Inteiro teor - HC 88000

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HABEAS CORPUS Nº 88.000 - SP (2007/0177669-0) RELATOR : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA IMPETRANTE : HÉLIO DA CONCEIÇÃO FERNANDES COSTA ADVOGADO : JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI E OUTRO(S) IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : HÉLIO DA CONCEIÇÃO FERNANDES COSTA RELATÓRIO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de HÉLIO DA CONCEIÇÃO FERNANDES COSTA, condenado, em primeira instância, à pena de 2 anos de reclusão, em regime aberto, com interdição do exercício do comércio por cinco anos, pela prática de crime falimentar (art. 188, inciso VIII, do DL 7.661/45, na forma dos arts. 29 e 69 do Código Penal). Insurge-se o impetrante contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 01058281.3/3), que denegou a ordem originariamente impetrada. Sustenta que o paciente não pode ser responsabilizado pela prática do delito, por não ter praticado nenhuma das condutas tipificadas no inciso VIII do art. 188 do DL 7.661/45, haja vista que deixou o cargo de diretor da empresa falida mais de 2 anos antes da decretação de sua quebra. Afirma que deve ser reconhecida a nulidade do processo, pelos seguintes fatos: a) aplicação do rito ordinário ao invés do especial previsto nos arts. 183 a 188 da Lei n.º 11.101/05; b) falta de intimação pessoal do advogado para se manifestar na fase do art. 499, tendo em vista que a defensora do impetrante/paciente reside e tem escritório em outro Estado; c) prolação da sentença sem que tenham sido apresentadas as alegações finais, porquanto, ainda que se aceite a cientificação tal qual realizada (imprensa oficial), caberia ao magistrado, diante da omissão do causídico, nomear defensor dativo para a realização do ato. Alega, também, nulidade da sentença pela ausência de relatório, ao argumento de que o magistrado apenas transcreveu a denúncia, violando, assim, o preceito instituído no art. 386, inciso II, do Código Penal e, também, por ausência de fundamentação. Insurge-se, ainda, quanto à dosimetria da pena, ao argumento de que a sanção fora aplicada no dobro do mínimo legal, sem a indispensável fundamentação, descumprindo, assim, o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Por fim, aduz que, declarada a nulidade da sentença condenatória, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade do agente pelo transcurso do prazo prescricional. As informações solicitadas foram apresentadas pela autoridade apontada como coatora (fls. 88/89) e vieram acompanhadas da documentação necessária à instrução do presente writ. O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado às fls. 329/331, opinou pela concessão da ordem "apenas para que seja fixada novamente a pena, com a devida fundamentação, restando prejudicado o exame da alegada prescrição". É o relatório. HABEAS CORPUS Nº 88.000 - SP (2007/0177669-0) EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME FALIMENTAR. NEGATIVA DE AUTORIA. REEXAME E VALORAÇÃO DE PROVAS. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. DELITO COMETIDO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI N.º 11.101/05. RITO ORDINÁRIO. LEGALIDADE. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. IMPRENSA OFICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 370, § 1º, DO CPP. NÃO-APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS. INÉRCIA DO DEFENSOR CONSTITUÍDO DEVIDAMENTE INTIMADO. NULIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Analisar a argüição de negativa de autoria implicaria o reexame e a valoração do conjunto fático-probatório produzido durante toda a instrução criminal, desiderato vedado na estreita via eleita pelo impetrante. 2. Aos delitos falimentares cometidos anteriormente à vigência da Lei n.º 11.101/05 aplica-se o rito previsto nos arts. 503 a 512 do Código de Processo Penal, por expressa disposição de seu art. 192 ("Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945"). 3. Nos termos do que estabelece o § 1º do art. 370 do Código de Processo Penal, a intimação do advogado constituído far-se-á pela publicação na imprensa oficial. 4. A apresentação das alegações finais pela defesa é imprescindível ao devido processo legal, motivo por que a prolação da sentença sem que tenha sido suprida omissão ofende a ampla defesa e o contraditório. 5. Em caso de inércia do defensor constituído, faz-se mister a intimação do réu, a fim de constituir novo advogado ou, na impossibilidade de tal providência, para que seja assistido por defensor público ou dativo. Precedentes. 6. Transcorridos mais de 2 anos desde o recebimento da denúncia, último marco interruptivo, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade do paciente, pelo transcurso do prazo prescricional. 