Inteiro teor - CC 147082

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AgInt no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 147.082 - RJ (2016/0154385-4) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de agravo interno interposto por RENATA COSTA DE VASCONCELOS LANA LAGE contra a decisão (e-STJ fls. 268-272) que conheceu do conflito positivo de competência, suscitado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos autos do Agravo de Instrumento nº 0069085-54.2012.8.19.0000 interposto nos autos da Ação de Inventário nº 0004201-68.2012.8.19.0209, no qual constou como suscitado o Juízo de Direito da 2ª Vara de Sucessões e Ausência de Belo Horizonte/MG, no qual tramita outra ação de inventário (nº 0024.12.067864-4). Na decisão ora agravada, declarou-se competente o Juízo da 2ª Vara de Família do Rio de Janeiro/RJ, considerando as informações constantes da declaração do imposto de renda do autor da herança, que teve como último domicílio a Comarca do Rio de Janeiro, na qual estão a maioria dos seus bens móveis e imóveis. Nas razões do agravo (e-STJ fls. 282-377), a agravante volta a afirmar que tem preferência, por ter sido companheira do falecido para exercer o munus da inventariança, reiterando ter distribuído pleito de inventário na Comarca de Belo Horizonte/MG, juízo prevento, no qual residia o falecido cantor Wando, e com quem teve uma filha. Segundo argumenta, houve,"o reconhecimento da união estável entre a agravante e o inventariado conforme decidido pelo Juízo da 2ª Vara de Família de Belo Horizonte, nos autos da ação declaratória de união estável nº 0024.12.098.709-4" (e-STJ fl. 287), tendo sido consignado como marco do início da relação março de 2005 e sua dissolução em 8 de fevereiro de 2012. Junta documento novo, com base no artigo 435 do Código de Processo Civil de 2015, para tanto. Afirma que "o aludido marco de dissolução consta da data do óbito do inventariado. Por conseguinte, tem-se expressamente esclarecido que a agravante, residente em Belo Horizonte, vivia em união estável com o cantor Wando à data do falecimento deste, tendo direito legal à preferência na inventariança" (e-STJ fl. 288). Não obstante os fatos acima esclarecidos, que à luz do art. 617 do CPC/2015 confeririam preferência à agravante como inventariante, afirma que a agravada Gabrielle, filha do seu ex-companheiro, cantor Wando, distribuiu posteriormente ação de inventário também na cidade do Rio de Janeiro, feito que recebeu o nº 0004201-68.2012.8.19.0209. Registra ainda que, "(...) em 23.02.2012, a agravante foi nomeada inventariante nos autos do processo de inventário que tramita em Belo Horizonte. Por sua vez, tão somente em 08.11.2012 houve nomeação da agravada em inventário distribuído no Rio de Janeiro, conforme comprovado pelos despachos anexos. Além disso, a agravante diligentemente distribuiu, em 28.02.2012, exceção de incompetência nº 0006362-51.2012.8.19.0209 em face do inventário distribuído pela agravada no foro do Rio de Janeiro. Por outro lado, a agravada e os demais herdeiros limitaram-se a comparecer aos autos de Belo Horizonte, sem apresentar qualquer incidente de impugnação." A agravante reconhece que o autor da herança, à época de sua morte, possuía dois domicílios, pois, a despeito de residir em Belo Horizonte, a maioria de seus bens e relações comerciais se encontravam no Rio de Janeiro (e-STJ fl. 289). Aduz ser necessário ocupar a posição de inventariante em virtude do disposto no art. 617 do CPC/2015 e da competência da comarca de Belo Horizonte/MG. Ao final, pugna pela reconsideração da decisão agravada ou, alternativamente, que seja o feito submetido ao órgão julgador colegiado competente. Em impugnação acostada às fls. 381-424 (e-STJ), Gabrielle Burcci Alves dos Reis alega, em síntese, que "(...) É óbvio que, a suposta preferência no exercício do inventário, não é fator de deslocamento de competência, razão da antijuridicidade do pedido. Ademais, trata-se de inventário cuja totalidade de bens se encontra no Rio de Janeiro ? local onde o de cujus fixou domicílio. Junte-se a isso, ainda, o fato de que existem duas ações visando o reconhecimento de união estável com o falecido, uma tramitando no Judiciário Fluminense e outra no Judiciário Mineiro, as quais impedem a nomeação da AGRAVANTE como inventariante do espólio. A questão da existência de duas ações visando reconhecimento de união estável, inclusive foi objeto de consideração do Agravo de Instrumento nº 0069085- 54.2012.8.19.0000 da 20ª Câmara Cível do TJRJ, onde se suscitou o presente CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. É curioso notar que a Agravante omite dolosamente este fato, agindo em total desprezo a capacidade de observação e análise desta ínclita Relatoria" (e-STJ fl. 383 - grifou-se). É o relatório. AgInt no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 147.082 - RJ (2016/0154385-4) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Não merece prosperar a irresignação. O presente conflito de competência foi suscitado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973. Conforme noticiam os autos, a controvérsia diz