.
(REsp 1657365/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 02/05/2017).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL (...) ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. DECRETO MUNICIPAL Nº 2.024/94. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. (...)
(...)
2. O Tribunal de origem decidiu a controvérsia com fundamento na Lei n.º 2.024/94 do Município de Mirassol. Dessa forma, o exame da insurgência exigiria a análise de dispositivo de legislação local, pretensão insuscetível de ser apreciada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 280/STF. Precedentes.
(...)
(AgInt no AREsp 1034981/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 08/03/2018, grifei).
ADMINISTRATIVO. (...) ACÓRDÃO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA INTERPRETANDO LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DO ENUNCIADO N. 280 DA SÚMULA DO STF. (...).
I - O Tribunal a quo, para decidir a controvérsia, interpretou legislação local, in casu, a Lei Municipal n. 223/74, do Município de Itapevi/SP, o que implicou na inviabilidade do recurso especial, aplicando-se, por analogia, o teor da Súmula n. 280/STF, que assim dispõe: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário".
(...)
(AgInt no AREsp 1144623/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 26/02/2018, grifei).
Diante do exposto, não conheço do Recurso Especial.
É como voto.