RECURSO ESPECIAL Nº 1.774.987 - SP (2018/0228605-4)
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: CARLA ALESSANDRA FERNANDES propôs "Ação Autônoma Exibitória" em face do BANCO BRADESCO S.A, aduzindo que teve seu nome lançado em rol de inadimplentes por conta de suposta dívida contraída com a instituição financeira. Não obteve, todavia, acesso ao contrato que gerou o débito questionado, apesar de ter efetuado solicitação realizada por via extrajudicial. Pede, assim, a exibição desse documento. Afirma que a solicitação encontra guarida nas regras dos arts. 399 e 497 do Código de Processo Civil de 2015.
A sentença (fls. 40/46 e-STJ) extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, por carência de ação, pela falta de interesse-adequação. O juízo singular entendeu que, com a entrada em vigor do novo CPC, a exibição de documentos ou coisas passou a ser prevista expressamente apenas em caráter incidental, no curso do processo em andamento (arts. 396 a 404 do CPC). Afirmou também que não foi comprovado que houve pedido prévio à instituição financeira para que esta exibisse o documento, nem do pagamento do custo desse serviço.
A autora apelou, sustentando que não se trata de ação cautelar, mas de obrigação de fazer (fornecer documento), com fundamento no art. 497 do CPC. Argumentou que a providência jurisdicional requerida também encontra fundamento no art. 381, III, do CPC, que admite a produção antecipada de prova como ação autônoma, para prévio conhecimento dos fatos para justificar ou evitar o ajuizamento de ação. Aduz que teve o nome negativado sem que lhe fosse fornecido documento algum, mesmo quando solicitado na esfera administrativa. Afirma que tal solicitação foi comprovada, não havendo de se falar em pagamento de taxas administrativas para obtenção de segunda via porque a primeira via nunca lhe foi fornecida.
O Tribunal de origem negou provimento à apelação, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Apelação - Obrigação de fazer ? Pretensão a exibição de documentos - Medida inadequada ante a orientação processual estabelecida na legislação de 2015 ? Interesse de agir ausente ? Extinção do processo mantida - Recurso desprovido.
A parte, assim, interpôs o presente recurso especial, no qual alega ofensa aos arts. 397, 399 e 497 do Código de Processo Civil. Sustenta que não há de se falar em ausência de interesse de agir, sendo viável o pedido de exibição de documento em ação autônoma, com natureza satisfativa, para verificação da possibilidade/viabilidade do ajuizamento de futura demanda. Argumenta que a instituição financeira tem o dever de apresentar os documentos relativos a negócios jurídicos ajustados com seus clientes. Suscita dissídio jurisprudencial com o REsp n. 1.349.453/MS. Aduz que realizou o pedido extrajudicial, e que não se trata de emissão de segunda via, mas da via do cliente, que lhe deveria ser entregue no ato de assinatura do contrato. Argumenta que a existência de taxa para fornecimento da via do cliente não lhe foi comunicada, ao contrário, a instituição financeira somente ignorou o pedido administrativo.
Contrarrazões às fls. 100-106, em que a parte recorrida sustenta a incidência das Súmulas 5 e 7 e falta de prequestionamento.
Em juízo prévio de admissibilidade, a Corte de origem negou seguimento ao recurso especial, decisão que foi objeto de agravo, provido este para melhor exame da matéria.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.774.987 - SP (2018/0228605-4)
VOTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Ao julgar a apelação, a Corte de origem assim manifestou seu entendimento:
Impõe-se desde já esclarecer que confirmada a falta de interesse processual da apelante.
Conforme se observa da mera leitura da inicial, ratificada na petição de emenda, a pretensão da recorrente encerra verdadeira medida de caráter cautelar, cujo tratamento de processo autônomo foi extirpado da novel legislação processual.
Ganhou atualmente a tutela de urgência o status de decisão com natureza cautelar, de tal sorte que pode ser requerida no corpo da ação principal ou em caráter antecedente.
Assim sendo, a presente medida carece de adequação e também da própria necessidade posto que poderia ser pleiteada nas hipóteses acima mencionadas.
Diante da inadequação e desnecessidade de provimento resta evidente a falta de interesse processual da apelante de agir pela via eleita.
Vale observar que exibir documento não constitui obrigação de fazer, dai o acerto da sentença em julgar extinta a ação por falta de interesse processual.
Assim, tem-se que a extinção da ação era mesmo medida de rigor, pelo que mantida a r. sentença.
Anoto que instrui a petição inicial carta dirigida à instituição financeira ré, com o respectivo aviso de recebimento (e-STJ fls. 15-16), solicitando "o documento(s) número(s) 177889898000000FI" e também a via do contrato que nunca lhe foi fornecida e "não uma nova via (segunda)". O recebimento de tal documento não foi especificamente impugnado na genérica contestação.
Os temas relativos à necessidade de pedido extrajudicial e de pagamento de taxa bancária não integram, todavia, os fundamentos da Corte de origem para firmar a carência de ação, motivo por que essas questões não serão examinadas.
A questão federal a ser analisada pelo STJ, portanto, diz respeito à adequação e interesse de se ingressar com ação autônoma, tendo como pedido a obtenção de documento que se encontra na posse do réu.
Esse tema foi examinado no âmbito da II Jornada de Direito Processual Civil, evento realizado nos dias 13 e 14 de setembro de 2018 em Brasília, ocasião em que foram aprovados os seguintes enunciados:
Enunciado 119: É admissível o ajuizamento de ação de exibição de documentos, de forma autônoma, inclusive pelo procedimento comum do CPC (art. 318 e seguintes).
