Inteiro teor - EREsp 1196946

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.946 - RS (2010/0100211-0) RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI RECORRENTE : ANTÔNIO DAVID FARINA FILHO ADVOGADO : ARNALDO RIZZARDO E OUTRO(S) RECORRENTE : DOMINGOS JOSE FARINA NETO ADVOGADO : ADROALDO FURTADO FABRICIO E OUTRO(S) RECORRIDO : HELENA PAULINA FARINA CASARIN E OUTROS ADVOGADO : UBIRATAN ANTÔNIO DOS REIS LOUREIRO E OUTRO(S) RECORRIDO : ZULMIRA LAURA LICKS FARINA - ESPÓLIO REPR. POR : SÉRGIO ANTÔNIO FARINA - INVENTARIANTE ADVOGADO : GENÉZIO RAMPON VOTO-VISTA EMENTA RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE SONEGADOS. BENS IMÓVEIS ADQUIRIDOS COM VALORES PRESTADOS PELO DE CUJUS E NÃO DECLARADOS PELOS HERDEIROS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFASTADA. PRESCRIÇÃO DECENAL CONTADA A PARTIR DA DATA DO ENCERRAMENTO DO INVENTÁRIO. CITAÇÃO DO CÔNJUGE. DESNECESSIDADE ANTE A SONEGAÇÃO DO VALOR DOS BENS, E NÃO DE IMÓVEIS. INEXISTÊNCIA DE DOLO. AFASTAMENTO DA PENA DE PERDA DOS BENS. RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO, PELA METADE, DOS VALORES DOADOS. ILEGITIMIDADE ATIVA DA VIÚVA MEEIRA PARA A AÇÃO DE SONEGADOS. 1. Afasta-se a alegação de negativa de prestação jurisdicional (CPC, art. 535) quando há suficiente motivação do acórdão recorrido, congruente com o dispositivo que deles decorreu, de modo a constituir julgamento válido. 2. É cabível o ajuizamento da ação de sonegados quando não trazidos à colação os numerários doados pelo pai a alguns dos herdeiros para a aquisição de bens imóveis. 3. A prescrição da ação de sonegados, de dez anos, conta-se a partir do encerramento do inventário, pois, até essa data, podem ocorrer novas declarações, trazendo-se bens a inventariar. 4. No caso de entrega de dinheiro pelo de cujus para a aquisição de bens imóveis, a sonegação é dos valores entregues, e não dos próprios imóveis, o que afasta o acionamento dos cônjuges em litisconsórcio necessário (CPC, arts. 10, § 1º, I, e 47). 5. A simples renitência do herdeiro, mesmo após interpelação, não configura dolo, sendo necessário, para tanto, demonstração inequívoca de que seu comportamento foi inspirado pela fraude. Não caracterizado o dolo de sonegar, afasta-se a pena da perda dos bens (CC, art. 1.992). 6. No regime da comunhão universal de bens, cada cônjuge tem a posse e propriedade em comum, indivisa de todos os bens, cabendo a cada um a metade ideal. Assim, entende-se que cada cônjuge contribui com metade das doações feitas, razão pela qual não se pode apontar como sonegada, no inventário do marido, a metade doada pela esposa. 7. Como a colação tem por escopo equalizar as legítimas dos herdeiros necessários, falece interesse jurídico à viúva meeira para o ajuizamento das ações de sonegados, visto que estes não serão acrescidos à sua meação. 8. Recursos especiais providos em parte. O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA: Trata-se do julgamento de quatro recursos especiais conexos, a saber: REsp n. 1.196.946, REsp n. 1.202.521, REsp n. 1.390.022 e REsp n. 1.287.490, todos extraídos de ações de sonegados ajuizadas pelas filhas e viúva do de cujus em desfavor dos filhos homens. As sentenças julgaram procedentes as demandas para condenar os requeridos à restituição dos bens imóveis adquiridos pelo pai diretamente em nome dos filhos, alguns quando ainda menores, e à pena de sonegados, além de lhes atribuir os ônus de sucumbência. O Tribunal de origem manteve as sentenças. Nos recursos especiais, os recorrentes sustentaram preliminar de negativa de prestação jurisdicional e de nulidade pela ausência de litisconsórcio passivo necessário e, no mérito, prescrição das pretensões deduzidas; ausência de sonegação, mas caso reconhecida, definição se foi de dinheiro ou de imóveis; doações feitas por ambos os cônjuges; e inexistência de dolo que justifique a aplicação da pena de sonegados. O Ministro relator, SIDNEI BENETI, afastou a