RECURSO ESPECIAL Nº 819.552 - BA (2006/0031372-5)
VOTO-VISTA
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E FGTS. ABONO ÚNICO PREVISTO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. ART. 28, § 9º, 'E', ITEM 7, DA LEI 8.212/91. EVENTUALIDADE E DESVINCULAÇÃO DO SALÁRIO, NO CASO. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, DIVERGINDO DO RELATOR.
O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:
1. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, em mandado de segurança preventivo visando à afastar a incidência da contribuição previdenciária e do FGTS sobre o abono único pago em função da Cláusula 46ª da Convenção Coletiva de Trabalho 2002/2003, deu provimento às apelações do INSS e da Fazenda Nacional e à remessa oficial, reformando a sentença que concedera a ordem. O acórdão recorrido foi assim ementado:
"TRIBUTÁRIO. ABONO ÚNICO. CLÁUSULA 46ª DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO 2002/2003. NATUREZA SALARIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E FGTS. INCIDÊNCIA. ART. 457 DA CLT.
1. Salvo disposição expressa das regras que instituem o abono único, aplica-se a norma geral do art. 457, § 1º, da CLT, que estabelece que os abonos pagos pelo empregador integram o salário, uma vez que apenas a lei pode afastar a natureza jurídica salarial das importâncias pagas ao empregado.
2. Em razão da natureza salarial, sobre o abono pago pelo empregador aos empregados, mesmo em única parcela, incide contribuição previdenciária. Precedentes deste TRF-1ª Região (AMS 1999.38.00.0459085, rel. Juiz Hilton Queiroz, DJ 19/12/2000, p. 494)
3. Apelações e remessa oficial providas" (fl. 231).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 243-245). Nas razões do recurso especial (fls. 252-270), o recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos seguintes dispositivos: (a) art. 535 do CPC, pois, mesmo com a oposição dos embargos de declaração, não foram sanadas as omissões ali indicadas; (b) arts. 201, § 11, da Constituição Federal, 144 e 457, da CLT, e 28 da Lei 8.212/91, na medida em que não incide a contribuição previdenciária e o FGTS sobre o abono único pago em razão de convenção coletiva de trabalho porque não habitual e não integrante da remuneração dos empregados, por expressa ressalva legal.
O relator, Min. Luiz Fux, negou provimento ao recurso especial em voto assim ementado:
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FGTS. ABONO ÚNICO. NATUREZA SALARIAL. FATO GERADOR DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
1. O Abono-Único, concedido em Convenção Coletiva do Trabalho, constitui fato gerador para a contribuição previdenciária, porquanto de natureza salarial que integra o salário-contribuição.
2. O pagamento, sem incorporação, em uma única vez, das parcelas em atraso, na forma de "Abono" concedido aos empregados em substituição ao reajuste de salários inadimplidos no tempo devido, não obstante fruto de reconhecimento via transação, verbi gratia, convenções coletivas, é salário corrigido, tanto que constitui fato gerador do Imposto de Renda. Precedentes: REsp 700338/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 13/06/2005; AgRg no Ag 1010975/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, DJ. 11/06/2008; AgRg no REsp 766.016/CE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 12/12/2005.
3. Dispõe o art. art. 28, § 9º, alínea "e", item "7", da Lei 8.212/91, verbis:
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
e) as importâncias: (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
7. recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário; (Incluído pela Lei nº 9.711, de 20.11.98)
4. A interpretação legislativa previdenciária aponta para a isenção do abono que expressamente não seja salário.
5. A fonte legislativa primeira do ABONO é a CLT, previsto no art. 457, § 1º, que assim dispõe:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. (Redação dada pela Lei nº 1.999, de 1.10.1953)
§ 1º - Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. (Redação dada pela Lei nº 1.999, de 1.10.1953)
6. Acerca do mencionado dispositivo, Amauri Mascaro Nascimento assim se manifestou:
"No Brasil, todo abono é salário por força do disposto na Lei (CLT 457, § 1º), salvo disposição expressa em contrário. No silêncio da norma que o institui, aplica-se a regra salarial da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, milita a presunção da natureza salarial de todo abono, a menos que as regras que o instituíram estabeleçam de outro modo, o que é possível, como ocorre com o abono de férias (CLT, art. 143) que é a conversão de parte das férias em dinheiro, considerado, pela lei, como não salarial quando não excedente a 1/3 de férias". (Teoria Jurídica do Salário, p. 231).
