Inteiro teor - AREsp 745816

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AgRg nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 745.816 - RJ (2015/0172256-0) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA AGRAVANTE : CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA CARDOSO ADVOGADO : RAFAEL CUNHA KULLMANN E OUTRO(S) - RJ135031 AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator): Cuida-se de agravo regimental interposto contra a decisão que conheceu do agravo para negar seguimento ao recurso especial de CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA CARDOSO. Alega o agravante que foi condenado pelo suposto cometimento do delito de fraude a credores, previsto no artigo 168, da Lei n. 11.101/2005, à pena de 3 (três) anos de reclusão e 36 (trinta e seis) dias multa, substituída por duas penas restritivas de direitos consistente na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos. Insiste o agravante na existência de violação do art. 187 da Lei de Massas Falidas, em razão da nulidade do interrogatório do agravante, "já que não realizado com a participação do Promotor de Justiça da Vara de Massas Falidas, como expressamente previsto pela Lei n. 11.101/2005" (e-STJ fl. 1.111). Tal preliminar foi arguida em momento oportuno, qual seja, o de apresentação das alegações finais, como determinado pelo art. 571, II, do Código de Processo Penal. Cuida-se de nulidade absoluta, o que gera a presunção de prejuízo. Requer o afastamento da Súmula n. 7/STJ, no tocante à suscitada ofensa ao art. 168 da Lei n. 11.101/05, reconhecendo-se a atipicidade da conduta imputada ao agravante, por completa ausência de prejuízo aos credores da massa falida. Segundo afirma, pretende, apenas, que esse Colendo Tribunal da Cidadania defina se o crime contido no artigo 168 da Lei n. 11.101/05 é de perigo abstrato, conforme afirmado no acórdão recorrido, ou de perigo concreto, ou até mesmo de dano, conforme sustentado pela doutrina majoritária. Sustenta que, se o acórdão recorrido reconheceu que o recorrente buscou o Juízo Cível a fim de disponibilizar os valores ali arrecadados em favor do Juízo Empresarial, e não foi aplicada a desistência voluntária, porque os atos executórios não foram paralisados na medida em que as fraudes já haviam sido perpetradas quando do depósito voluntário, deveria o Egrégio Tribunal de Justiça ter aplicado a segunda parte do art. 15 do Código Penal, na medida em que a disponibilidade dos valores ao juízo competente impediu a ocorrência do resultado exigido pelo tipo imputado, ou, ao menos, o artigo 16 do mesmo Codex (e-STJ fls. 1.134/1.135). E finaliza (e-STJ fl. 1.135): Em suma, a incidência ou não do artigo 15 está intimamente vinculada a natureza jurídica atribuída ao delito em questão, isto é, se o delito for de perigo abstrato, não incidiria a hipótese do artigo 15, em nenhuma de suas modalidades (desistência voluntária e/ou arrependimento eficaz), mas seria o caso de se reconhecer, ainda que de ofício, a aplicação do artigo 16 do Código Penal que estabelece o arrependimento posterior. No entanto, caso se entenda que o delito deve ser considerado como de dano, a incidência do artigo 15 é obrigatória. Com efeito, se a consumação do delito constitui óbice para o reconhecimento da figura da desistência voluntária, há de se reconhecer a incidência da causa de diminuição de pena referente ao arrependimento posterior, prevista pelo artigo 16 do Código Penal, já que este se dá somente após consumação do crime. Requer, assim, a reconsideração da decisão agravada, ou a submissão do feito ao colegiado. É o relatório. AgRg nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 745.816 - RJ (2015/0172256-0) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator): Cuida-se, na hipótese, de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (e-STJ fls. 700/703): APELAÇÃO. FRAUDE A CREDORES. LEI 11.101/2005. RECURSO DEFENSIVO ARGUINDO PRELIMINAR DE NULIDADE DO FEITO A PARTIR DO INTERROGATÓRIO DO RÉU, POR SUPOSTA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL, E, CONSEQUENTEMENTE, AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NO MÉRITO PUGNA: A) RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DO RÉU POR: Al) INCOMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PERIGO CONCRETO OU EFETIVO PREJUÍZO; A2) AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO, DOLO; B) DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA AQUELA PREVISTA NO ARTIGO 171 DO CÓDIGO PENAL. SUBSIDIARIAMENTE REQUER: C) O RECONHECIMENTO DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. Inicialmente aprecia-se e rejeita-se a preliminar de nulidade arguida pela Defesa. A uma, porque a matéria restou preclusa, já que a Defesa do réu-recorrente Carlos Eduardo de Oliveira Cardoso, deveria ter arguido a referida nulidade na primeira oportunidade que lhe competia falar, como o fez na abertura da audiência realizada em 08/08/2012, conforme se extrai da assentada acostada às fls. 377, pedindo a palavra e suscitando-a como preliminar, antes mesmo que a audiência prosseguisse com o interrogatório do réu. Precedente do STJ. A duas, porque a Defesa do recorrente não foi capaz de demonstrar o prejuízo a ele causado, pelo fato de uma Promotora da Justiça com atribuição criminal ter comparecido à audiência cuja assentada é impugnada, especialmente ao exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório ante a inteligência