Inteiro teor - REsp 1645612

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.645.612 - SP (2015/0264695-8) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : O DA C F ADVOGADO : ALCEU DI NARDO E OUTRO(S) - SP009604 RECORRIDO : E DO C S F REPR. POR : S E S F - CURADOR ADVOGADO : RUI RIBEIRO DE MAGALHÃES E OUTRO(S) - SP043062 RECORRIDO : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE ADVOGADOS : ALBERTO MARCIO DE CARVALHO - SP299332 PAOLA FRANCO FERREIRA E OUTRO(S) - SP325538 RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por O DA C F, com base na alínea ?a? do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação por ele interposto, mantendo-se a sentença de procedência da ação de divórcio ajuizada por E DO C S F, representada por sua curadora S E S F. Recurso especial interposto em: 21/11/2013. Atribuído ao gabinete em: 25/08/2016. Ação: de divórcio. Sentença: julgou procedente o pedido, afastando-se a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido deduzida pelo recorrente em contestação (fls. 50/53, e-STJ). Acórdão: por unanimidade, negou-se ao recurso de apelação, nos termos da seguinte ementa: Ação de divórcio ? Parte interditanda ? Legitimidade ativa de curadora provisória para o pedido ? Exegese do art. 1.582 do Código Civil, que não fez distinção sobre a espécie de curatela ? Casal separado há mais de ano ? Aplicação da EC nº 66/2010 ? Sentença incensurável ? Recurso desprovido. (fls. 106/110, e-STJ). Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.582 do CC/2002, ao fundamento de que descabe ao curador provisório propor a ação de divórcio em representação ao cônjuge antes de decretada a sua interdição por sentença (fls. 114/118, e-STJ). Ministério Público Federal: opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 162/164, e-STJ). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.645.612 - SP (2015/0264695-8) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : O DA C F ADVOGADO : ALCEU DI NARDO E OUTRO(S) - SP009604 RECORRIDO : E DO C S F REPR. POR : S E S F - CURADOR ADVOGADO : RUI RIBEIRO DE MAGALHÃES E OUTRO(S) - SP043062 RECORRIDO : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE ADVOGADOS : ALBERTO MARCIO DE CARVALHO - SP299332 PAOLA FRANCO FERREIRA E OUTRO(S) - SP325538 EMENTA CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. AJUIZAMENTO PELO CURADOR PROVISÓRIO. AÇÃO DE NATUREZA PERSONALÍSSIMA. EXCEPCIONALIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DO CÔNJUGE ALEGADAMENTE INCAPAZ PELO CURADOR. PRETENSÃO QUE NÃO SE REVESTE DE URGÊNCIA QUE JUSTIFIQUE O AJUIZAMENTO PREMATURO DA AÇÃO QUE PRETENDE ROMPER, EM DEFINITIVO, O VÍNCULO CONJUGAL. POTENCIAL IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO COM BASE EM REPRESENTAÇÃO PROVISÓRIA. 1- Ação distribuída em 26/03/2012. Recurso especial interposto em 22/11/2013 e atribuído à Relatora em 25/08/2016. 2- O propósito recursal consiste em definir se a ação de divórcio pode ser ajuizada pelo curador provisório, em representação ao cônjuge, antes mesmo da decretação de sua interdição por sentença. 3- Em regra, a ação de dissolução de vínculo conjugal tem natureza personalíssima, de modo que o legitimado ativo para o seu ajuizamento é, por excelência, o próprio cônjuge, ressalvada a excepcional possibilidade de ajuizamento da referida ação por terceiros representando o cônjuge ? curador, ascendente ou irmão ? na hipótese de sua incapacidade civil. 4- Justamente por ser excepcional o ajuizamento da ação de dissolução de vínculo conjugal por terceiro em representação do cônjuge, deve ser restritiva a interpretação da norma jurídica que indica os representantes processuais habilitados a fazê-lo, não se admitindo, em regra, o ajuizamento da referida ação por quem possui apenas a curatela provisória, cuja nomeação, que deve delimitar os atos que poderão ser praticados, melhor se amolda à hipótese de concessão de uma espécie de tutela provisória e que tem por finalidade específica permitir que alguém ? o curador provisório ? exerça atos de gestão e de administração patrimonial de bens e direitos do interditando e que deve possuir, em sua essência e como regra, a ampla e irrestrita possibilidade de reversão dos atos praticados. 