RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 55.147 - MG (2017/0219689-6)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
Trata-se de recurso ordinário interposto pelo MUNICÍPIO DE SACRAMENTO contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cuja ementa é a seguinte:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA A DECISÃO JUDICIAL QUE DEIXOU DE RECEBER O RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO - EXECUÇÃO FISCAL - VALOR DA CAUSA INFERIOR AO DE ALÇADA - VALOR INFERIOR A 50 ORTN - ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ, ATRAVÉS DE ACORDÃO NO RESP 1.168.625/MG, REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA, NA FORMA DO ART. 543-C DO CPC - RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL - ILEGALIDADE OU ARBITRARIEDADE DO ATO NÃO VERIFICADA - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
1. Tratando-se os autos de execução fiscal de valor inferior a 50 OTN's, a sentença só pode ser desafiada por embargos infringentes ou de declaração, conforme a dicção do art. 34 da Lei n° 6.830/80, não havendo qualquer distinção na legislação de regência quanto ao conteúdo da r. sentença impugnada.
2. O col. STJ, através do julgamento do REsp 1.168.625/MG, representativo de controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC, firmou entendimento no sentido de que "com a extinção da ORTN, o valor de alçada deve ser encontrado a partir da interpretação da norma que extinguiu um índice e o substituiu por outro, mantendo-se a paridade das unidades de referência, sem efetuar a conversão para moeda corrente, para evitar a perda do valor aquisitivo", de forma que deve se considerar na conversão "50 ORTN = 50 OTN = 308,50 BTN = 308,50 UFIR = R$ 328,27 (trezentos e vinte e oito reais e vinte e sete centavos) a partir de janeiro/2001", valor este que deve ser corrigido pelo IPCA-E.
3. Se, na data da distribuição do feito executório o montante reivindicado pelo ente fazendário é inferior ao valor de 50 ORTN's, corrigido pelo IPCA-E, na forma do entendimento firmado pelo col. STJ, não há ilegalidade ou arbitrariedade na r. decisão que deixa de receber a apelação interposta.
4. Inocorrência de vulneração dos princípios do duplo grau de jurisdição, a ampla defesa.
5. Segurança denegada.
O recorrente alega que o mandamus não fora impetrado contra a sentença, mas sim em face de decisão que negou seguimento à apelação, hipótese que não se encontra no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, que trata do cabimento do agravo de instrumento.
Pondera que a sentença extintiva viola os princípio da separação dos Poderes e da indisponibilidade do interesse público, uma vez que a legislação municipal não autoriza a extinção de execuções fiscais em que o crédito tributário executado seja superior a R$ 100,00.
Aduz que, no caso, o crédito tributário, à época do ajuizamento, era superior a 50 ORTNs, razão pela qual o órgão judicial a quo deveria ter conhecido o recurso de apelação contra a sentença extintiva, sob pena de violação ao princípio do duplo grau de jurisdição.
Sustenta, ainda, ser vedado a um magistrado legislar sobre renúncia de receita, mormente, sem utilização de nenhum critério objetivo, em expressa afronta ao art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Sem contrarrazões.
Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 55.147 - MG (2017/0219689-6)
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VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ).
Isso considerado, com a anotação de que não há nos autos cópia da petição inicial da execução fiscal, importa mencionar, nos termos da inicial do writ e das decisões judiciais proferidas, que o Município de Sacramento impetrou mandado de segurança contra decisão do magistrado de primeiro grau que não recebeu recurso de apelação, "já que descabe tal recurso nos casos em que o valor da causa não excede 50 ORTN" (e-STJ fl. 29). A apelação, por sua vez, fora interposta contra sentença que extinguiu execução fiscal, por ausência do interesse de agir, em razão de o crédito executado ser de R$ 401,77 (e-STJ fls. 10/14).