do que dispõe o art. 563 do CPP. Precedente do STJ. A três, porque firmou-se entendimento jurisprudencial no sentido de que não ofende o princípio do promotor natural, a designação para atuação institucional em ações penais específicas. Precedentes da jurisprudência pátria. No mérito, a autoria e a materialidade do delito descrito no artigo 168, caput, da Lei 11.101/2005, restaram inequivocamente demonstradas, rechaçando-se a pretensão defensiva de desclassificação para o delito previsto no artigo 171 do Código Penal, ao argumento de que a conduta fraudulenta, consubstanciada na celebração de um contrato simulado, teria ocorrido no ano de 2007, antes do pedido de recuperação judicial, ajuizado em 14/08/2009. Com efeito, não importa o momento em que a conduta tenha sido praticada, mas sim o nexo causal entre o ato o dano ou perigo de prejuízo aos credores. Afastada a questão temporal, para o acolhimento da desclassificação pretendida, existe ainda outro óbice à pretensão recursal a ser reconhecida no caso concreto dos autos, que é o princípio da especialidade, capaz de rechaçar qualquer conflito aparente de normas penais. In casu, extrai-se das provas que instruíram os presentes autos que a conduta praticada pelo recorrente se amolda ao tipo penal especial inserto no art. 168, caput, da Lei 11.2101, de 09 de fevereiro de 2005. No concernente ao reconhecimento da atipicidade da conduta, seja porque não demonstrado o prejuízo ou perigo concreto, ou ainda por ausência de dolo, sorte também não socorre à Defesa do réu. Como se vê das provas que instruem os autos, após a celebração de um contrato fraudulento de prestação de serviços de consultoria e auditoria técnica nas áreas do departamento financeiro, fiscal, tributária e reestruturação do departamento de recursos humanos entre a CENOTEC Ltda., representada pelo réu-recorrente Carlos Eduardo de Oliveira Cardoso e, a Empresa Monteiro e Rosa Assessoria Contábil Ltda., representada pelos corréus Daniel Monteiro André e Joel das Dores Rosa, no valor de R$ 6.546.780,00, a segunda ajuizou ação, simulando a execução de título judicial (sentença homologatória de acordo) em face da primeira, e esta, antes mesmo de ser citada, ofereceu espontaneamente como garantia os créditos que receberia do Município do Rio de Janeiro, já oferecidos anteriormente ao Banco BMG, como garantia de pagamento do empréstimo contraído no valor de R$ 1.920.600,00. O suposto acordo foi homologado pelo Juiz de piso, da 31ª Vara Cível, o qual foi objeto do Recurso de Apelação 0242602-39.2008.8.19.0001 (2009.001.55966), interposto pelo Banco BMG S.A., e decidido pela E. Sexta Câmara Cível em 27/04/2011, em acórdão da lavra do E. Des. Nagib Slaibi, reformando-se a sentença e declarando-se nulo o título que embasou a ação executória, além de extinguir o processo executivo. Veja-se, portanto, que foram dois os momentos em que o réu-recorrente Carlos Eduardo de Oliveira Cardoso, de forma livre e consciente, praticou atos fraudulentos com o nítido intuito de causar prejuízo aos credores, quais sejam, no momento em que, na qualidade de sócio da empresa CENOTEC Construtora Ltda, celebrou contrato fraudulento de prestação de serviços com os corréus Daniel Monteiro e Joel das Dores, sócios da empresa Monteiro e Rosa Assessoria Contábil Ltda. e, posteriomente, quando, novamente com os demais corréus, propuseram de forma fantasiosa uma ação de execução, na qual simularam um acordo, unicamente com a pretensão de frustrar o pagamento de dívidas contraídas com o Banco BMG. Diante deste cenário, não há como acolher as teses defensivas supra referidas, seja pela evidente demonstração do prejuízo causado aos credores, especialmente ao Banco BMG S.A., seja pela comprovação do dolo na conduta do réu-recorrente, que nada obstante reconheça em suas razões recursais ser fraudulento o contrato por ele celebrado, tenta direcionar a responsabilidade por seus atos ao corréu Daniel Monteiro. Precedentes da jurisprudência pátria. No que concerne ao pleito subsidiário, no qual postula o recorrente o reconhecimento da figura jurídica de excludente da culpabilidade prevista no art. 15 do Código Penal, denominada desistência voluntária, convém registrar que esta modalidade de tentativa imperfeita só ocorre quando o agente, podendo prosseguir na ação criminosa, não o faz porque desiste, ao menos, voluntariamente. Assim, para a existencial da desistência voluntária, há necessidade de cessação dos atos executórios, por ato voluntário do agente, que podendo prosseguir na execução do crime não o deseja e desiste. No caso dos autos, ficou demonstrado que o recorrente, após a celebração de um contrato fraudulento, e, de simular uma ação de execução por título judicial, ou seja, após levar adiante sua proposta de frustrar o pagamento de dívidas contraídas com seus credores, buscou o Juízo Cível a fim de disponibilizar os valores ali arrecadados em favor do Juízo Empresarial, quando já decretada a quebra da empresa da qual era sócio pela Juíza da 6a Vara Empresarial, não havendo que se falar em desistência voluntária. CONHECIMENTO E REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA, NO MÉRITO DESPROVIMENTO DO APELO. Opostos embargos declaratórios pelo acusado, foram conhecidos e rejeitados, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 753/754): EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ERRO MATERIAL E CONTRADIÇÃO. PRETENSÃO DE MODIFICAR O JULGADO EMPRESTANDO-LHE EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. Não se caracteriza na hipótese ser caso de interposição de embargos declaratórios, posto que não se observa das alegações, indicativos concretos de erro material e/ou contradição no decisum. As questões trazidas aos autos foram devidamente examinadas, por ocasião do julgamento do recurso de apelação, na medida em que utilizou-se de vocábulo "decretada a quebra", apontada pelo embargante como erro material, mas que na verdade poderia se ler "concedida a recuperação" a qual se deu, efetivamente, antes do pleito formulado pelo réu-embargante, junto ao Juízo Cível, disponibilizando valores ali depositados, em favor do Juízo Empresarial, qual seja, em 13/05/2009. Contudo, no intuito de se afastar qualquer interpretação equivocada, convém tão somente reescrever-se o texto mencionado pelo embargante, substituindo-se a expressão "decretada a quebra", por, "decretada a recuperação". Noutro lado, em momento algum o Aresto atacado reconheceu a figura da tentativa como alega o embargante, visto que trechos citados no presente recurso de Embargos, e utilizados pelo Acórdão, fazem parte de argumentações para o afastamento do instituto da desistência voluntária, sendo estas interpretadas à conveniência do recorrente, como reconhecimento a seu ver da figura da tentativa, inexistente na hipótese, em apreço. Registre-se, ainda, que, ao contrário do que alega o embargante, o Acórdão atacada é pródigo em afastar a figura da tentativa, visto que deixou claro que as fraudes se consumaram. Assim, não há qualquer omissão a ser suprida, tampouco contrariedade a ser sanada, ou mesmo obscuridade a ser aclarada no conteúdo da decisão embargada. Pretende o embargante, na verdade, emprestar ao presente recurso efeitos modificativos, o qual, contudo, não pode ser dirimido pela via eleita, que se mostra inadequada a tal finalidade, nos termos dos artigos 619 e 620 do CPP. Via inadequada. Acórdão que permanece inalterado. No que tange a alegação de prequestionamento, para fins de interposição eventual de recursos extraordinário ou especial arguido pelo Embargante, a mesma não merece conhecimento e tampouco provimento, eis que não se vislumbra a incidência de quaisquer das hipóteses itemizadas no inciso III, letras "a", "b", "c" e "d" do art. 102 e inciso III, letras "a", "b" e "c" do art. 105 da C.R.F.B. e por conseqüência nenhuma contrariedade/negativa de vigência, nem demonstração de violação de normas constitucionais ou infraconstitucionais, de caráter abstrato e geral. EMBARGOS CONHECIDOS E REJEITADOS. Em seu recurso especial, alegou a defesa negativa de vigência ao art. 187 da Lei n. 11.101/2005. No ponto, argumentou ser nulo o interrogatório do recorrente, pois realizado em contrariedade aos princípios constitucionais do promotor natural e do devido processo legal, porque dele não participou o Promotor de Justiça da Vara de Massas Falidas. Afirmou que, ao não reconhecer a atipicidade da conduta narrada na denúncia pela ausência de prejuízo ou por não ter havido sequer perigo deste prejuízo aos credores, o acórdão recorrido contrariou o art. 168 da Lei n. 11.101/2005. Alega que, na hipótese, nunca houve o perigo do prejuízo. Ademais, ao desconsiderar por completo a realização de depósito judicial voluntário por parte do recorrente, referente ao valor que estava sendo impugnado pelo credor nos autos da execução do suposto contrato fraudulento, negou-se vigência ao art. 15 do Código Penal. Por fim, a não desclassificação para o crime de estelionato simples tendo em vista a existência de um lapso temporal de cerca de 2 (dois) anos entre o contrato tido como fraudulento e a decisão que concedeu a recuperação judicial, o Tribunal de origem contrariou o artigo 168 da Lei n. 11.101/05 e negou vigência ao art. 171 do Código Penal. Não obstante a sofisticação da argumentação do agravante, todas as questões foram suficientemente esmiuçadas pelo decisum agravado e pela decisão proferida em embargos declaratórios que a complementou, a partir dos elementos fáticos delineados pelo Tribunal a quo, cujas premissas são diversas daquelas apresentadas no recurso. Confira-se, a propósito, o teor da decisão agravada: No tocante à preliminar de nulidade da audiência de interrogatório, o acórdão impugnado teceu as seguintes considerações (e-STJ fls. 704/705): Inicialmente, destaca-se e rejeita-se a preliminar suscitada pela Defesa, de nulidade da assentada em que o réu-recorrente foi interrogado, realizada em 26/06/2013 (fls. 466), por alegada violação ao princípio do promotor natural, e consequentemente ao princípio do devido processo legal, pelo fato da mesma ter participado uma Promotora de Justiça com atribuição criminal e não atribuição criminal falimentar. A uma, porque a matéria restou preclusa, já que a Defesa do réu-recorrente Carlos Eduardo de Oliveira Cardoso, deveria ter arguido a referida nulidade na primeira oportunidade que lhe competia falar, ou seja, ao início da audiência do interrogatório, como o fez na abertura da audiência realizada em 08/08/2012, conforme se extrai da assentada acostada às fls. 377, pedindo a palavra e suscitando-a como preliminar. Entretanto, não o fez antes mesmo que a audiência prosseguisse com o interrogatório do réu, precluindo tal direito. A respeito, confira-se a jurisprudência do Colendo STJ, julgando caso semelhante: (...). A duas, porque a Defesa do recorrente não foi capaz de demonstrar o