Enunciado 129: É admitida a exibição de documentos como objeto de produção antecipada de prova, nos termos do art. 381 do CPC.
Com efeito, o entendimento expresso nesses verbetes infirma a tese adotada pelo acórdão recorrido, para o qual o novo Código de Processo Civil só admitiria a exibição de documentos como incidente de uma demanda principal. A doutrina destoa de tal juízo, afirmando que a parte que necessita obter documento em posse de outrem pode se servir de ação autônoma para satisfazer sua pretensão:
Existem situações de fato nas quais o autor necessita ter contato com determinado documento ou coisa que não está em seu poder, para saber qual é o seu exato conteúdo ou estado e, assim, avaliar se é ou não o caso da utilização de uma medida judicial. Para viabilizar esse contato do autor a lei lhe permite a utilização da via processual denominada exibição de documento, que pode seguir o procedimento previsto para a tutela cautelar requerida em caráter antecedente ou o procedimento previsto nos art. 396 e seguintes, do CPC, variando se o pedido é feito em face da própria parte ou em face de terceiro. Há ainda, em tese, a possibilidade do autor pleitear a exibição mediante ação que siga o procedimento comum, embora possa obter a mesma eficácia com a utilização dos outros ritos, que são mais simples e por isso, mais indicados.
[Oliveira Neto, Olavo de, Curso de direito processual civil: volume 2: tutela de conhecimento (Lei n. 13.105/15 Novo CPC)/ Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros neto, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira - 1. ed. - São Paulo: Editora Verbatim, 2016, p. 262.]
Na vigência do CPC/1973, a medida aqui estudada era qualificada como uma "cautelar", ajuizada em processo autônomo, mas que impunha à parte interessada: a) a demonstração do interesse na obtenção de determinada prova para uso em outro processo (dito "principal"); e b) a indicação precisa desse outro interesse (a ser objeto do processo seguinte) que seria protegido pela medida de obtenção de prova.
O modelo atual não contém tais requisitos. Por isso, habilita-se a postular a obtenção antecipada de prova qualquer pessoa que tenha simples interesse jurídico na colheita dessa prova, seja para emprega-la em processo futuro, seja para fins de precaver-se de um eventual processo judicial, seja para subsidiá-lo na decisão de ajuizar ou não uma demanda, seja ainda para tentar, com base nessa prova, obter uma solução extrajudicial de seu conflito. Note-se, por isso, que sequer é necessário que o interessado indique para qual "eventual demanda futura" essa prova se destina. Basta que apresente, em seu requerimento, razão suficiente (amoldada a um dos casos do art. 381) para a obtenção antecipada da prova. Por isso, qualquer pessoa que possa apontar uma das causas do art. 381, tem legitimidade para postular a medida em estudo, seja ou não parte em outra demanda judicial futura.
[ Marinoni, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II/Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. - 2. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pp. 317-318.]
A depender da circunstância de o documento ou coisa estar em mãos da parte adversária ou de terceiro particular, o procedimento a ser seguido será distinto, porque distinta será a natureza jurídica do instituto em cada caso: contra a parte adversária, tem-se um incidente processual; contra o terceiro particular, um verdadeiro processo incidente.
(...) Uma ressalva há de ser feita.
A exibição de coisa ou documento contra a parte adversária poderá ocorrer por ação autônoma. Seria uma ação probatória autônoma, nos termos em que autorizada pelos arts. 381-383, CPC).
[Didier Jr. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela/Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveria - 12. ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016. v.2. pp 257-258].
O art. 381 do novo CPC elenca, em rol exaustivo, as situações nas quais é possível a produção antecipada da prova. Será possível nas circunstâncias em que: "I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
(...)
No inciso III, ao contrário do que acabamos de afirmar, as partes não estão tão certas quanto aos fatos, e a prova será útil para saber se a ação principal poderá ou deverá ser proposta. O exemplo que nos vem à mente mais rapidamente é o da exibição de documento ou coisa. Dependendo do que for apresentado, e do teor do documento, pode ser que a parte promovente não tenha o interesse em manejar a ação posteriormente.
(...)
Conforme já informamos anteriormente, o requerimento pode ser feito antes de iniciada a fase instrutória do processo e, dependendo do caso, antes mesmo de se ingressar com a ação principal. Essa conclusão é tirada da interpretação dos três incisos do art. 381 do novo CPC, também do seu § 3º.
[Beraldo, Leonardo de Faria. Comentários às Inovações do Código de ProcessoCivil Novo CPC: Lei 13.105/2015. Belo Horizonte: Del Rey, 2015, pp 163-164.]
No caso dos autos, como já relatado, a parte ingressou com o pedido de exibição por meio da presente ação, em razão da negativação de seu nome em órgão de proteção ao crédito. Afirma que desconhece a dívida, e necessita do teor do contrato que deu origem ao débito para tomar as providências cabíveis. Tal providência, a teor dos enunciados da II Jornada de Processo Civil e da doutrina autorizada, pode ser buscada por meio de ação autônoma, não havendo de se falar em falta de adequação ou interesse.
Apresentado o documento - especificamente indicado na inicial pelo número constante do cadastro negativo - o autor definirá se ajuizará ou não ação de conhecimento. Adequada, portanto, a ação autônoma de exibição para o fim proposto (CPC, arts. 381 e 396).
Em face do exposto, conheço do recurso especial e a ele dou provimento, para anular a sentença e o acórdão recorrido, determinando o retorno dos autos ao juízo singular de origem, ensejando o prosseguimento do processo, superada a questão acima tratada.
É como voto.