Inteiro teor - REsp 1739399

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.739.399 - SP (2017/0331597-5) RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Cuida-se de recurso especial interposto por Cocamar Cooperativa Agroindustrial, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo assim ementado (e-STJ, fl. 1.978): AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de título extrajudicial. Decisão que determinou a inclusão da sucessora no polo passivo da execução, determinando sua citação. Pesquisa pelo sistema BacenJud com ordem de bloqueio positiva. Possibilidade. Confusão patrimonial e operacional. Elementos dos autos que indicam a existência de sucessão de fato - Inclusão no polo passivo - Admissibilidade - Precedente desta Corte Recurso não provido. Opostos embargos de declaração (e-STJ, fls. 1.999-2.004), foram rejeitados (e-STJ, fls. 2.009-2.017). Nas razões do apelo nobre, alegou a cooperativa, reconhecida como sucessora, violação dos arts. 133, 134, 135, 485, VI, 489, § 1º, 829, 830 e 1.022, II, do CPC/2015, e 1.146 do CC/2002, além de dissídio jurisprudencial, ao argumento de que, no caso: a) o Tribunal de origem foi omisso ao deixar de se pronunciar sobre as seguintes questões: i) falta de interesse de agir, uma vez que, para pleitear o redirecionamento da execução em seu desfavor, o banco exequente deveria ter comprovado que os devedores principais estavam insolventes; e ii) nulidade da decisão que determinou a penhora de bens antes mesmo de ser realizada a sua citação; b) ausência de interesse de agir do banco requerido para pleitear sua inclusão no polo passivo da demanda, tendo em vista que não ficou comprovada a insolvência das devedoras principais dos títulos extrajudiciais, Corol Cooperativa Agroindustrial e Corol Agroenergia; c) o acórdão recorrido decidiu por incluí-la no polo passivo da execução, na condição de sucessora da empresa Corol, sem determinar a instauração do incidente previsto nos arts. 133 a 135 do CPC/2015, com vistas à apuração de eventual responsabilidade pelo pagamento da dívida de terceiros, bem como sem que fosse realizada sua citação, o que configura cerceamento do direito de defesa; d) ausência de fundamentação da decisão que autorizou sua inclusão no polo passivo da execução; e e) inexistência de sucessão entre as empresas, uma vez que o patrimônio da Corol não foi transferido em favor da ora recorrente, razão pela qual continua aquela a responder pelo pagamento das próprias dívidas. Contra-arrazoado (e-STJ, fls. 2.094-2.129), o recurso não foi admitido (e-STJ, fls. 2.130-2.132), ensejando a interposição do AREsp n. 1.225.801/SP, que, diante da relevância das questões controvertidas, foi provido por decisão desta relatoria determinando sua conversão em recurso especial. Houve o deferimento de tutela provisória de urgência, a fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso especial, com a determinação de sustação de todo e qualquer levantamento ou transferência de numerário relativo ao processo originário (n. 1034689-93.2013.8.26.0100), devendo a importância permanecer em conta judicial até o julgamento definitivo da questão pelo Superior Tribunal de Justiça. Contra essa decisão o Banco Fibra S.A. interpôs agravo interno (e-STJ, fls. 2.566-2.581), que se encontra pendente de julgamento. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.739.399 - SP (2017/0331597-5) VOTO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Trata-se, na origem, de execução de título extrajudicial proposta por Banco Fibra S.A. em desfavor de Corol Cooperativa Agroindustrial e Corol Agroenergia, objetivando o recebimento do valor inicial de R$ 15.887.618,97 (quinze milhões, oitocentos e oitenta e sete mil, seiscentos e dezoito reais e noventa e sete centavos), considerando a data-base de 23/5/2013, em virtude do não pagamento dos Contratos de Câmbio n. 10/003068, 10/004193, 10/004194, 10/002780 e 10/002765. Como o valor exequendo não foi pago, o banco credor alegou que teria ocorrido a sucessão de fato da Corol pela cooperativa Cocamar, ora recorrente, e pleiteou a inclusão da sucessora no polo passivo da execução, o que foi deferido por decisão do Juízo da 21ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, proferida em 5/4/2016, aos seguintes fundamentos (e-STJ, fls. 2.397-2.399): (...). Busca a exequente, em quase quatrocentas laudas, o reconhecimento de sucessão empresarial de fato entre a requerida Corol Cooperativa Agroindustrial e a Cocamar Cooperativa Agroindustrial. Com a vinda da petição de fls. 1547/1942, tanto a Corol (fls. 1945/1956) quanto a Cocamar (fls. 1957/2359, 2360/2425, 2427/2430) se manifestaram. Após isto, já com os autos conclusos, as partes continuaram a peticionar (exequente a fls. 2433/2495 e 2496/2520, Cocamar a fls. 2521/2532 e 2533/2544). Assim, totalizam 1.000 laudas para a apreciação de uma sucessão empresarial, volume excessivo de documentos que está se tornando uma característica típica da era do processo eletrônico. Pois bem, a Corol e a Cocamar iniciaram tratativas visando a fusão das cooperativas, projeto iniciado em 2.010. Contudo, o projeto foi interrompido em virtude do montante da dívida da Corol. Entretanto, pela Ata da Reunião realizada pelas cooperativas envolvidas em 17 de junho de 2.010 (fls. 1710/1714), fora acertado o arrendamento total das unidades operacionais da executada, em relação aos negócios de soja, milho, trigo, café e insumos agropecuários, por quinze anos, renováveis por igual prazo, e a compra dos estoques nelas existentes. Dispôs ainda a reunião, dentre outras coisas, que os cooperados da Corol seriam cadastrados na Cocamar, sem a integralização inicial de capital, e que os serviços das unidades operacionais seriam realizados pelos funcionários da Corol, sob a gestão da Cocamar. Os contratos de arrendamento foram celebrados, mas na mesma data foi realizado um acordo operacional entre as partes (fls. 1715/1725), com cláusula de confidencialidade, repactuando o prazo para três anos ou até a fusão das cooperativas. Contudo, nada foi desembolsado pela Cocamar, em 2010, como contraprestação pelos arrendamentos (fls. 1756). Posteriormente, a Cocamar assumiu as unidades da executada de processamento de suco, do moinho de trigo e de torrefação de café, por ajustes ou acordos operacionais (fls. 1761/1786), pelos quais, a exemplo dos arrendamentos, a administração das unidades seria da Cocamar, ainda que os funcionários fossem da Corol. Frustrada definitivamente a fusão, as cooperativas realizaram um segundo aditivo do acordo operacional (fls. 1793/1808), aonde restabeleceram o prazo de quinze anos dos arrendamentos e a Cocamar assumiu as relações trabalhistas com os funcionários da executada. Estabeleceu-se, ainda, a cessão dos créditos da Corol para a Cocamar e, de acordo ainda com o documento de fls. 1787/1792, a Cocamar assumiu obrigações pecuniárias da executada, totalizando mais de R$ 26.000.000,00, e realizou o adiantamento de substancial valor. Contudo, as cooperativas expressamente excluíram da transferência de operações a usina de açúcar e álcool. Ora, na verdade a Cocamar assumiu a totalidade das operações viáveis da Corol, é cessionária dos créditos e agregou à sua estrutura os funcionários da executada. Não efetua a Cocamar qualquer pagamento mensal pelos arrendamentos ou pelas demais operações assumidas, diante dos adiantamentos realizados e pelas demais obrigações pecuniárias transferidas, basicamente destinadas a realização de infraestrutura e à manutenção dos cooperados (clientela), essencial à viabilidade das operações da cooperativa. Não se pode olvidar ainda que os arrendamentos têm prazo de quinze anos, renováveis por igual prazo. Acrescente-se ademais a notícia de transferência de imóvel da Corol para a Cocamar (objeto de contrato de comodato com prazo de trinta anos, posteriormente dado em pagamento de dívida). Logo, há prova nos autos de que, frustrada a fusão das cooperativas, justamente em virtude do grande passivo da executada, a Cocamar sucedeu de fato a executada Corol, ao assumir praticamente a totalidade das operações e da estrutura, inclusive funcional. A sucessão foi de fato justamente para proteger as cooperativas das execuções dos passivos da Corol, proposta que já era viabilizada no início das negociações, quando foi adotado o parecer de fls. 1683/1687 para que os grãos da safra 2.009/2010, antes destinados à Corol, fossem diretamente para a Cocamar. A reforçar tal compreensão, os documentos acostados a fls.1822/1880 demonstram ainda a promiscuidade financeira, ao apontar