prejuízo a ele causado, pelo fato de uma Promotora de Justiça com atribuição criminal ter comparecido a audiência cuja assentada é impugnada, especialmente ao exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório, ante a inteligência do que dispõe o art. 563 do CPP. Sobre o tema, traz-se à colação, a jurisprudência do Colendo STJ: (...). A três, porque firmou-se entendimento jurisprudencial no sentido de que não ofende o princípio do promotor natural, a designação para atuação institucional em ações penais específicas. Com efeito, na data de 05/02/2015, foi obtida informação via contato telefônico, por meio da funcionária de nome Natália, lotada no Departamento de Movimentação de Promotores do MPRJ, que a Dra. Promotora Janaina Vaz Candeia Pagan, que atuou na audiência de 26/06/2013, a qual se pretende anular, estava designada pelo Procurador Geral de Justiça, para acumular a 21a Vara Criminal da Comarca da Capital, tendo em vista que o Promotor de Justiça Titular daquela serventia, Dr. Felipe Pires Cuesta, encontrava-se prestando auxílio à administração superior do MPRJ, merecendo registro, ainda, que o Promotor de Justiça subscritor da exordial acusatória, estava atuando, também por designação do Procurador Geral de Justiça, junto a 2a Promotoria de Justiça de Massas Falidas da Comarca da Capital. (...). Neste corrimão, diante das conclusões acima alcançadas, não há como se acolher a preliminar arguida. As razões recursais são insuficientes para afastar a conclusão pela ausência de nulidade, pelos motivos já alinhados no acórdão recorrido (preclusão e designação especial da Promotora para atuação na Vara Especializada), especialmente o referente à ausência total de demonstração do prejuízo sofrido pela defesa, que em nenhum momento demonstra atuação irregular da Promotora que acompanhou o ato, bem como qualquer contrariedade ao princípios norteadores do Processo Penal, como os do contraditório e da ampla defesa. Esta Corte já teve oportunidade de se manifestar no sentido de que A demonstração do prejuízo - que em alguns casos de nulidade absoluta, por ser evidente, pode decorrer de simples raciocínio lógico do julgador - é reconhecida pela jurisprudência atual como essencial tanto para a nulidade relativa quanto para a absoluta, conforme entende o Supremo Tribunal Federal. 2. Não comprovado o efetivo prejuízo para o paciente, não há como invalidar o ato processual, pois, a teor do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (HC 294.955/SP, Rel. Min. ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, j. em 3/3/2015, DJe 10/3/2015). No mesmo sentido, confiram-se: PROCESSUAL PENAL. NULIDADE DA DENÚNCIA E DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PROMOTOR NATURAL. NÃO OCORRÊNCIA. 1 - Embora tenha sido a denúncia confeccionada por outro membro do Ministério Público Federal e protocolada somente cinco meses depois, foi aquela peça ratificada pelo Procurador da República que atualmente atua no processo, o que elide a pretensão de reconhecer nulo o documento, bem como o processo penal, sob pena de desproporcional apego à forma, ainda mais porque não identificado prejuízo à defesa por conta dessa irregularidade. 2 - Inexistência de violação ao Princípio do Promotor Natural, porque não vislumbrado, na espécie, o acusador de exceção. 3 - Recurso ordinário não provido. (RHC 69.801/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 08/09/2016). HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. NULIDADE DA MANIFESTAÇÃO PRECOCE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. EXCESSO DE PRAZO NO JULGAMENTO DO RECURSO. INOCORRÊNCIA. PRAZO RAZOÁVEL. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DO MAGISTRADO RELATOR. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. Não há dúvida de que a melhor exegese do art. 610 do Código de Processo Penal é a de que a manifestação do Parquet deve ocorrer após a distribuição do recurso a um relator. Todavia, na forma do art. 563 do mesmo Estatuto Processual, nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Trata-se da consagração, na esfera processual penal, do brocardo jurídico pas de nullité sans grief. In casu, não se extrai qualquer prejuízo à defesa pela manifestação antecipada do Ministério Público local, notadamente quando se constata, em consulta ao andamento processual, que entre a remessa dos autos à Procuradoria de Justiça e seu retorno ao Tribunal de origem somente se passaram seis dias. Ressalte-se que em nada o ocorrido configura ofensa ao princípio do promotor natural, insculpido no art. 5º, inciso LIII, da Constituição da República, que não se relaciona com o momento de manifestação do Parquet relativamente à distribuição dos autos nos tribunais, mas busca tão só evitar a designação casuística, tal qual um "acusador de exceção", de determinado membro do Ministério Público para atuação no feito - o que não se noticia nos autos. (....). (HC 359.592/CE, Rel. Min. JOEL ILAN PARCIONIK, Quinta Turma, j. em 16/8/2016, DJe 26/8/2016). PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. PRECLUSÃO. COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. RELATIVA E PRORROGÁVEL. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE DE DESIGNAÇÃO EXCEPCIONAL E FUNDAMENTADA PARA O EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES PROCESSUAIS AFETAS A OUTRO INTEGRANTE. UNICIDADE E INDIVISIBILIDADE DA INSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DESVIO DE FINALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. (...). 