5- O ajuizamento de ação de dissolução de vínculo conjugal por curador provisório é admissível, em situações ainda mais excepcionais, quando houver prévia autorização judicial e oitiva do Ministério Público. 6- É irrelevante o fato de ter havido a produção de prova pericial na ação de interdição que concluiu que a cônjuge possui doença de Alzheimer, uma vez que não se examinou a possibilidade de adoção do procedimento de tomada de decisão apoiada, preferível em relação à interdição e que depende da apuração do estágio e da evolução da doença e da capacidade de discernimento e de livre manifestação da vontade pelo cônjuge acerca do desejo de romper ou não o vínculo conjugal. 7- Recurso especial conhecido e provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.645.612 - SP (2015/0264695-8) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : O DA C F ADVOGADO : ALCEU DI NARDO E OUTRO(S) - SP009604 RECORRIDO : E DO C S F REPR. POR : S E S F - CURADOR ADVOGADO : RUI RIBEIRO DE MAGALHÃES E OUTRO(S) - SP043062 RECORRIDO : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE ADVOGADOS : ALBERTO MARCIO DE CARVALHO - SP299332 PAOLA FRANCO FERREIRA E OUTRO(S) - SP325538 VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em definir se a ação de divórcio pode ser ajuizada pelo curador provisório, em representação ao cônjuge, antes mesmo da decretação de sua interdição por sentença. 1. IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE DIVÓRCIO PELO CURADOR PROVISÓRIO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.582, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC/2002. Inicialmente, não se pode olvidar que as ações em que se pleiteia a dissolução do vínculo conjugal, seja pela separação, seja pelo divórcio, têm natureza personalíssima, de modo que os legitimados para as ajuizar são, em regra, somente os cônjuges, nos termos das regras contidas nos arts. 1.576, parágrafo único, e 1.582, caput, do CC/2002, tendo o legislador previsto, todavia, hipóteses em que se permite a representação processual dos cônjuges nas ações judiciais de dissolução do vínculo: Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens. Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão. (...) Art. 1.582. O pedido de divórcio somente competirá aos cônjuges. Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender-se, poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão. Esse entendimento é compartilhado pela doutrina de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: A separação e o divórcio são medidas jurídicas de natureza personalíssima, competindo aos próprios cônjuges. Não admitem, por conseguinte, substituição processual (quando alguém, excepcionalmente autorizado por lei, poderá pleitear em nome próprio direito alheio), nem mesmo em razão da morte de uma das partes ? aliás, não se olvide que a morte, por si só, já causa dissolutória do casamento. Sublinhe-se, oportunamente, que o caráter personalíssimo somente diz respeito aos efeitos pessoais. No que tange aos efeitos patrimoniais, haverá transmissão de direitos, em face da morte de uma das partes, podendo os sucessores promoverem a defesa dos seus interesses. De qualquer maneira, quando um dos cônjuges for incapaz, por qualquer dos motivos previstos em lei (CC, arts. 3º e 4º, admite o ordenamento jurídico (CC, art. 1.576, Parágrafo Único) que esteja representado ou assistido pelo seu curador, ascendente ou irmão, em ordem preferencial. Por evidente, se o curador (nomeado pelo juiz na ação de interdição) for o próprio consorte, a representação processual ficará a cargo do ascendente ou irmão, respectivamente. Não é despiciendo observar que se trata de mera representação processual e não, insista-se, de substituição processual. É que aqui o represente atua, processualmente, em nome do representado e na defesa de seus interesses. Já na substituição processual, alguém pleiteia, em nome próprio, um direito alheio, porque está autorizado por lei (o exemplo da ação de investigação de paternidade promovida pelo Ministério Público) ? que não