o pagamento de despesas da Corol pela Cocamar. Logo, o requerimento do exequente merece acolhimento, devendo a execução ser estendida à Cocamar, em decorrência de sucessão empresarial de fato. Observo, por fim, que, contrariamente ao exposto pela sucessora, na sucessão não há benefício de ordem. Inclua-se a sucessora no polo passivo da execução e cite-se-a formalmente, por carta precatória, dos termos da execução. Sem prejuízo, considerando que a sucessão de fato da executada foi engendrada para justamente proteger o patrimônio da sucessora e os lucros das atividades antes realizadas pela executada, determino, desde logo, a realização de nova pesquisa pelo sistema BACENJUD, pois será ineficaz se oportunamente realizada. (...). Essa decisão foi atacada por agravo de instrumento, o qual foi desprovido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 1.978): AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de título extrajudicial. Decisão que determinou a inclusão da sucessora no polo passivo da execução, determinando sua citação. Pesquisa pelo sistema BacenJud com ordem de bloqueio positiva. Possibilidade. Confusão patrimonial e operacional. Elementos dos autos que indicam a existência de sucessão de fato - Inclusão no polo passivo - Admissibilidade - Precedente desta Corte Recurso não provido. Opostos embargos de declaração (e-STJ, fls. 1.999-2.004), foram rejeitados (e-STJ, fls. 2.009-2.017). Nas razões do apelo nobre, alegou a Cocamar Cooperativa, ora recorrente, violação dos arts. 133, 134, 135, 485, VI, 489, § 1º, 829, 830 e 1.022, II, do CPC/2015, e 1.146 do CC/2002, além de dissídio jurisprudencial, ao argumento de que, no caso: a) o Tribunal de origem foi omisso ao deixar de se pronunciar sobre as seguintes questões: i) falta de interesse de agir, uma vez que, para pleitear o redirecionamento da execução em seu desfavor, o banco exequente deveria ter comprovado que os devedores principais estavam insolventes; e ii) nulidade da decisão que determinou a penhora de bens antes mesmo de ser realizada a sua citação; b) ausência de interesse de agir do banco requerido para pleitear sua inclusão no polo passivo da demanda, tendo em vista que não ficou comprovada a insolvência das devedoras principais dos títulos extrajudiciais, Corol e Corol Agroenergia; c) o acórdão recorrido decidiu por incluí-la no polo passivo da execução, na condição de sucessora da empresa Corol, sem determinar a instauração do incidente previsto nos arts. 133 a 135 do CPC/2015, com vistas à apuração de eventual responsabilidade pelo pagamento da dívida de terceiros, bem como sem que fosse realizada sua citação, o que configura cerceamento do direito de defesa; d) ausência de fundamentação da decisão que autorizou sua inclusão no polo passivo da execução; e e) inexistência de sucessão entre as empresas, uma vez que o patrimônio da Corol não foi transferido em favor da ora requerente, razão pela qual continua aquela a responder pelo pagamento das próprias dívidas. a) Ofensa ao art. 1.022, II, do CPC/2015. Embora rejeitados os embargos de declaração, as questões relacionadas ao interesse de agir da instituição financeira para propor a execução contra a ora recorrente e à possível nulidade da decisão que determinou a penhora de bens antes mesmo de ser realizada a citação da Cocamar foram devidamente enfrentadas pelo Colegiado de origem, que sobre elas emitiu pronunciamento de forma fundamentada, com enfoque suficiente a autorizar o conhecimento do recurso especial. É de se salientar que, tendo encontrado motivação bastante para fundamentar a decisão, não fica o órgão julgador obrigado a responder, um a um, aos questionamentos suscitados pelas partes, mormente se evidente o propósito de infringência do julgado. b) Falta de interesse de agir sob a alegação de que, para pleitear o redirecionamento da execução em desfavor da Cocamar, ora recorrente, o banco exequente deveria ter comprovado que os devedores principais estavam insolventes. Na esteira do que dispõem os arts. 57 a 62 da Lei n. 5.764/1971 ? que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências ? a constituição de uma nova sociedade poderá ocorrer por meio de fusão, incorporação ou desmembramento. A fusão determina a extinção das cooperativas que se unem para formar