5 - Conforme se extrai da regra do art. 5º, LIII, da Constituição Federal, veda-se pelo ordenamento jurídico pátrio apenas a designação de um "acusador de exceção", nomeado mediante manipulações casuísticas e em desacordo com os critérios legais pertinentes (HC 57.506/PA, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 22/02/2010). 6 - O impetrante não se desincumbiu de demonstrar que a designação impugnada se deu para fins de manipulações casuísticas ou por critérios políticos, ou até mesmo em desacordo com o regramento legal pertinente, nem sequer acostando aos autos os termos da Portaria por meio da qual foram designados os Promotores para atuar do feito. 7 - Habeas corpus não conhecido.(HC 332.583/SE, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 23/08/2016). Assim, inafastável a aplicação do art. 563 do CPP, segundo o qual Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. O ora agravante foi condenado por infração ao art. 168 da Lei 11.101/2005, que regula os crimes falimentares cometidos no âmbito da recuperação judicial, extrajudicial e da falência do empresário e da sociedade empresária. O artigo possui o seguinte teor: Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena ? reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. As questões que envolvem a tipificação da conduta, a autoria, a materialidade e a possibilidade de desclassificação, foram bem enfrentadas pelo órgão julgador a quo (e-STJ fls. 708/713): No mérito, a autoria e a materialidade do delito descrito no art. 168, caput, da Lei 11.101, de 09/02/2005, restaram inquivocamente demonstradas. (...). In casu, extrai-se das provas que instruíram os presentes autos que a conduta praticada pelo recorrente se amolda ao tipo penal especial inserto no artigo 168 da Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. No concernente ao reconhecimento da atipicidade da conduta, seja porque não demonstrado o prejuízo ou perigo concreto, ou ainda por ausência de dolo, sorte também não socorre à Defesa do réu. Como se vê das provas que instruem os autos, após a celebração de um contrato fraudulento de prestação de serviços de consultoria e auditoria técnica nas áreas do departamento financeiro, fiscal, tributária e reestruturação do departamento de recursos humanos entre a empresa CENOTEC Construtora Ltda, representada pelo réu-recorrente Carlos Eduardo de Oliveira Cardoso e, a Empresa Monteiro e Rosa Assessoria Contábil Ltda, representada pelos corréus Daniel Monteiro André e Joel das Dores Rosa, no valor de R$ 6.546.780,00, a segunda ajuizou ação, simulando a execução de titulo extrajudicial por quantia certa contra devedor solvente, em face da primeira, e esta, antes mesmo de ser citada, ofereceu espontaneamente como garantia os créditos que receberia do Município do Rio de Janeiro, já oferecidos anteriormente ao Banco BMG, como garantia de pagamento do empréstimo contraído no valor de R$ 1.920.600,00. O suposto acordo foi homologado pelo Juiz de Direito da 31a Vara Cível, o qual foi objeto do Recurso de Apelação n° 0242602-39.2008.8.19.0001 (2009.001.55966), interposto pelo Banco BMG S.A., e decidido pela E. Sexta Câmara Cível na data de 27/04/2011, em Acórdão da lavra do E. Des. Nagib Slaibi, assim ementado, verbis: "Direito civil. Execução fundada em título judicial. Sentença homologatória de acordo. Pretensão de nulidade sob o argumento de configurar simulação de negócios jurídicos não ocorridos, objetivando fraudar credor. acolhimento. evidentes indícios de que os apelados, que figuram como partes no processo executivo que ora se pretende desconstituir, utilizaram-se do processo para praticar ato simulado, com o fim de impedir à apelante o recebimento do crédito que lhe é devido pela segunda apelada, executada nestes autos. Um dos indícios que evidenciam a alegada colusão é o fato de a pequena sociedade exequente, cujo capital social constituído foi de apenas r$ 1.000,00 (mil reais), ter celebrado com a executada contrato de prestação de serviços de consultoria técnica na vultosa quantia de R$ 6.546.780,00, título no qual se fundou esta execução. outra demonstração patente da simulação perpetrada pelas partes foi o fato de a executada, antes mesmo de ter sido citada nesta execução, ter oferecido espontaneamente como garantia pagamento justamente os créditos que receberia do município do rio de janeiro, os quais já haviam anteriormente sido oferecidos como garantia de pagamento do empréstimo adquirido com a instituição financeira apelante, frustrando a satisfação do seu crédito. conforme bem observou o ministério público, "o objetivo fraudulento da colusão foi obtido pela decisão de fls. 74, que deferiu a expedição de ofícios aos entes públicos para que depositassem os valores devidos (à executada) em conta judicial, frustrando, deste modo, a garantia do banco credor, ora apelante. um detalhe curioso não deve ser olvidado: os ofícios encaminhados aos diversos órgãos públicos para que os depósitos fossem feitos judicialmente foram retirados pela advogada da executada (fls. 75/80)." Assim, ante os indícios e evidências da colusão e simulação no processo executivo, impõe-se a reforma da sentença e a declaração de nulidade do título que embasou a presente execução, com a conseqüente extinção do processo executivo. provimento do primeiro recurso, prejudicado o segundo, que pugnava pela condenação do