é, a toda evidência, o caso aqui tratado (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 328). Na hipótese, a ação de divórcio foi ajuizada pelo curador provisório, em representação do cônjuge alegadamente incapaz, tendo a sentença e o acórdão recorrido afastado a preliminar suscitada pelo recorrente ao fundamento de que a lei não faz distinção entre a espécie de curatela exigível para o ajuizamento da ação ? se provisória ou se definitiva ? bem como ao fundamento de que as partes já estavam separadas de fato ao tempo do ajuizamento da ação de divórcio e que na ação de interdição já há laudo pericial no sentido de que a recorrida E DO C S F é portadora de doença de Alzheimer. Em primeiro lugar, há que se destacar que não havia a figura do curador provisório no CC/1916, como também não há no CC/2002, tratando-se, na realidade, de uma ficção doutrinária e jurisprudencial inspirada na figura do administrador provisório (Decreto-Lei 24.559/1934) por meio da qual se buscou, mantendo-se a ideia de excepcionalidade do decreto de interdição, permitir a adequada gestão da vida, dos bens e dos direitos daquele que, provavelmente, viria a ser reconhecido como civilmente capaz em futuro próximo. A esse respeito, preceitua o art. 27, §2º, do referido Decreto-Lei: Art. 27. A proteção do doente mental é assegurada pelos cuidados de pessôa da familia, do responsável legal ou do médico diretor do estabelecimento em que estiver internado. §1º O psicopata recolhido a qualquer estabelecimento, até o 90º dia de internação, nenhum ato de administração ou disposição de bens poderá praticar senão por intermédio das pessôas referidas no art. 454 do Código Civil, com a prévia autorização judicial, quando fôr necessária. §2º Findo o referido prazo, se persistir a doença mental e o psicopata tiver bens rendas ou pensões de qualquer natureza, ser-lhe-á nomeado, pelo tempo não excedente de dois anos, um administrador provisório, salvo se ficar provada a conveniência da interdição imediata com a conseqüente curatela. A inexistência da figura do curador provisório no ordenamento jurídico brasileiro é confirmada, aliás, pelo fato de ter existido um projeto de lei especificamente destinado a criá-la (PLC 71/2005), sob a justificativa de que se precisava ?proteger, de imediato, aquele que apresente o que a lei denomina anomalia psíquica, mediante tutela jurisdicional rápida, com nomeação, desde logo, pelo juiz, de curador provisório, que possa representar o doente, praticando todos os atos necessários à vida civil, com a ressalva de não poder alienar imóveis ou onerar bens?. O referido projeto de lei, em 2011, foi apensado ao PLS 166/2010 (posteriormente renumerado como PLC 8046/2010) e que deu origem, após a aprovação e sanção, na Lei 13.105/2015 ? o novo Código de Processo Civil. A ausência de distinção entre curatela provisória e a definitiva nos arts. 1.576, parágrafo único, e 1.582, caput, do CC/2002, portanto, não se trata de hipótese que se possa classificar como de silêncio eloquente do legislador, que não tratou desse tema simplesmente porque a figura do curador provisório não existia ao tempo da confecção da lei. Além disso, a nomeação do curador provisório pode ser enquadrada como uma específica hipótese de tutela provisória, por meio da qual se concede a alguém o poder de gerir e de administrar os bens e os direitos daquele alegadamente incapaz enquanto não proferida uma provável sentença de procedência da ação de interdição, tratando-se, pois, de nítida hipótese de antecipação de parcela dos efeitos da tutela de mérito que apenas seria entregue com a sentença. Assim, é correto afirmar que o legislador também não tratou da matéria no CC/2002 por se tratar de instituto de natureza eminentemente processual. Não por acaso, aliás, dispõem o art. 749, parágrafo único, do CPC/15 e o art. 87 da Lei 13.146/2015 ? Estatuto da Pessoa com Deficiência: CPC/15 Art. 749. Incumbe ao autor, na petição inicial, especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou. Parágrafo único. Justificada a urgência, o juiz pode nomear curador provisório ao interditando para a prática de determinados