uma nova sociedade que lhes sucederá nos direitos e obrigações. Já pela incorporação, uma sociedade cooperativa absorve o patrimônio, recebe os associados, assume as obrigações e se investe nos direitos de outra(s) cooperativa(s). Por sua vez, na hipótese de desmembramento, em que há a possibilidade de serem instituídas tantas entidades quantas forem necessárias para atender aos interesses dos seus associados, haverá a elaboração de um plano que preverá o rateio, entre as novas cooperativas, do ativo e passivo da sociedade desmembrada, podendo uma das novas entidades ser constituída como cooperativa central ou federação de cooperativas, procedendo-se, a seguir, às transferências contábeis e patrimoniais necessárias à concretização das medidas adotadas. O caso em análise, porém, não se subsume aos regramentos da legislação especial mencionada acima, uma vez que a realização ? formalmente concebida ? de fusão, incorporação ou desmembramento entre cooperativas não pode prescindir da observância de requisitos legais que são próprios de cada um desses institutos jurídicos, o que somente se viabilizará em virtude de reforma estatutária, que deverá ser feita por meio de assembleia geral extraordinária. Ocorre que, na espécie, segundo as premissas fáticas delineadas pelas instâncias ordinárias, a negociação entabulada entre a Corol e a Cocamar, ora recorrente, configurou apenas uma sucessão de fato, que não se aperfeiçoou formalmente, na intenção de prejudicar os credores, razão pela qual esse negócio jurídico deve ser regulado pelas normas gerais do Direito Civil. Sob esse enfoque, a transmissão de direitos e obrigações à sociedade sucessora, mediante o reconhecimento de ter havido fraude na negociação, faz com que tanto a sucessora quanto a sucedida tenham legitimidade para responder, solidariamente, pelas dívidas, não havendo se falar, por conseguinte, em benefício de ordem, tendo em vista que o credor poderá demandar, diretamente, tanto uma quanto outra pela cobrança dos débitos, independentemente de a cooperativa sucedida não ter encerrado suas atividades. Por analogia, vale lembrar precedentes desta Corte que reconhecem a solidariedade da empresa sucessora em relação à sucedida, seja por responsabilidade tributária (REsp n. 1.684.509/SP, Relator o Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 10/10/2017), seja em decorrência de obrigações trabalhistas (Rcl n. 2.277/MG, Relator o Ministro Castro Filho, Segunda Seção, DJ de 1º/8/2007). Ademais, conforme assinalou o acórdão recorrido, no caso, a celebração do negócio de fusão entre as sociedades somente não se perfectibilizou justamente em função das dificuldades financeiras pelas quais passava a Corol. Esse fato teria levado as cooperativas a celebrar os contratos de parceria e transferência patrimonial apenas de maneira formal. Obter dictum, ainda que se cogitasse de procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, é firme o entendimento deste Tribunal de que, embora a inexistência de bens da empresa não caracterize, por si só, algum dos requisitos previstos no art. 50 do CC/2002, por outro lado, a insolvência também não é condição para a desconsideração, que poderá ser decretada, desde que verificados o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, caracterizadores do abuso de personalidade (REsp n. 1.729.554/SP, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 6/6/2018), situação que, consoante anotou o aresto impugnado, se faz presente nos autos. Logo, não procede a alegação de ausência de interesse de agir por parte do banco credor. c) Alegação quanto à necessidade de instauração do incidente previsto nos arts. 133 a 135 do CPC/2015, com vistas à apuração da responsabilidade da ora recorrente pelo pagamento da dívida de terceiros. A Cocamar argumenta que o acórdão recorrido decidiu por sua inclusão no polo passivo da execução, na condição de sucessora da empresa Corol, sem determinar a instauração do incidente previsto nos arts. 133 a 135 do CPC/2015, com vistas à apuração de eventual responsabilidade pelo pagamento da dívida de terceiros, e sem que fosse realizada a sua citação, o que configuraria cerceamento de defesa. Ocorre que, a despeito da menção feita, no último parágrafo do aresto objurgado, ao procedimento previsto nos