primeiro apelante ao pagamento de custas e honorários advocatícios pelo incidente instaurado no processo executivo. Veja-se, portanto, que, foram dois os momentos em que o réu-recorrente Carlos Eduardo de Oliveira Cardoso, de forma livre e consciente, praticou atos fraudulentos com o nítido intuito de causar prejuízo aos credores, quais sejam, no momento em que, na qualidade de sócio da empresa CENOTEC Construtora Ltda, celebrou contrato fraudulento de prestação de serviços com os corréus Daniel Monteiro e Joel das Dores, sócios da empresa Monteiro e Rosa Assessoria Contábil Ltda e, posteriormente, quando, novamente com os demais corréus, propuseram de forma fantasiosa uma ação de execução, na qual simularam um acordo unicamente com a pretensão de frustrar o pagamento de dívidas contraídas com o Banco BMG. Diante deste cenário, não há como se acolher as teses defensivas supra referidas, seja pela evidente demonstração do prejuízo causado aos credores, especialmente ao Banco BMG S.A., seja pela comprovação dolo na conduta do ora réu-recorrente, que nada obstante reconheça em suas razões recursais ser fraudulento o contrato por ele celebrado, tenta direcionar a responsabilidade por seus atos ao corréu Daniel Monteiro. (...). Assim, os crimes falimentares são denominados crimes concursais, uma vez que os fatos concorrentes com a quebra, descritos nos tipos penais, são punidos porque a falência, a recuperação judicial ou a recuperação extrajudicial se verificou, ainda que não tenha sido eles a causa dessa situação. Os crimes falimentares novos, em sua grande maioria, como acontecia no Decreto-Lei n° 7.661/45, são de mera conduta, não se verificando resultado naturalístico, sendo punidos justamente pelo perigo representado pelo comportamento. Assim, os crimes de mera conduta são infrações de perigo presumido, sempre dolosos." (Legislação Penal Especial, São Paulo: Editora Saraiva, 3a edição, ver. e aum., 2007, págs. 454/455) As razões recursais são insuficientes para afastar a conclusão do acórdão recorrido. Com efeito, não há como desclassificar a conduta para outra do Código Penal, por força do tempo transcorrido entre o ato fraudulento cometido e a data da declaração da recuperação judicial, por absoluta falta de amparo legal, tendo em vista o próprio teor do art. 168 da Lei 11.101/2005, que admite a punição de atos praticados antes da decretação da quebra, da recuperação ou daquele que homologar a recuperação extrajudicial. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa a recuperação extrajudicial é condição objetiva de punibilidade quando a conduta puder ser praticada anteriormente. Assim, eventuais atos fraudulentos tendentes à causar prejuízo aos credores são puníveis como crime falimentar se a referida sentença for prolatada, caso contrário, ou os atos serão atípicas ou caracterizarão outros crimes que não os falenciais. Ficando comprovado, como no caso concreto, a partir das provas carreadas aos autos, cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ), a prática de conduta voltada a causar prejuízo aos credores, e tendo sido, ainda que posteriormente, decretada a recuperação judicial, a conduta deve ser regida pela lei especial. Nesse sentido: CRIMINAL. RHC. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO. DESVIO DE BENS DA MASSA FALIDA PELO PREPOSTO DO SÍNDICO. CRIME FALIMENTAR. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DE DOIS ANOS. DATA DO PROVÁVEL ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA. DOIS ANOS APÓS A QUEBRA DA EMPRESA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. RECURSO PROVIDO. (...). III Paciente que teria praticado as condutas a ele imputadas, caracterizadas pelo desvio de bens da massa falida em favor pessoal, utilizando-se da posição jurídica de preposto do síndico, sendo que tais condutas concretas subsumem-se perfeitamente ao fato típico previsto da antiga Lei de Falências. IV Mesmo na hipótese de conflito aparente de normas, quando a um mesmo fato podem ser aplicados tipos penais diferentes, em atendimento ao princípio da especialidade, a lei geral é derrogada pela lei especial. (...). VIII Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (RHC 19.658/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2007, DJ 18/06/2007, p. 276). HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. PLANO DE SAÚDE. INDUÇÃO DE CONSUMIDORES A ERRO. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INOCORRÊNCIA. DEVIDA DEMONSTRAÇÃO FÁTICO-PROBATÓRIA DA RESPONSABILIDADE PENAL. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. OBSERVÂNCIA. MEIO DE EXECUÇÃO. OMISSÃO. CABIMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE ESTELIONATO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO. 1. (...). 2. (...). 3. (...). 4. (...). 5. Impossível a desclassificação da conduta dos pacientes para o crime de estelionato em razão do princípio da especialidade, que determina que a aplicação da lei especial preponderará sobre a lei geral. 6. Writ denegado. (HC 43.078/MG, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJ 20/03/2006). AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. LEI N. 10.826/2003. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MUNIÇÃO. PEQUENA QUANTIDADE. USO PRÓPRIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRABANDO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ERRO DE TIPO. SÚMULA 7/STJ. 1. A importação ilegal de munições, ab initio, poderia ser enquadrada no art. 334 do Código Penal, não fosse a especialização conferida pelo art. 18 da Lei n. 10.826/2003. 