preliminar de violação do art. 535 do CPC, bem como a alegação de prescrição. Considerou que as doações foram de dinheiro, visto que os imóveis jamais ingressaram no patrimônio do de cujus. Com isso, tratando-se de direito pessoal, não haveria necessidade do litisconsórcio passivo das esposas dos recorrentes. Como as doações foram de dinheiro, não seria possível a restituição in natura, também porque houve caso de imóvel transmitido a terceiros. Assim, a teor do art. 1.995 do CC/2002 (art. 1.783 do CC/1916), deve o sonegador pagar a importância dos valores que ocultou mais perdas e danos. Não vislumbrou a caracterização do dolo, necessário à aplicação da pena de sonegados, a qual não se mostra como decorrência automática do reconhecimento da sonegação. Assim, deu parcial provimento aos recursos para julgar procedentes em parte os pedidos deduzidos nas ações de sonegados, condenando os recorrentes/requeridos à restituição dos valores atualizados dos imóveis adquiridos com os numerários fornecidos pelo de cujus, considerado o valor atualizado de cada um dos imóveis, bem como de indenizações decorrentes de sonegação dos valores, ficando afastada a pena de sonegados. Redistribuiu a sucumbência à razão de 2/3 a cargo dos recorrentes, inclusive honorários advocatícios, mantido o percentual de 15% sobre o valor atualizado do produto da restituição e indenização. Em voto-vista, a Ministra NANCY ANDRIGHI acompanhou o relator, afastando as preliminares de negativa de prestação jurisdicional e de litisconsório necessário, bem como a prescrição, além de concluir que a doação feita pelo de cujus aos filhos homens foi em dinheiro para o pagamento do preço dos imóveis, pois somente o dinheiro é que saiu do patrimônio do falecido para os donatários. Salientou que "a circunstância de serem alguns dos donatários, à época, absolutamente incapazes não macula a doação do dinheiro, apenas os dispensa da aceitação (art. 543 do CC/02) e impõe aos pais, logicamente, o dever de administrá-lo". Até aqui, coloco-me de acordo com os votos que me precederam. A Ministra NANCY ANDRIGHI abre divergência em relação a dois pontos: a) limita a sonegação à metade do dinheiro doado aos recorrentes; e b) reconhece a presença do dolo, justificando a aplicação da pena de sonegados. Aduz, em seu voto, que a limitação à metade da sonegação resulta da circunstância de que a doação foi feita pelo autor da herança, casado sob o regime da comunhão universal e sem a outorga uxória, o que tornaria o ato anulável (art. 1.649 do CC/2002). Todavia, como não foi impugnado no prazo da lei (art. 178, § 9º, I, "a" e "b", do CC/1916), tornou-se válido. Assim, a teor do art. 1.795 do CC/1916 (art. 2.012 do CC/2002), considerando-se que a doação foi feita por ambos os cônjuges, no inventário de cada um deles, será conferida pela metade. Neste ponto, a rigor não enfrentado expressamente no voto do relator, peço vênia para acompanhar a divergência. É que, no regime da comunhão universal de bens, os cônjuges têm a posse e propriedade em comum, indivisa de todos os bens, cabendo a cada um a metade ideal. Dessa forma, é de se entender que cada cônjuge contribuiu com metade das doações feitas, razão pela qual não se pode apontar como sonegada, no inventário do marido, a metade doada pela esposa. Nesse sentido, a doutrina de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, in verbis: "Sendo a doação feita por um dos cônjuges, colaciona-se o valor doado no seu inventário. Mas, se por ambos, conferir-se-á por metade no inventário de cada um (novo Código Civil, art. 2.012). Entende-se, portanto, que, se os cônjuges eram proprietários em comum da coisa doada, a liberalidade fraciona-se em partes iguais, colacionando-se por metade na sucessão de um ou de outro." (Instituições de Direito Civil. Vol. VI. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 413.) Na sessão de julgamento do dia 17.12.2013, quando a Ministra NANCY ANDRIGHI proferiu seu voto-vista, justificando a posição retromencionada, ponderou que a viúva ocupa o polo ativo das ações de sonegados juntamente com as filhas, circunstância que, igualmente, sopesou na sua conclusão. Compulsando os autos, verifico que a ilegitimidade ativa da viúva meeira foi suscitada pelos recorrentes/requeridos, porém rechaçada pelo aresto recorrido ao fundamento de que teria acrescida sua meação sobre a parte sonegada, o que ensejou a alegação, nas razões do recurso especial, de violação do art. 1.994 do CC/2002. Dispõe referido artigo, correspondente ao art. 1.782, caput, do CC/1016, que a pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança. Não se pode confundir herança com meação. A herança é aquela universalidade de bens e direitos que se transmite aos herdeiros legítimos e testamentários com a abertura da sucessão. A meação, por sua vez, é a parte do patrimônio comum do casal que já pertencia ao cônjuge supérstite casado sob o regime da comunhão universal de bens. Portanto, a qualidade de meeiro não equipara o cônjuge supérstite a herdeiro necessário ou a credor da herança. Além disso, é certo que a doação feita pelos pais aos filhos, a teor do art. 1.171 do CC/1916 (art. 544 do CC/2002), é considerada como adiantamento de legítima, que nada mais é do que aquela parcela assegurada por lei aos herdeiros necessários e à qual deve ser adicionado o valor dos bens sujeitos à colação (art. 1.847 do CC/2002; art. 1.722 e parágrafo único do CC/10916). Daí se dizer que as doações feitas pelos pais aos filhos e sonegadas serão acrescidas à parte indisponível da herança. Como a colação tem por escopo justamente equalizar as legítimas dos herdeiros necessários, falece interesse jurídico à viúva meeira para o ajuizamento das ações de sonegados, visto que estes não serão acrescidos à sua meação. Outra questão em que divergiu a Ministra NANCY ANDRIGHI refere-se à aplicação da pena de sonegados. Entendeu S. Exa. que os recorrentes foram provocados a trazer os bens doados à colação no inventário, mas não o fizeram, assumindo o risco de sofrer a pena civil prevista na lei. Invocou doutrina no sentido de que "a renitência do sonegador, após a interpelação, é o bastante para que se configure seu dolo. Bem por isso, caberá a ele, sonegador, provar nos autos da ação de sonegados que sua conduta se justificava por qualquer motivo, como, por exemplo, o fato de o bem não pertencer ao espólio". O eminente relator, por sua vez, havia afastado a penalidade civil ao fundamento de que "as circunstâncias em que ocorreram as aquisições em nome dos acionados não estão totalmente esclarecidas nestes processos - tanto que os julgados, prudentemente, relegaram para ulteriores eventuais acionamentos alegações de que também as autoras filhas teriam recebido por ocasião das aquisições em nome dos acionados". Não considero que a simples renitência do herdeiro justifique a aplicação da drástica pena de sonegados. Entendo necessária, para tanto, a demonstração inequívoca de que o comportamento do herdeiro foi inspirado pela fraude, pela determinação consciente de subtrair à partilha bem que sabe pertencer ao espólio. Presentes as peculiaridades do caso concreto, em que configurada dúvida razoável quanto às colações pretendidas, acompanho o eminente relator por não vislumbrar a presença de dolo. Em conclusão: a) acompanho a divergência quanto ao entendimento de que a restituição dos valores doados deva ocorrer pela metade; e acompanho o relator quanto ao afastamento da pena de sonegados, fixando, em consequência da sucumbência recíproca, os ônus de sucumbência na proporção de 50% para cada parte, mantida a verba honorária arbitrada na origem; e b) reconheço a ilegitimidade ativa da viúva meeira e dou provimento aos recursos especiais no ponto, para julgar extintos os processos, sem exame do mérito (art. 267, VI, CPC) em relação a ela, fixando honorários de sucumbência de R$ 2.000,00 em cada feito. É como voto.