7. O legislador, excepcionalmente, afastou a natureza salarial do abono-férias, conforme previsto no art. 144, da CLT, por isso que esta E. Corte entendeu por não incindir a contribuição previdenciária no abono-férias, verbis:
TRIBUTÁRIO E TRABALHISTA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA SOBRE O CHAMADO "ABONO" DE FÉRIAS PREVISTO EM ACORDO COLETIVO (ART. 144 DA CLT). INADMISSIBILIDADE.
1 - A redação do art. 144, da CLT, possui dicção cristalina ao dispor que "O abono de férias de que trata o artigo anterior, bem como o concedido em virtude de cláusula do contrato de trabalho, do regulamento da empresa, de convenção ou acordo coletivo, desde que não excedente a vinte dias do salário, não integrarão a remuneração do empregado para os efeitos da legislação do trabalho e da previdência social" (redação anterior à Lei nº 9.528/97, que suprimiu a expressão "e da previdência social" da parte final do dispositivo).(...)
4 - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.
(REsp 201.936/MG, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, unânime, julgado em 27/04/1999, DJ 01/07/1999, página 00138)
8. In casu, a hipótese é diversa, porquanto cuida-se de Abono-Único, que não está amparado pela isenção prevista em Lei, não se confundindo com o abono-férias.
9. O instituto da Convenção Coletiva faz lei entre as partes, não podendo estabelecer direito não previsto em lei, tampouco obrigar terceiro que não participou da sua elaboração.
10. A base de cálculo do FGTS é formada pelo complexo da remuneração paga ou devida ao obreiro no mês anterior e, por isso, incide sobre a parcela devida do abono-único, porquanto esse possui natureza salarial.
11. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC.
12. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
13. Recurso especial desprovido."
Pedi vista.
2. Acompanho o relator apenas quanto à inexistência de violação ao artigo 535 do CPC. Divirjo, todavia, em relação à questão da incidência ou não da contribuição previdenciária e do FGTS sobre os valores pagos a título de "abono único" decorrentes de convenção coletiva de trabalho. Sobre o tema, apreciando caso análogo (REsp 840.328/MG, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 25.09.2006), a 1ª Turma pronunciou-se nos termos da seguinte ementa:
"PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - ABONO ÚNICO - NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO.
(...)
2. "Por expressa determinação legal o abono único não integra a base de cálculo do salário-de-contribuição (Lei 8212/91, artigo 28, § 9º, acrescentado pela Lei 9528/97, letra 'e', item 7, acrescentado pela Lei 9711/98)". - RESp. 434.471/MG, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 14.02.2005.
3. Recurso especial provido."
No voto-condutor do acórdão, manifestei-me da seguinte forma:
3. A questão posta no recurso especial já foi enfrentada por esta Corte. No RESp. 434471/MG, 2ª T., DJ de 14.02.2005, a Ministra Eliana Calmon, relatora, proferiu o seguinte voto:
No mérito, temos um abono único concedido pelo empregador, por força de convenção coletiva, praticamente imposto pela categoria, através do sindicato, ficando expresso que ele não se integraria à remuneração, deixando assim de compor a base de cálculo do salário.
Entretanto não é suficiente para afirmar a não incidência a previsão em convenção coletiva, a qual não passa de um acordo de vontades da categoria, representada pelo sindicato, e do empregador, também representada pelo seu órgão de classe.
No plano infraconstitucional, a fonte legislativa primeira do ABONO é a CLT, diploma que no art. 457, § 1º, devidamente prequestionado neste especial, explicita que se integra ao salário os abonos pagos pelo empregador. Entretanto, este artigo se contrapõe ao disposto no art. 144 da mesma CLT, o qual, com a redação dada pela Lei 9.528/97, considera não integrativo da remuneração do empregado, para os efeitos da legislação do trabalho, o abono de férias e o abono concedido por força de acordo coletivo, desde que não excedente de vinte dias do salário.
Entendo que a linguagem direta e cronologicamente posterior é a norma que deve prevalecer na avaliação do instituto do abono.
A partir daí, na interpretação da legislação previdenciária, temos no artigo 28 da Lei 8.212/91, o universo das parcelas que integram o salário-de-contribuição, deixando o § 9º, do mesmo artigo, acrescentado pela Lei 9.528/97, explicitadas as parcelas que não o integra, estando na alínea "e", 7: "as importâncias recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário". Assinale-se que o item 7 foi acrescentado pela Lei 9.711/98.