2. Consoante a jurisprudência deste Superior Tribunal, é típica a conduta de importar munição sem autorização da autoridade competente, nos termos dos arts. 18 c/c o 19, ambos da Lei n. 10.826/2003, mesmo que o réu detenha o porte legal da arma, no Brasil, em razão do alto grau de reprovabilidade da conduta. 3. Tipificada a conduta de importar munição sem autorização da autoridade competente pelo art. 18 da Lei n. 10.826/2003, não há que se falar em crime de contrabando. (...). 6. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp. 1.599.530/PR, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 01/09/2016). Da simples leitura da norma em questão ressai que o tipo não exige a efetiva ocorrência do dano, uma vez que esta alude a ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores. Embora o ato tenha que ser capaz de gerar um prejuízo, a aferição desse pressuposto esbarra no óbice da Súmula 7/STJ, uma vez que as razões recursais contrapõem-se aos aspectos fáticos delineados na sentença e no acórdão recorridos, no sentido de ser evidente o prejuízo, especialmente ao Banco BMG, credor da empresa falida (e-STJ fl. 713). Assim, o acolhimento do recurso demandaria ampla incursão em aspectos fático-probatórios, com o reexame dos autos, inclusive da recuperação judicial e da falência, providência que refoge ao âmbito estreito do recurso especial. Sobre a desistência voluntária, o Tribunal a quo disse o seguinte (e-STJ fls. 715/718): No que concerne ao pleito subsidiário, no qual postula o recorrente o reconhecimento da figura jurídica de excludente da culpabilidade prevista no artigo 15 do Código Penal, denominada desistência voluntária, convém registrar que, esta modalidade de tentativa imperfeita só ocorre quando o agente, podendo prosseguir na ação criminosa, não o faz porque desiste, ao menos, voluntariamente. O professor ROGÉRIO GRECO, elucida com singeleza o conceito da figura sob exame: (...). Assim, para a existência da desistência voluntária, há necessidade de cessação dos atos executórios, por ato voluntário do agente, que podendo prosseguir na execução do crime não o deseja e desiste. Entretanto, se o agente não prossegue na realização dos atos executórios, porque não pode ou imagina que não o possa, inexiste a figura jurídica da desistência voluntária e estaremos diante de outra figura legal, a tentativa. Noutros termos, a desistência voluntária exige que o agente cesse o comportamento delitivo, por vontade própria, sem interferência de terceiros ou de qualquer outro elemento externo. Justamente por isto diz-se voluntária a desistência. Com efeito, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias descrevem a desistência voluntária quando o agente, por sua única e própria vontade, impede o prosseguimento da atividade delituosa. Se esta cessou em razão de ter sido obstada por qualquer fator externo, alheio a sua vontade, não há falar-se na excludente de culpabilidade. No caso dos autos, ficou demonstrado que o recorrente, após a celebração de um contrato fraudulento, e, de simular uma ação de execução por título judicial, ou seja, após levar a diante sua proposta de frustrar o pagamento de dívidas contraídas com seus credores, buscou o Juízo Cível a fim de disponibilizar os valores ali arrecadados em favor do Juízo Empresarial, quando já decretada a quebra da empresa da qual era sócio pela Juíza da 6a Vara Empresarial, não havendo que se falar em desistência voluntária. Segundo orientação desta Corte, o instituto do arrependimento eficaz e da desistência voluntária somente são aplicáveis a delito que não tenha sido consumado (AgRg no REsp. 1.549.809/DF, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, j. em 2/2/2016, DJe 24/02/2016). Confira-se, ainda, sobre o instituto: (...). Malgrado semelhança com a tentativa imperfeita ou inacabada (CP, art. 14, II), compreendida como aquela em que o agente, por fatores alheios a sua vontade, não esgota os meios de execução ao seu alcance, dentro daquilo que considera suficiente, em seu projeto criminoso, para alcançar o resultado; a desistência voluntária (CP, art. 15), também denominada "ponte de ouro", caracteriza-se pela interrupção voluntária do iter criminis pelo agente, que, livre de coação física ou moral, deixa de praticar os demais atos necessários à consumação, conquanto estivessem à sua disposição, de modo que essa interrupção seja capaz de evitar a consumação. (HC 189.134/RJ, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, j. em 2/8/2016, DJe 12/8/2016). Destarte, ao que se tem dos autos, todos os atos tendentes a concretizar a fraude já haviam sido praticados (simulação contratual e da ação de execução, com oferta do crédito correspondente, antes mesmo da citação). O acordo para pagamento na ação executiva fictícia foi homologado pelo juízo competente, havendo reversão apenas em segundo grau, após recurso do prejudicado. Assim, não há como reconhecer a desistência voluntária em razão de um depósito feito posteriormente à decretação da recuperação, que não se sabe a que título e em que condições foi realizado, diante da ausência de conformidade com a norma penal e da necessidade de incursão em aspectos fático-probatórios. Com efeito, a conclusão a que chegou o Tribunal Federal decorreu da aprofundada análise da dinâmica dos fatos e provas constantes dos autos, sendo