7. Ordem parcialmente concedida para anular o processo, desde a fase do art. 500 do Código de Processo Penal, pela não-apresentação das alegações finais e, por conseguinte, para declarar a extinção da punibilidade quanto ao crime imputado ao impetrante/paciente HÉLIO DA CONCEIÇÃO FERNANDES COSTA, em face da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 107, inciso IV, c/c o art. 199 do Decreto-Lei 7.661/45. VOTO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator): Consoante relatado, o paciente foi condenado à pena de 2 anos de reclusão, em regime aberto, com interdição do exercício do comércio por cinco anos, pela prática de crime falimentar, tipificado no art. 188 do DL 7.661/45 (destruição, inutilização ou supressão, total ou parcial, dos livros obrigatórios). De início, cumpre ressaltar ser inviável, em sede de habeas corpus, a análise da alegada negativa de autoria, uma vez que a pretensão implicaria o reexame e a valoração do conjunto fático-probatório produzido durante toda a instrução criminal, desiderato vedado na estreita via eleita pelo impetrante. Com efeito, vários são os julgados deste Tribunal no sentido de que "A via eleita não se presta para verificar se o paciente é, ou não, sócio, diretor ou gerente da empresa falida, demonstração que caberá à defesa no decorrer da instrução criminal, momento adequado para a dilação probatória e esclarecimentos das questões controvertidas" (RHC 16.854/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ 13/6/05). De outro lado, aduz o impetrante a ocorrência de diversas nulidades. De pronto verifica-se que não prospera a argüida nulidade do processo pela aplicação do rito ordinário ao invés do especial previsto nos arts. 183 a 188 da Lei n.º 11.101/05, porquanto a esse respeito dispõe o art. 192 da mencionada lei: "Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945". Por oportuno, confira-se o comentário de Guilherme de Souza Nucci, in "Manual de Processo Penal e Execução Penal", 2ª edição, p. 650, litteris: Para os delitos disciplinados nos arts. 186 a 199 do Decreto-lei 7.661/1945 (Lei de Falências), aplica-se o procedimento previsto nos arts. 503 a 512 do Código de Processo Penal . A Lei 11.101/2005 revogou o disposto nos arts. 503 a 512, de modo que o procedimento para apurar crimes falimentares (arts. 168 a 178 da Lei 11.101/2005) passa para o contexto da legislação especial, como já afirmamos. Ocorre que, em face do disposto no art. 192, caput, da nova Lei ("Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945"), continua aplicável o procedimento do Código de Processo Penal aos delitos falimentares ocorridos antes da vigência da recém-editada legislação, até pelo fato de ser esta mais rigorosa, razão pela qual não pode prejudicar o réu (lei penais somente retroagem para beneficiar o acusado, conforme prevê o art. 5º, XL, CF). De outro lado, argumenta o impetrante/paciente que deve ser declarada a nulidade do processo, uma vez que sua defensora fora intimada pela imprensa oficial para apresentar alegações finais, quando tal intimação deveria ter se realizado por carta precatória, uma vez que ela reside e tem escritório em outra unidade da federação. Outrossim, aduz que, ainda que se aceite a cientificação tal qual realizada (imprensa oficial), não apresentadas as alegações finais, caberia ao magistrado, diante da omissão do causídico, nomear defensor dativo para a realização do ato. Assim, não o fazendo, deve ser reconhecida a nulidade da ação penal, por ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Não lhe assiste razão quanto ao primeiro argumento. Com efeito, o art. 370 do Código de Processo Penal prevê que a intimação dos advogados constituídos será realizada pela imprensa oficial (§ 1º), sendo certo que não excepciona tal regra o fato de o causídico residir em outra unidade da federação. De fato, segundo o magistério jurisprudencial desta Corte, "De acordo com o disposto no art. 370 do Código de Processo Penal, apenas o defensor nomeado (o defensor público ou dativo) tem a prerrogativa da intimação pessoal (§ 4º), enquanto que os advogados constituídos devem ser intimados via imprensa oficial (§ 1º), não havendo que se falar em necessidade de intimação pessoal do advogado constituído quando o mesmo encontra-se estabelecido em Unidade da Federação diversa daquela em que se realizará o julgamento, ou mesmo quando manifeste a intenção de realizar sustentação oral, por não estarem tais hipóteses abrangidas pelo referido dispositivo legal" (HC 31.780/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, Sexta Turma, DJ de 16/8/04). Prospera, contudo, o segundo argumento, porquanto este Tribunal adota o entendimento de que, em caso de inércia do defensor constituído, faz-se mister a intimação do réu a fim de constituir novo advogado ou, na impossibilidade de tal providência, para que seja assistido por defensor público ou dativo (HC 22.157/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 11/11/02; HC 13.971/RJ, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ de 5/3/01; HC 10.120/MS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ de 18/10/99). Com efeito, a apresentação das alegações finais pela defesa é imprescindível ao devido processo legal, implicando sua ausência o comprometimento da ampla defesa e do contraditório. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 500, DO CPP. ALEGAÇÕES FINAIS. NÃO APRESENTAÇÃO A DESPEITO DA REGULAR INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. NULIDADE. As alegações finais, imediatamente anteriores ao iudicium causae, constituem peça imprescindível ao processo, sendo que sua ausência compromete a ampla defesa e o próprio contraditório Writ concedido. (HC 34.354/SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 18/10/04) PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO. PENA REDUZIDA. REGIME SEMI-ABERTO, ADEQUAÇÃO DO REGIME. REVISÃO CRIMINAL. MATÉRIA PREJUDICADA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. NULIDADE. 1. Alegações finais constituem peça imprescindível ao processo, sendo que o não oferecimento compromete a ampla defesa e o próprio contraditório. 2. Ordem concedida a fim de que, anulado o feito, sejam apresentadas as alegações finais, ficando prejudicadas as questões referentes à demora no julgamento da Revisão Criminal e fixação de regime mais brando para o cumprimento da pena. (HC 40.961/RS, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Sexta Turma, DJ 6/3/06) CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que o Juízo de primeiro grau proferiu sentença condenatória, não obstante a ausência de alegações finais pela defesa do paciente. II. A não apresentação das derradeiras alegações configura nulidade absoluta da sentença, por traduzirem ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. III. Ordem concedida, prejudicadas as demais alegações da impetração. (HC 54.814/MG, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 19/6/06) Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal: HABEAS-CORPUS. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA, PORQUE O ADVOGADO CONSTITUÍDO NÃO APRESENTOU ALEGAÇÕES FINAIS, APESAR DE INTIMADO, NEM O ACUSADO FORA NOTIFICADO DA OMISSÃO E NÃO FORA NOMEADO DEFENSOR DATIVO. NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DAS ALEGAÇÕES FINAIS. ORDEM DEFERIDA. 1. As alegações finais do réu são peça essencial do processo-crime, e o Juiz não deve sentenciar antes de suprir a omissão do defensor. 2. A omissão de apresentação das alegações finais, ainda que intimado o defensor constituído, configura ofensa ao direito de ampla defesa e ao princípio do contraditório, evidenciando-se prejuízo para o réu. Habeas-corpus deferido (HC 73.227/RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ 25/10/96) HABEAS CORPUS. ALEGAÇÕES FINAIS. ADVOGADO CONSTITUÍDO. SENTENÇA. As alegações finais do réu são peça essencial do processo-crime, e o Juiz não deve sentenciar antes de suprir a omissão do defensor. (HC 64.687/RS, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, DJ 15/4/87) Destarte, não apresentadas as alegações finais e não tendo o Juízo processante intimado o réu para constituir novo advogado, tampouco lhe nomeado defensor público ou dativo, para suprir tal omissão, deve ser declarada a nulidade da sentença condenatória, pelo evidente cerceamento de defesa. Nesse contexto, anulada a sentença, verifica-se o transcurso do prazo prescricional. Com efeito, os crimes falimentares praticados antes do advento da Lei 11.101/05 prescrevem em 2 (dois) anos, nos termos do art. 199 do Decreto-Lei 7.661/45. Acerca da prescrição nos crimes falimentares, aplicam-se as causas interruptivas previstas no Código Penal, conforme o enunciado sumular n.º 592 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "Nos crimes falimentares, aplicam-se as causas interruptivas da prescrição previstas no Código Penal". No caso, o recebimento da denúncia ocorreu em 26/10/04 conforme consta das fls. 158/159. Dessa forma, decorridos mais de 2 (dois) anos entre o último marco interruptivo, consubstanciado no recebimento da denúncia, e a presente data, impõe-se o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição. Por fim, importante destacar que, reconhecida e extinção da punibilidade do paciente, resta prejudicada a análise das demais teses argüidas. Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem impetrada para anular o processo, desde a fase do art. 500 do Código de Processo Penal, pela não-apresentação das alegações finais e, por conseguinte, para declarar a extinção da punibilidade quanto ao crime imputado ao impetrante/paciente HÉLIO DA CONCEIÇÃO FERNANDES COSTA, em face da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 107, inciso IV, c/c o art. 199 do Decreto-Lei 7.661/45. É como voto.