respeito à fixação da competência para o processamento do inventário de Vanderley Alves dos Reis (conhecido como cantor Wando). Com efeito, assim preceitua o artigo 115 do Código de Processo Civil de 1973: "Art. 115. Há conflito de competência: I - quando dois ou mais juízes se declaram competentes; II - quando dois ou mais juízes se consideram incompetentes; III - quando entre dois ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos". Desse modo, na linha da jurisprudência desta Corte, somente se instaura o conflito de competência quando dois Juízos se declarem competentes ou incompetentes para processamento e julgamento de uma mesma demanda ou quando, por regra de conexão, houver controvérsia entre eles acerca da reunião ou separação dos processos. O conflito de competência foi suscitado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no Agravo de Instrumento nº 0069085-54.2012.8.19.0000. Em desfavor do mesmo acórdão também foi interposto recurso especial (REsp nº 1.537.292/RJ), distribuído a esta relatoria. Válido registrar que em 15.2.2012 Gabrielle Burcci Alves dos Reis (filha do falecido) ajuizou Ação de Inventário nº 0004201.68.2012.8.19.0209 na Comarca do Estado do Rio de Janeiro. Por sua vez, no Juízo de Direito da 2ª Vara de Sucessões e Ausência de Belo Horizonte/MG, ora suscitado, tramita outra Ação de Inventário nº 0024.12.067864-4, proposta em 4.2.2012 por Renata Costa de Vasconcelos Lana Lage (ex-companheira do falecido), e no qual são discutidos os mesmos direitos de herança relativos ao patrimônio deixado pelo falecido. Em 25.3.2012, após a filha do autor da herança ter atravessado petição no juízo mineiro solicitando seu declínio da competência, tendo em vista a distribuição de ação conexa na comarca do Rio de Janeiro/RJ, o Juízo da 2ª Vara de Sucessões e Ausências da Comarca de Belo Horizonte/RJ limitou-se a suspender o inventário até o julgamento da ação de reconhecimento e dissolução de união estável (Processo nº 0021.12.098709-4), reiterando sua competência para o julgamento da causa por entender que "(...) 8 - Na verdade o pedido para declinar a competência (fls. 11 e 62), deveria obedecer a regra do art. 112, do CPC, ou seja, vir por meio de exceção, sob pena de ser prorrogada a competência pela regra do art. 114 do CPC, porém, não obstante, tem-se que a regra adjetiva não agasalha o pedido dos excipientes. 9 - Com efeito, dessa forma, irrelevante que o autor da herança tenha patrimônio no Rio de Janeiro/RJ, em sua maioria, vez que a prova dos autos é suficiente para atestar que ele residia, também, na rua Engenheiro Aloisio Rocha n 1126, Apto. 901, Bairro Buritis, nesta cidade de Belo Horizonte (vide certidão de óbito - fls. 05 no campo filiação e residência) e também aqui tem patrimônio. 10 - Assim, a meu juízo, não há a necessidade de remessa dos autos à Comarca do Rio de Janeiro/RJ, devendo o feito ser aqui processado em razão da regra adjetiva supra" (grifou-se). Em contrapartida, Renata Costa de Vasconcelos Lana Lage (ex-companheira do falecido), irresignada com a decisão do Juízo da 2ª Vara de Família do Rio de Janeiro/RJ que nomeou a filha do falecido inventariante nos autos que tramitam no Rio de Janeiro, interpôs agravo de instrumento (nº 0069085-54.2012.8.19.0000), cujo provimento foi negado tendo em vista existirem duas ações para reconhecimento de união estável, uma movida por Darlúcia nº 0008037-15.2003.8.19.0209 e outra por Renata - 0987094-32.2012.8.13.0024 -, o que impediria que a inventariança incidisse sobre a agravante. Na ocasião, ainda assentou o Tribunal local: "(...) Não bastasse o acima exposto, todos os bens que compõem o monte estão localizados no Rio de janeiro, sendo certo que muitos deles foram adquiridos antes de 2005, data em que a agravante afirma ter se iniciado a união. Logo, ainda que comprovada a união, caberá ao Juízo orfanológico a análise acerca dos benefícios aos herdeiros em ter urna inventariante que reside em outro Estado da Federação, uma vez que é função do inventariante a manutenção dos bens do espólio até ulterior partilha, sendo certo que, no caso sob análise, diante de tantos interessados, é possível que o inventário se prolongue por anos. Isto posto, nega-se provimento ao recurso, suscitando conflito positivo de competência, devendo os autos ser encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça com as homenagens de estilo" (e-STJ fl. 8 - grifou-se). Assim, naquele mesmo ato processual, o Tribunal local suscitou o presente conflito pelo Tribunal de origem, tendo em vista que as provas dos autos, tais como declaração de renda, contrato de locação e registro de carteira de habilitação), indicariam como último domicílio do de cujus a cidade do Rio de Janeiro, motivo pelo qual o feito deveria tramitar naquela jurisdição. Assim, o presente conflito de competência cinge-se a apenas determinar em qual juízo o inventário do de cujus deverá tramitar. Por oportuno, eis o que dispõem os artigos 96 do Código de Processo Civil/1973 e 48 do Código de Processo Civil de 2015, objeto de análise: "Art. 96. O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. Parágrafo único. É, porém, competente o foro: I - da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo; II - do lugar em que ocorreu o óbito se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes." (grifou-se) "Art. 48.  