que para esta Superior Corte de Justiça decidir no sentido da configuração de crime impossível ou de desistência voluntária, teria, necessariamente, de esmerilar todo o acervo fático-probatório, esbarrando, assim, no óbice intransponível da Súmula 7, segundo a qual, a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. A propósito, confira-se a orientação desta Corte: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. TESES DE CRIME IMPOSSÍVEL OU DE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. ÓBICE INTRANSPONÍVEL DA SÚMULA 7 DESTA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Ao contrário do afirmado pelo agravante, os argumentos declinados nas razões do recurso especial, a fim de sustentar as teses de crime impossível ou de desistência voluntária, demandariam sim a análise dos fatos, das circunstâncias e das provas amealhadas aos autos, mostrando-se insuperável o empecilho da Súmula 7. 2. Desse modo, a decisão agravada deve ser mantida incólume por seus próprios termos. 3. Agravo Regimental não provido. (AgInt no AREsp. 850.897/ES, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 11/05/2016). PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. FURTO QUALIFICADO TENTADO. TESES NÃO DEBATIDAS NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. Os pleitos referentes à dosimetria e à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não foram debatidos na instância originária, o que impede o exame pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância. 3. Hipótese em que o Tribunal de origem, analisando os fatos e as provas coligidos na instrução, negou provimento ao apelo defensivo e afastou a tese da desistência voluntária. 4. Entendimento desta Corte consolidado no sentido de que alterar a interpretação firmada pelo Tribunal a quo no tocante à ocorrência de desistência voluntária demandaria necessariamente o reexame das provas dos autos, procedimento inviável na via estreita do habeas corpus. 5. Writ não conhecido. (HC 184.642/DF, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 01/09/2015). PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. RECONHECIMENTO DE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O exame da pretensão recursal, para que seja reconhecida a desistência voluntária prevista no art. 15 do Código Penal Brasileiro, implica a necessidade de revolvimento do suporte fático-probatório delineado nos autos. Incidência da Súmula n. 7 do STJ. 2. Na espécie, as instâncias ordinárias, após a minuciosa análise das circunstâncias fáticas relacionadas à conduta praticada, entenderam que o agravante não desistiu voluntariamente de prosseguir com os atos, mas foi impedido de continuar com o furto aos caixas eletrônicos, por circunstâncias alheias à sua vontade. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp. 694.416/SC, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 18/08/2015). Por ocasião do julgamento dos embargos declaratórios opostos pela defesa, no qual se questionava a existência de omissão quanto à ausência de aplicação do instituto do arrependimento posterior, nos termos do art. 16 do Código Penal, ainda se acrescentou (e-STJ fls. 1.096/1.099): Na hipótese, não há como reconhecer qualquer omissão, uma vez que, apenas no último parágrafo do recurso especial e sem qualquer fundamentação, é que o recorrente postulou, verbis: Por fim, caso se entenda que há algum óbice para o conhecimento deste recurso excepcional, roga-se seja concedida a ordem de habeas corpus, de oficio, para reconhecer a nulidade do interrogatório do recorrente, bem como para que se aplique a causa de diminuição de pena do art. 16 do Código Penal, diante da evidente ilegalidade contida no acórdão recorrido. No contexto do recurso, não tendo sido discutido em nenhum momento o tema ou apresentada argumentaçao para o pedido, a única interpretação possível é que teria havido um erro material, já que a pretensão do réu sempre foi de reconhecimento da desistência voluntária. De qualquer forma, segundo orientação pacífica desta Corte A concessão da ordem de ofício ocorre por iniciativa do próprio órgão jurisdicional, quando constatada a existência de ilegalidade flagrante ao direito de locomoção, não servindo para suprir eventuais falhas na interposição do recurso, ou mesmo para que sejam apreciadas alegações trazidas a destempo (Aglnt no Resp 1606199/ES, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 01/09/2016). O reconhecimento do arrependimento posterior é questão que demanda análise de fatos e provas, insuscetível de ser realizada na via do recurso especial, por expressa vedação da Súmula n. 7/STJ. Destarte, observa-se que não há como alterar a conclusão do decisum, uma vez que a pretensão de reconhecimento da nulidade foi fundamentadamente afastada, na forma da uníssona jurisprudência das Cortes Superiores do País, no sentido de que, ainda que se cuidasse de nulidade absoluta, imprescindível a demonstração de prejuízo, o que não logrou fazer o agravante, até porque sequer impugnou, oportunamente, a participação da Promotora designada para a audiência. Quanto às demais teses, a controvérsia não escapa ao óbice da Súmula n. 7 desta Corte, uma vez que as premissas fáticas alinhadas no recurso são diversas daquelas postas pelo acórdão impugnado. Ante o exposto, subsistentes os fundamentos da decisão agravada, nego provimento ao agravo. É como voto. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator