AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 33.444 - RS (2011/0104150-6)
RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
AGRAVANTE : MURILO LIMA TRINDADE E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ NICOLAU SALZANO MENEZES E OUTRO(S)
AGRAVADO : JOEL ROSA DE SOUZA
ADVOGADO : GUSTAVO CEZIMBRA HOFF E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:
Trata-se de agravo regimental interposto por Murilo Lima Trindade e Maria Griselda Lima Trindade contra decisão do Ministro Massami Uyeda resumida nestes termos:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO EX EMPTO - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO-OCORRÊNCIA - ATRIBUIÇÃO, PELO JULGADOR, DE EFEITOS JURÍDICOS DIVERSOS DAQUELES INVOCADOS PELO AUTOR - AUSÊNCIA DE QUALQUER DISPOSITIVO LEGAL CAPAZ DE LASTREAR A ARGUMENTAÇÃO DOS RECORRENTES - RECURSO, NO PONTO, DEFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284/STF, APLICÁVEL POR ANALOGIA - VENDA AD MENSURAM - ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME - AGRAVO IMPROVIDO" (e-STJ, fl. 621).
Nas suas razões (fls. 579/597), os agravantes argumentam que a decisão regimentalmente agravada, ao negar provimento ao agravo em recurso especial e manter o acórdão recorrido, culminou por ratificar a violação de artigos de lei federal e contrariar a jurisprudência do STJ e de outros tribunais. Sustentam que a decisão monocrática utilizou nova fundamentação ao distinguir vício de qualidade e de quantidade, dando outro tratamento à lide. Asseveram que, ao analisar a questão do prazo para ajuizamento da ação, o Tribunal a quo não utilizou o enquadramento jurídico indicado na petição inicial (art. 445, § 1º, do CC/2002), decidindo que deveria ser aplicada a regra do art. 500 do CC/2002. Com isso, violou os arts. 441 e seguintes do referido código. Argumentam que há divergência jurisprudencial, reproduzindo os argumentos deduzidos nas razões do recurso especial.
Pedem o conhecimento do agravo regimental e o provimento, inclusive, do próprio recurso especial.
É o relatório.
AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 33.444 - RS (2011/0104150-6)
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. APRESENTAÇÃO DE FUNDAMENTOS SÓLIDOS. ALEGAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE NOVO ENQUADRAMENTO JURÍDICO. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Se o acórdão recorrido, com base na narrativa dos fatos, entendeu que a ação pertinente era a ex empto em vez da ação quanti minoris (ação edílica), não há inovação de tese quando é feita a distinção entre vício de qualidade e vício de quantidade. A propósito, a diferenciação que se faz entre as ações edílicas (redibitória e quanti minoris) e a ação ex empto decorre precisamente de que, naquelas, há vício de qualidade e, nesta, de quantidade.
2. A parte agravante deve apontar, de forma clara e específica, os pontos em que, a seu ver, a decisão incorreu em equívoco e as razões pelas quais entende deveria ser alterada a conclusão do julgado. Se a argumentação é genérica e inapta a infirmar os fundamentos constantes da decisão agravada, impõe-se sua confirmação.
3. Agravo regimental desprovido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):
A irresignação não reúne condições de êxito, devendo a decisão agravada ser confirmada.
O recurso especial foi interposto contra acórdão assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. POSSE. BENS IMÓVEIS. DIREITO CIVIL. COISAS
Compra e venda de imóvel rural. Decadência do direito em perserguir o abatimento da área faltante. Não demonstração da averbação da escritura pública de compra e venda, termo inicial da contagem do lapso decadencial. Modalidade ad mensuram. Abatimento devido. Ação procedente" (e-STJ, fl. 456).
Na origem, o apelo especial recebeu juízo negativo de admissibilidade basicamente pelas seguintes razões:
a) art. 535, incisos I e II, do CPC: não houve negativa de prestação jurisprudencial. Os argumentos apresentados pela parte são incompatíveis com os fundamentos contidos na decisão, não sendo necessário que o julgador desça a minúcias;
b) quanto ao prazo decadencial: incidência das Súmulas n. 83/STJ e 182/STJ, pois o entendimento adotado pelo TJ/RS encontra-se no mesmo sentido da orientação firmada no STJ sobre o tema ; além disso, o acórdão recorrido se baseou em fundamento inatacado, suficiente, por si só, a embasá-lo.