dispositivos processuais mencionados, cumpre assinalar que o referido incidente destina-se à verificação dos requisitos previstos em lei para autorizar a desconsideração da personalidade jurídica, de que é exemplo o art. 50 do CC, de seguinte teor: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica". A ratio essendi dessa inovação trazida no NCPC, decorre do fato de que, embora prevista em normas específicas de direito material ? como no dispositivo acima mencionado, bem como no art. 28, § 5º, do CDC, entre outros ?, inexistia, contudo, regramento processual regulamentador do instituto. Isso permitia que, na vigência do CPC/1973, a desconsideração da personalidade jurídica fosse deferida como incidente processual, nos próprios autos, dispensando-se, inclusive, a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, tendo em vista que a defesa poderia ser apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade (REsp n. 1.414.997/SP, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 26/10/2015). Logo, a inserção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na nova ordem processual teve por escopo assegurar a observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, possibilitando ao devedor o direito de produzir provas (CPC/2015, art. 135). Há de se assinalar, todavia, que a instauração desse incidente pode até ser dispensada se a desconsideração "for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica" (art. 134, § 2º, do NCPC), e o contraditório se fará na própria contestação. Tudo a demonstrar que o objetivo do legislador, com essa inovação, foi evitar o elemento surpresa em prejuízo do sócio ou da empresa. Abalizada doutrina converge nesse sentido, entre outros, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero, José Miguel Garcia Medina e Daniel Amorim Assumpção Neves. Na espécie, contudo, o acórdão local afastou a ocorrência de ofensa ao contraditório e à ampla defesa, tendo em vista que, "após o pedido formulado pelo credor seguiram-se manifestação da devedora, assim como da Cocamar, que carrearam aos autos diversos documentos que entendem pertinentes à defesa" (e-STJ, fls. 1.991-1.992). Aliás, no ponto, o Tribunal estadual apenas ratificou a compreensão do Juízo singular acerca da intensa atividade probatória travada entre as partes na defesa de seus interesses. Tal conclusão pode ser constatada, especificamente, pela leitura do seguinte excerto da decisão, que reconheceu a sucessão empresarial entre a Corol e a Cocamar (e-STJ, fl. 2.397): Busca a exequente, em quase quatrocentas laudas, o reconhecimento de sucessão empresarial de fato entre a requerida Corol Cooperativa Agroindustrial e a Cocamar Cooperativa Agroindustrial. Com a vinda da petição de fls. 1547/1942, tanto a Corol (fls. 1945/1956) quanto a Cocamar (fls. 1957/2359, 2360/2425, 2427/2430) se manifestaram. Após isto, já com os autos conclusos, as partes continuaram a peticionar (exequente a fls. 2433/2495 e 2496/2520, Cocamar a fls. 2521/2532 e 2533/2544). Assim, totalizam 1.000 laudas para a apreciação de uma sucessão empresarial, volume excessivo de documentos que está se tornando uma característica típica da era do processo eletrônico. Diante de tudo isso, concluiu o órgão julgador, com acerto: "Não se cogita de nulidade processual onde não houve negativa do direito de se opor contra a decisão que a incluiu na lide" (e-STJ, fl. 1.992). Desse modo, pelos fundamentos expostos, infere-se que, ao contrário do que sustenta a ora recorrente, não se aplica, ao caso, o procedimento previsto nos arts. 133 a 135 do CPC/2015, já que não se trata da hipótese de desconsideração da personalidade jurídica. Incontroverso nos autos que, antes de proferir a decisão reconhecendo a ocorrência de sucessão entres as sociedades cooperativas, as regras atinentes ao contraditório e à ampla defesa foram fielmente observadas. Isso porque a Cocamar, ora recorrente, foi intimada e teve assegurado o direito de se manifestar sobre todos os documentos apresentados pelo banco exequente, oportunidade em que, além de contraditá-los, providenciou a juntada de outros que considerava relevantes ao desfecho da controvérsia, a fim de demonstrar, sob a sua ótica, a inexistência dos requisitos conducentes ao reconhecimento da sucessão societária. Não há, portanto, que se falar na existência de prejuízo para o exercício do seu direito de defesa. Vale lembrar que, na esteira de precedentes desta Corte, a declaração de nulidade dos atos processuais não pode prescindir da demonstração do efetivo prejuízo sofrido pela parte, em observância ao princípio pas de nullité sans grief. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. CONTRARRAZÕES APRESENTADAS SEM APONTAR NULIDADE. RECURSO ADESIVO. NÃO APRESENTAÇÃO. DESINTERESSE EM RECORRER. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Na linha dos precedentes do STJ, não deve ser declarada nulidade processual se não houver demonstração de prejuízo às partes (pas de nullité sans grief). 2. No caso dos autos, é patente a inexistência de ofensa ao contraditório e ampla defesa e de prejuízo pela ausência de intimação da sentença, tendo em vista que a recorrente apresentou contrarrazões à apelação interposta pela parte contrária, sem nada alegar em relação à apontada nulidade e transcrevendo, em sua peça, trechos da sentença recorrida, de onde se depreende que, de fato, teve acesso aos autos. 3. A recorrente não impugnou especificamente o fundamento de que teve oportunidade de recorrer adesivamente e não o fez, demonstrando seu desinteresse em contestar a sentença, o que impõe a manutenção do acórdão recorrido, atraindo a aplicação, por analogia, da Súmula 283/STF, segundo a qual "é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles". 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 931.446/MG, Relator o Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 1º/2/2017); PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. SUBSTABELECIMENTO SEM RESERVA DE PODERES. REQUERIMENTO DE PUBLICAÇÃO EXCLUSIVA. PUBLICAÇÃO EM NOME DOS ANTIGOS ADVOGADOS. ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO PELOS NOVOS PATRONOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. A jurisprudência do STJ é assente no sentido de ser nula, por ofensa aos princípios da ampla defesa e contraditório e ao art. 236, § 1º, do CPC, a publicação dirigida apenas a advogado substabelecido, em especial quando constar pedido expresso de publicação exclusiva em nome do advogado constituído. Precedentes. 2. Contudo, é também pacífico que a declaração de nulidade de atos processuais deve se dar com temperamento, sempre à luz da hipótese concreta, pois o regime de nulidades no processo civil vincula-se à efetiva ocorrência de prejuízo à parte, a despeito de eventual inobservância da forma prevista em lei (art. 244, CPC - princípio pas de nulitté sans grief). 3. A jurisprudência do STJ, atenta à efetividade e à razoabilidade, tem repudiado o uso do processo como instrumento difusor de estratégias, vedando, assim, a utilização da chamada "nulidade de algibeira ou de bolso". 4. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no REsp n. 1.424.304/SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 26/8/2014). Por conseguinte, no ponto, a pretensão recursal também não deve ser acolhida. d) Alegação de ausência de fundamentação da decisão que autorizou a inclusão da Cocamar no polo passivo da execução; e e) de que não teria havido sucessão entre as sociedades, uma vez que o patrimônio da Corol não teria sido transferido em favor da sucessora, razão pela qual continuaria a Corol a responder pelo pagamento das próprias dívidas. No caso, conforme ressaltado na análise no item b das razões recursais, por se tratar de sucessão de fato ? e não contratual ? entre as respectivas cooperativas, da transmissão de direitos e obrigações à sociedade sucessora decorreu sua legitimidade para responder, solidariamente, pelos atos da sucedida. Não há, assim, que se falar em benefício de ordem, ficando o credor autorizado a demandar diretamente qualquer uma delas pela cobrança de dívidas, ainda que a sucedida não tenha encerrado suas atividades. Sob esse prisma, ao tratar da ocorrência de sucessão entre a Corol e a Cocamar e, consequentemente, sobre a existência de responsabilidade solidária entre ambas para responder pela obrigações originárias, confira-se o que asseverou o acórdão recorrido (e-STJ, fls. 1.992-1.997 ? sem grifos no original): (...). Não se cogita de nulidade processual onde não houve negativa do direito de opor contra a decisão que a incluiu na lide. É farta a documentação trazida aos autos e na Ata de Reunião realizada pelas cooperativas envolvidas, Corol e Cocamar, constaram as tratativas visando a fusão (fls. 807/808). O item I (Autorização para realização de união entre Cooperativas) foi aprovado por unanimidade. A assembleia também aprovou que a Cooperativa, através de deliberações do Conselho de Administração, realizasse os atos e ações necessários relativos ao período de transição, até que seja realizada a efetiva fusão (fls. 806/808). Na ata da Assembleia Geral Extraordinária realizada em 22 de fevereiro do ano 2013 deliberou-se sobre ?Identificação do ativo mobilizado e imobilizado, e definição de soluções para enfrentamento do endividamento geral da Cooperativa?. Constou que ?há aproximadamente 3 (três) anos a Corol vem buscando a concretização da união com a Cooperativa Cocamar, tendo o assunto sido aprovado em AGE realizada no dia 11/06/2010?. Para tanto, ?a Corol entregou à Administração da Cocamar todo o seu estabelecimento comercial, o qual continuou a ser explorado por aquela cooperativa através de contratos de arrendamento e de prestação de serviços industriais, tudo como meio de chegar ao fim principal de todo o negócio, que era a união das duas cooperativas, formando uma grande empresa cooperativista nas regiões norte e noroeste do Estado? (fl. 1020). O projeto foi interrompido em virtude do montante da dívida da Corol, entretanto fora acertado o arrendamento total das unidades operacionais da executada em relação aos negócios de soja, milho, trigo, café e insumos agropecuários por quinze anos renováveis por igual prazo, e a compra dos estoques nela existentes. A Cocamar e a Corol resolveram firmar ?Memorando de Entendimento? para que servisse de base à realização de um contrato de arrendamento de unidades operacionais e acordos operacionais em relação às unidades industriais da Corol, pela Cocamar, visando a efetiva união das cooperativas. Ficou estabelecido que o prazo de arrendamento seria de 15 (quinze) anos, renováveis por mais 15 (quinze) anos, com a emissão de um aditivo que vigoraria somente entre as partes, estabelecendo o prazo de 3 (três) anos ou até a finalização do processo de união das Cooperativas. Ficou, ainda, estabelecido que ?Toda movimentação das unidades arrendadas será efetuada em nome da Cocamar, inclusive a venda de insumos e recebimento de produtos agrícolas, com emissão de documentos da mesma? (fl. 822). No Instrumento Particular de Acordo Operacional as partes decidiram modificar o prazo do arrendamento para três anos (fl. 828). Constou na cláusula quarta que os funcionários das unidades arrendadas seriam aproveitados pela Cocamar e prestariam serviços a ela. Ficaria ainda a Cocamar, responsável pelo pagamento dos salários dos empregados lotados na unidade, correndo por conta da Corol os salários e respectivos encargos anteriores à data da posse (fl. 829). Houve, ainda, proposta por parte da Cocamar para assunção de débitos e créditos (fl. 898). Ademais, as cooperativas celebraram contrato de comodato de imóvel rural com área de 72.600 metros quadrados, destinado à venda de insumos agropecuários e recebimento de produtos agrícolas, com vigência de trinta anos (fls. 920/925). Desta forma, os elementos constantes dos autos demonstram a existência de confusão patrimonial e operacional entre as empresas. Note-se que tudo indica que as empresas se fundiram, não havendo a conclusão de projeto de fusão de maneira formal, com o objetivo de evitar que a Cocamar Cooperativa Agroindustrial assumisse o passivo da Corol. Outrossim, a Cocamar arrendou quase a totalidade de unidades da Corol, dando continuidade ao vínculo das empresas. As tratativas, engenhosas, foram produzidas com a finalidade de prejudicar os credores, tudo a justificar a manutenção da decisão agravada. A questão restou bem analisada pelo Juízo: ?Na verdade a Cocamar assumiu a totalidade das operações viáveis da Corol, é cessionária dos créditos e agregou em sua estrutura os funcionários da executada. Não efetua a Cocamar qualquer pagamento mensal pelos arrendamentos ou pelas demais operações assumidas, diante dos adiantamentos realizados e pelas obrigações pecuniárias transferidas, basicamente destinadas à realização de infraestrutura e à manutenção dos cooperados (clientela), essencial à viabilidade das operações da cooperativa. Não se pode olvidar ainda que os arrendamentos têm prazo de quinze anos, renováveis por igual prazo. Acrescente-se ademais a notícia de transferência de imóvel da Corol para a Cocamar (objeto de contrato de comodato com prazo de trinta anos, posteriormente dado em pagamento de dívida). Logo, há prova nos autos de que, frustrada a fusão das cooperativas, justamente em virtude do grande passivo da executada, a Cocamar sucedeu de fato a executada Corol, ao assumir praticamente a totalidade das operações e da estrutura, inclusive funcional. A sucessão foi de fato justamente para proteger as cooperativas das execuções dos passivos da Corol, proposta que já era viabilizada no início das negociações, quando foi adotado o parecer de fls. 1683/1687 para que os grãos de safra 2.009/2010, antes destinados à Corol, fossem diretamente para a Cocamar. A reforçar tal compreensão, os documentos acostados a fls. 1822/1880 demonstram ainda a promiscuidade financeira, ao apontar o pagamento de despesas da Corol para Cocamar? (fls. 56/57). (...). De tal sorte, o Juízo de origem apresenta decisão de caráter manifestamente acautelatório para assegurar a viabilidade da execução e satisfação dos créditos oriundos, basicamente, dos contratos de adiantamento em operações de câmbio, procedendo à citação para que ela (Cocamar), reforçando a incidentalidade, traga outros e eventuais argumentos que salvaguardem os seus interesses nos limites e dimensão preconizados pela sistemática do Novo CPC nos dispositivos dos artigos 133 e seguintes. A leitura de tais excertos da decisão, ao contrário do que sustenta a recorrente, permite concluir que o acórdão recorrido decidiu a questão controvertida de forma clara e objetiva, naquilo que a Corte local entendeu pertinente à solução da controvérsia. Portanto, inexiste deficiência na fundamentação. Por sua vez, ao que se depreende das premissas fáticas acima delineadas, o Tribunal estadual, após fazer detalhado retrospecto desde a fase inicial, envolvendo as tratativas concernentes ao negócio jurídico inicialmente pretendido entre as partes, concluiu pela ocorrência de sucessão, de fato, entre as sociedades, em decorrência da existência de confusão patrimonial e operacional entre elas, que envolveu a transferência de ativos, justamente as operações viáveis da executada, no intuito de evitar que a Cocamar, ora recorrente, tivesse que assumir e saldar o passivo da Corol, com o claro objetivo de fraudar os credores. Segundo a narrativa do acórdão, foram muitas as unidades arrendadas à ora recorrente, por prazos longos, em alguns casos, por 15 (quinze) anos, inclusive com possibilidade de renovação por igual período. Ademais, os funcionários da executada continuaram a prestar serviço nas unidades arrendadas, sob a gestão da ora insurgente, que posteriormente assumiu a responsabilidade pelas relações trabalhistas decorrentes. Pelo que ficou evidenciado, a confusão patrimonial decorreu, portanto, da assunção quase integral das operações lucrativas da cooperativa endividada, a Corol, pela cooperativa financeiramente equilibrada, a Cocamar. Essa operação permitiu à Cocamar assumir as atividades que se mostravam mais intensas e rentáveis, deixando ao largo a parte que não lhe interessava da endividada empresa sucedida. Nesse contexto, a revisão do julgado com o consequente acolhimento da pretensão recursal não prescindiria da interpretação das cláusulas do aludido acordo operacional, bem como de amplo reexame do acervo fático-probatório da causa, o que não se admite em âmbito de recurso especial, ante o óbice das Súmulas 5 e 7 deste Tribunal. O mesmo se verifica em relação à alegação de ausência de prova de insolvência da Corol, porquanto ficou consignado, expressamente, pelas instâncias ordinárias, que a fusão entre as cooperativas foi frustrada justamente em virtude do grande passivo da executada, e que a sucessão de fato teve como escopo proteger as cooperativas de execuções do passivo da Corol. Diante do exposto, na esteira dos fundamentos expendidos, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, nego-lhe provimento. Em consequência, torno sem efeito a tutela provisória anteriormente concedida. É o voto.