atos. (...) Lei 13.146/2015 Art. 87. Em casos de relevância e urgência e a fim de proteger os interesses da pessoa com deficiência em situação de curatela, será lícito ao juiz, ouvido o Ministério Público, de oficio ou a requerimento do interessado, nomear, desde logo, curador provisório, o qual estará sujeito, no que couber, às disposições do Código de Processo Civil. Ao comentar o art. 749, parágrafo único, do CPC/15, afirma a doutrina que ?deverá o juiz estar convencido, ainda que em juízo sumário e conforme provas pré-constituídas trazidas aos autos (certidões comprobatórias de parentesco, declaração de afinidade, relatórios médicos extrajudiciais, etc.), tanto da aparente incapacidade do agente quanto da capacidade daquele que será nomeado como curador provisório, para assistir provisoriamente o incapaz nos atos de gestão negocial e patrimonial? (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 1299). Examinando-se a justificativa que deu origem ao PLC 71/2005 (proteger o interditando com a nomeação de curador provisório para a prática de atos de vida civil, exceto alienação ou oneração de bens), a natureza jurídica da nomeação de curador provisório (tutela provisória antecipada) e a exigência legal de que a nomeação judicial especifique quais atos poderão ser praticados pelo curador (especialmente atos de gestão negocial e patrimonial), conclui-se não ser possível equiparar o curador provisório e o curador definitivo, como fizeram a sentença e o acórdão recorrido, de modo que a melhor interpretação aos arts. 1.576, parágrafo único, e 1.582, caput, do CC/2002, é no sentido de, em regra, limitar a sua incidência exclusivamente ao curador definitivo, especialmente diante da potencial irreversibilidade dos efeitos concretamente produzidos com a eventual procedência da ação de dissolução de vínculo conjugal ajuizada pelo curador provisório, inclusive no que diz respeito a terceiros. Diante desse cenário, é possível concluir, em síntese, que: (i) a ação em que se pleiteia a dissolução do vínculo conjugal, por possuir natureza personalíssima, deve ser ajuizada, em regra, pelo próprio cônjuge; (ii) excepcionalmente, admite-se a representação processual do cônjuge por curador, ascendente ou irmão; (iii) justamente em virtude de se tratar de representação de natureza absolutamente excepcional, a regra que autoriza terceiros a ajuizarem a ação de dissolução de vínculo conjugal deverá ser interpretada restritivamente, limitando-se a sua incidência apenas à hipótese de curatela definitiva; (iv) em situações ainda mais excepcionais, poderá o curador provisório ajuizar a ação de dissolução do vínculo conjugal em representação do cônjuge potencialmente incapaz, desde que expressa e previamente autorizado pelo juiz após a oitiva do Ministério Público, como orientam os arts. 749, parágrafo único, do CPC/15, e 87 da Lei 13.146/2015. Acrescente-se, ainda, que o fato de as partes já estarem separadas de fato ao tempo do ajuizamento da ação de divórcio e de que já havia, na ação de interdição, laudo pericial conclusivo no sentido de que a recorrida E DO C S F é portadora de doença de Alzheimer, não justificam a flexibilização da mais adequada interpretação dos arts. 1.576, parágrafo único, e 1.582, caput, do CC/2002. A esse respeito, anote-se que a Lei 13.146/2015 ? Estatuto da Pessoa com Deficiência ? expressamente reconheceu a marca de profunda excepcionalidade que deve nortear o eventual decreto de interdição da pessoa portadora de deficiência, tornando preferível que se adote o procedimento de tomada de decisão apoiada (art. 1783-A do CC/2002), que, com muito mais razão, deve ser aplicado à hipótese em exame, seja por envolver o rompimento do vínculo conjugal entre recorrente e recorrida, seja porque não se tem ciência do estágio e evolução da doença que acomete a recorrida, bem como acerca da sua efetiva capacidade de discernimento e de expressar a sua vontade acerca da manutenção, ou não, da sociedade conjugal mantida com o recorrente. 2. CONCLUSÃO. Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de que seja julgada improcedente a ação de divórcio ajuizada pelo curador provisório.