O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. Parágrafo único.  Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente: I - o foro de situação dos bens imóveis; II - havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes; III - não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio." (grifou-se) À luz de tais dispositivos, resta indubitável que o juízo competente é o da 2ª Vara de Família do Rio de Janeiro/RJ, conforme decidido às fls. (e-STJ fls. 268-272) visto que o autor da herança fixou como seu último domicílio fiscal tal comarca, valendo salientar, ainda, a circunstância de que a quase totalidade de seus bens se encontra naquela cidade. Salienta-se que o domicílio fiscal (artigo 28 do Regulamento do Imposto sobre a Renda - Decreto n° 3.000/1999) é aquele em que o contribuinte tem habitação em condições que permitam presumir intenção de mantê-la, que, no caso, é a Comarca do Rio de Janeiro/RJ, considerando as informações constantes da declaração do imposto de renda do autor da herança, que constitui documento de responsabilidade pessoal do contribuinte (e-STJ fl. 10). Esse entendimento, aliás, resta corroborado pela jurisprudência pacífica desta Corte, no sentido de que o juízo competente para o processamento da ação de inventário é aquele em que o autor da herança fixou seu último domicílio. Nesse sentido: "AGRAVO INTERNO. CONFLITO POSITIVO. DUAS AÇÕES DE INVENTÁRIO. COMPETÊNCIA RELATIVA. DOMICÍLIO DA AUTORA DA HERANÇA. LOCAL DA RESIDÊNCIA COM ÂNIMO DEFINITIVO. PREVENÇÃO. DATA DO AJUIZAMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO PARANAENSE. 1. Estabelecido que o domicílio da autora da herança foi fixado com ânimo definitivo em Cascavel, PR, onde residia com o marido, inventariante, ao tempo do óbito, ainda acresce o fato de que a ação de inventário ajuizada na comarca paranaense é anterior a outra distribuída em Santa Catarina. 2. Agravo interno a que se nega provimento" (AgInt no CC 143.741/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 19/09/2016 - grifou-se). "CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. INVENTÁRIO. ÚLTIMO DOMICÍLIO DO FALECIDO. DOMICÍLIO CERTO. INEXISTÊNCIA DE DUPLO DOMICÍLIO. I.- A competência para o inventário é definida pelo último domicílio do autor da herança. II.- Hipótese em que, diante das provas constantes dos autos, verifica-se que o falecido não possuía duplo domicílio, como alegado pelo suscitante, ou domicílio incerto, mas um único domicílio, no qual deve ser processado o inventário. III.- Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 7A VARA DE FAMÍLIA SUCESSÕES ÓRFÃOS INTERDITOS E AUSENTES DE SALVADOR - BA" (CC 100.931/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/10/2010, DJe 27/10/2010 - grifou-se). "Competência. Conflito positivo. Sucessão. Inventário. Competência fixada pelo domicílio do autor da herança. Funcionário público. - A competência para o inventário é definida em razão do domicílio do autor da herança. - Sendo o autor da herança servidor público, seu domicílio, por força de lei, é o do local onde presta serviços ao Estado" (CC 40.717/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/2004, DJ 31/05/2004 - grifou-se). Além disso, afere-se do parecer do Ministério Público Federal, ofertado pelo Subprocurador-Geral da República Maurício Vieira Bracks, o qual merece acolhida, que, "(...) No caso dos autos, os documentos juntados, em especial o acórdão proferido no Agravo de Instrumento nº 0069085-54.2012.8.19.0000, demonstram que WANDELEY ALVES DOS REIS, mesmo residindo, por certo tempo, na comarca de Belo Horizonte/MG, fixou seu domicílio na cidade do Rio de Janeiro, com ânimo definitivo, pois era lá que o de cujus mantinha suas obrigações, como bem indicam suas declarações de renda, seu contrato de locação firmado pouco antes de seu falecimento, sua carteira de habilitação, bem como o fato de ser conhecido por todos os prestadores de serviço da região como domiciliado lá (fls. 09/10, 77/96). Ademais, até mesmo os bens do falecido encontram-se localizados no Rio de Janeiro (fl. 203)" (e-STJ fl. 265 - grifou-se). Registra-se, por fim, que o Tribunal local, ao nomear como inventariante a filha do falecido visou evitar tumultos processuais desnecessários ante o manifesto imbróglio, haja vista a existência de outra ação judicial visando ao reconhecimento de união estável entre terceira interessada com o falecido, litígio ainda em tramitação. Ademais, apenas a título de argumentação, verifica-se que o Tribunal local perfilhou entendimento que encontra respaldo na jurisprudência do STJ, firmada no sentido de que, existindo animosidade entre as partes, é possível alterar a ordem do art. 990 do Código de Processo Civil de 1973, que não é inflexível. Assim, não prosperam as alegações postas no agravo, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impugnada. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno. É o voto.