Entendo, portanto, que não há o que se discutir, diante do texto expresso de lei. No direito pretoriano desta Corte, temos como precedente o julgado da 1ª Turma no Recurso Especial 201.936/MG, relatado pelo Ministro José Delgado, dentro da mesma compreensão, como demonstra a ementa que segue:
"TRIBUTÁRIO E TRABALHISTA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA SOBRE O CHAMADO "ABONO" DE FÉRIAS PREVISTO EM ACORDO COLETIVO (ART. 144 DA CLT). INADMISSIBILIDADE.
1 - A redação do art. 144, da CLT, possui dicção cristalina ao dispor que "O abono de férias de que trata o artigo anterior, bem como o concedido em virtude de cláusula do contrato de trabalho, do regulamento da empresa, de convenção ou acordo coletivo, desde que não excedente a vinte dias do salário, não integrarão a remuneração do empregado para os efeitos da legislação do trabalho e da previdência social" (redação anterior à Lei 9.528/97, que suprimiu a expressão "e da previdência social" da parte final do dispositivo).
2 - O acordo coletivo celebrado pela empresa ora recorrida e o sindicato representante da categoria de seus empregados, que previu a possibilidade, em sua cláusula nº 23, de concessão de um "prêmio", por ocasião do primeiro pagamento após o retorno das férias, de um valor máximo correspondente a 80 (oitenta) horas sobre o salário nominal, possuiu vigência apenas no período de 01/09/86 a 31/08/87, durante a eficácia, portanto, da antiga redação do art. 144, da CLT, que admitia a não incidência da contribuição previdenciária desde que o abono não excedesse vinte dias do salário.
3 - Há de ser respeitado, na hipótese, o ato jurídico perfeito, o qual se consumou segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (art. 6º, da LICC, e 5º, XXXVI, da CF/88), sendo perfeitamente aplicável o Princípio da Irretroatividade da Lei.
4 - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido. (REsp 201.936/MG, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, unânime, julgado em 27/04/1999, DJ de 01/07/1999, página 138)"
No caso concreto, discute-se a incidência das referidas contribuições sobre os pagamentos efetuados com base na cláusula 46 da Convenção Coletiva de Trabalho 2002/2003, que estabelece:
"QUADRAGÉSIMA SEXTA - ABONO ÚNICO
Para os empregados ativos ou que estivessem afastados por doença, acidente de trabalho e licença-maternidade, em 31.08.2002, será concedido um abono único na vigência da convenção Coletiva de Trabalho 2002/2003, no valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) a ser pago até 10 (dez) dias úteis da data da assinatura da convenção coletiva.
PARÁGRAFO PRIMEIRO
Ao empregado afastado do trabalho por auxílio-doença previdenciário ou auxílio-doença acidentário, que faz jus à complementação salarial conforme disposto na Cláusula "Complementação de Auxílio-Doença Previdenciário e Auxílio-Doença Acidentário" da Convenção Coletiva de Trabalho 2001/2002, será devido o pagamento do abono único. Ao empregado afastado e que não faça jus à complementação salarial, prevista na Clausula Vigésima Sexta desta Convenção Coletiva do Trabalho, será devido o pagamento do abono único quando do seu retorno ao trabalho, se na vigência da Convenção Coletiva de Trabalho 2002/2003.
PARÁGRAFO SEGUNDO
Faz jus, ainda, ao abono único, a ser pago no prazo de 10 (dez) dias úteis da data do recebimento, pelo banco, de sua solicitação, por escrito, o empregado dispensado sem justa causa a partir de 02.08.2002"
Ora, considerando a disposição contida no art. 28, § 9º, 'e', item 7, da Lei 8.212/91, é possível concluir que o referido abono não integra a base de cálculo do salário de contribuição, já que o seu pagamento não é habitual - observe-se que, na hipótese, a previsão de pagamento é única, o que revela a eventualidade da verba -, e não tem vinculação ao salário - note-se que, no caso, o benefício tem valor fixo para todos os empregados e não representa contraprestação por serviços, tendo em vista a possibilidade dos empregados afastados do trabalho também receberem a importância. Nesse contexto, é indevida a incidência da contribuição previdenciária sobre as importâncias recebidas a título de "abono único" previstas na cláusula acima referida.
Com efeito, as mesmas considerações são válidas para as contribuições ao FGTS, cuja legislação de regência estabelece que:
"Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965.
(...)
§ 6º Não se incluem na remuneração, para os fins desta Lei, as parcelas elencadas no § 9º do art. 28 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 9.711, de 1998)"
Não foi esse o entendimento adotado pelo acórdão recorrido, que deve, portanto, ser reformado.
3. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença, divergindo do relator. É o voto.