Irresignados, a parte interpôs agravo em recurso especial. Como se vê, a decisão regimentalmente agravada apresentou fundamentos claros e sólidos para chegar ao entendimento de que o agravo em recurso especial deveria ser desprovido e, consequentemente, mantido o acórdão proferido pelo TJ/RS. Confira-se, por oportuno, excerto do julgado:
"Ressalte-se, por oportuno, que não há falar em violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil nas hipóteses tais em que o acórdão, mesmo sem ter examinado cada um dos argumentos trazidos pelas partes, adota fundamentação suficiente para decidir a controvérsia em toda a sua extensão (REsp 591692/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 14/03/2005).
Não se olvide, ainda, que 'não existe negativa de prestação jurisdicional no acórdão que, a despeito de adotar fundamento diverso daquele pretendido pela parte, efetivamente decide de forma fundamentada toda a controvérsia', como sucede na espécie (REsp 579819/RS, desta Relatoria, DJe 15/09/2009). No mesmo sentido, confira-se: Resp 698356/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Dje 03/03/2008.
Afasta-se, pois, o alegado vício no seio do v. acórdão recorrido.
Com relação ao fato de o julgador ter julgado a demanda com lastro em dispositivo legal que não foi aquele invocado pela parte, razão não assiste aos recorrentes.
De efeito, não há, nas razões do recurso especial, qualquer dispositivo de lei federal capaz, no ponto, de lastrear a argumentação da parte ora agravante. Incide o óbice da Súmula n. 284/STF, aplicável por analogia.
Ainda que assim não se entenda, anote-se que a norma aplicável à espécie bem assim a categorização jurídica dos fatos que perfazem a ratio do pedido não integram a causa de pedir. Destarte, eventual alteração no dispositivo invocado pela parte ou a atribuição de conseqüências jurídicas diversas daquelas suscitadas não encontram óbice em lei federal. Nada mais é, diga-se, do que a aplicação da máxima jurídica segundo a qual 'narra mihi factum, dabo tibi jus' (REsp 1056605/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 25/03/2009).
No caso em exame, a causa de pedir narrada pelo autor, ora recorrido, foi a compra de um imóvel cujas medidas não seriam condizentes com aquelas constantes no instrumento do contrato de promessa de compra e venda. E foi exatamente sob esta perspectiva que as Instâncias ordinárias julgaram a demanda sendo, pois, desinfluente se, ao final, a questão foi tratada como 'vício de quantidade' ao invés de 'vício de qualidade', como sugerido na petição inicial.
Ao que se vê, portanto, sem qualquer empecilho legal, apenas se conferiu uma conseqüência jurídica diversa (da invocava na peça vestibular) ao mesmo fato narrado pelo autor na peça vestibular.
Com relação ao termo inicial da contagem do prazo decadencial, verifica-se que a tese recursal centra-se na aplicação, para a hipótese, das disposições previstas na lei civil para o vício redibitório. Ocorre que é da jurisprudência desta Corte o entendimento segundo o qual o prazo a que alude o artigo 445 do CC de 2002 (antigo 178, § 5º, IV, do CC de 1916) não se aplica às ações por vício de quantidade, senão apenas naquelas relativas ao vício redibitório (vício de qualidade)."
Agora, em sede de agravo regimental, os agravantes insistem nos argumentos antes deduzidos, acrescentando que a decisão impugnada, embora tenha percebido a tese por eles deduzida, não reconheceu que houve negativa de prestação jurisdicional, subsistindo a alegada violação do art. 535, I e II, do CPC, entre outros.
Ora, a leitura do acórdão recorrido deixa claro que o TJ/RS entendeu que os fatos narrados na petição inicial, notadamente a questão atinente à "insuficiência de área em compra e venda na modalidade ad mensuram, não constitui vício redibitório" (fl. 459), e sim que o "direito do adquirente em perseguir a complementação de área, ou o abatimento do preço, reside no art. 500 do CC/02, não lhe sendo aplicável as disposições do art. 441 e seguintes, também do CC/02" (fl. 459).
Na sequência, deixou explícito que acolhia o argumento dos apelantes, aqui embargantes, de que se tratava de actio ex empto, apenas afastando, no caso concreto, a pretensão de que fosse pronunciada a decadência prevista no art. 501 do Código Civil, à míngua de comprovação do implemento ou não do prazo decadencial.
Em suma, o TJ/RS, analisando as circunstâncias em que a compra e venda do imóvel rural fora efetuada, os documentos e a prova testemunhal colhida, inclusive levando em conta a vontade das partes, firmou o entendimento de que "a compra e venda foi celebrada entre as partes na modalidade ad mensuram", mantendo a sentença na íntegra, ainda que por fundamentos diversos.
Esses registros são importantes para evidenciar que a decisão agravada não apresentou a alegada inovação de tese ao fazer referência à distinção entre vício de qualidade e vício de quantidade, pois esse foi, precisamente, o motivo pelo qual o TJ/RS confirmou a sentença, mas por fundamento diverso.
Relembro, a propósito, que a diferenciação que se faz entre as ações edílicas (redibitória e quanti minoris) e a ação ex empto decorre precisamente do fato de que, naquelas, a coisa vendida é entregue na sua integralidade, embora contendo vício que a torne imprestável ou para o fim a que se destina (ou o reduza), enquanto que, nesta, a coisa é entregue em menor quantidade. Em outras palavras, nas ações edílicas, há vício de qualidade; nas ações ex empto, o vício é de quantidade. Trata-se de conceito básico, não sendo necessário que se explicite a respectiva conceituação para que fique claro do que se está cuidando. Esse, aliás, foi um dos fundamentos pelos quais o recurso especial foi inadmitido no juízo de admissibilidade proferido na origem, a saber, o fato de que a fundamentação contida no acórdão por si só refutava os argumentos deduzidos pela parte, uma vez serem incompatíveis entre si.
Não houve, portanto, nenhuma inovação de fundamento na decisão recorrida, uma vez que o fato de o autor ter indicado alguns dispositivos legais na sua petição e de o magistrado ter decidido a lide com base em outros não tem relevância alguma, pois a narrativa dos fatos permaneceu hígida/inalterada. Relembro que o réu se defende dos fatos alegados, cabendo ao julgador fazer o enquadramento jurídico. Daí a razão de se ter salientado, na decisão agravada, que se aplicava o brocardo, ainda atual, da mihi factum, dabo tibi ius.
No que concerne às demais questões, os agravantes apresentaram argumentos genéricos e inaptos a alterar a conclusão do julgado, até porque não foi especificado em que ponto a decisão teria incorrido em equívoco na análise do caso. De toda sorte, convém acrescentar que, para alterar qualquer das conclusões do acórdão recorrido, seja quanto ao prazo para o ajuizamento da ação, seja quanto à definição de que a transação de compra e venda fora realizada na modalidade ad mensuram, é necessário reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos, o que atrai a incidência da Súmula n. 7/STJ.
Por fim, quanto à alegada existência de divergência jurisprudencial, observo que os agravantes não infirmaram os argumentos constantes da decisão que inadmitiu o agravo em recurso especial e, agora, em sede de agravo regimental, limitaram-se a reproduzir as razões do apelo especial, sem proceder à indispensável impugnação. Quedaram-se inertes ainda quanto à incidência da Súmula n. 284/STF. Como cediço, o dissídio jurisprudencial deve ser demonstrado conforme preceituado nos arts. 266, § 1º, e 255, § 2º, c/c o art. 546, parágrafo único, do CPC, mediante o cotejo analítico dos arestos, demonstrando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. No caso, confirmados os fundamentos do acórdão recorrido, os paradigmas indicados não são aptos a demonstrar a divergência por versarem sobre as chamadas ações edílicas e por ter ficado definido, no acórdão recorrido, que a ação era ex empto.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
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