O Tribunal de Justiça, indeferindo liminarmente o writ, denegou o mandado de segurança. Vejamos, no que interessa, o que está consignado no voto condutor (e-STJ fls. 63 e seguintes):
No caso, o mandamus visa à reforma de uma decisão que não recebeu o recurso de apelação aviado pelo ora impetrante oposta em face da r sentença que extinguiu a Execução Fiscal, em razão do valor envolvido na lide (RS 401,77) ser inferior a 50 ORTN (f. 28), contra a qual a parte interessada deveria, no momento de sua cientificação, se insurgir por meio de recurso próprio, e não através mandado de segurança, como via oblíqua ou substitutiva da impugnação cabível.
Isso porque os incisos II e III do art. 5º da Lei n° 12.016/09 dispõem claramente:
[...]
Percebe-se que o legislador buscou evitar a utilização desmedida do mandado de segurança, afastando-o quando a lesão ao direito puder ser rechaçada por outros meios.
Dessa forma, nos casos em que a legislação processual estabelece recurso para impugnação da decisão judicial considerada ilegal, como na espécie, não é cabível a ação mandamental.
[...]
No caso concreto, tem-se que o artigo 34 da Lei de Execuções Fiscais prevê expressamente que das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração, o que demonstra o descabimento do presente writ.
O Supremo Tribunal Federal já sumulou esse entendimento. Consta no o enunciado da Súmula 267 que: "Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição".
Logo, o cabimento de mandado de segurança contra atos judiciais se encontra condicionado à inexistência de outro instrumento processual adequado para sanar ou evitar a lesão apontada pelo impetrante, não sendo viável a sua propositura quando os vícios apontados pelo requerente possam ser objeto de recurso ou de outra via processual prevista no ordenamento.
Portanto, descabido o ajuizamento da Ação de Mandado de Segurança, não estando presentes quaisquer das hipóteses do artigo 5º, LXIX, CR/88 ou da Lei n. 12.016/09
Por fim, ressalto que em nenhuma hipótese não se pode cogitar o ato impetrado como teratológico, abusivo de poder ou flagrantemente ilegal, para fins de, na esteira de construção jurisprudencial, admitir-se o manejo excepcional do "writ", quando cabível recurso da decisão judicial impetrada, tal como explanado alhures.
Destarte, estando a irresignação em confronto com entendimento já sumulado pelo Egrégio STF, DENEGO A SEGURANÇA, nos termos do art. 10 da Lei n° 12.016/09.
Pois bem.
Deve-se chamar atenção para o fato de não estar em discussão a sentença extintiva da execução fiscal, mas a decisão de não recebimento da apelação, proferida em julho de 2016 (já na vigência do CPC/2015).
Esse fato é relevante porque o atual Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) suprimiu a fase de recebimento do recurso de apelação, como se extrai do art. 1.010, § 3º, ao tempo em que o cabimento do agravo de instrumento é restrito às hipóteses elencadas no art. 1.015 e a "outros casos expressamente referidos em lei" (inc. XIII).
Assim, por força das atuais disposições do CPC/2015, processada a apelação pelo juízo de primeiro grau, "os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade" (§ 3º do art. 1.010), sendo que eventuais decisões interlocutórias não elencadas no art. 1.015 serão resolvidas pelo Tribunal nos termos do § 1º do art. 1.009.
Porém, o caso em análise revela peculiaridade que deve ser devidamente ponderada, à luz da garantia constitucional da razoável duração do processo, no caso, executivo.
O art. 34 da Lei n. 6.830/1980 estabelece o cabimento só de embargos infringentes e de declaração contra as sentença proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 ORTN, sendo antigo e pacífico o entendimento jurisprudencial deste Tribunal Superior pelo não cabimento da apelação.
A propósito, cumpre anotar que o Supremo Tribunal Federal tem posicionamento firmado no sentido de que "é de natureza infraconstitucional a controvérsia relativa ao cabimento de mandado de segurança contra decisão que julga embargos infringentes opostos em execução fiscal de pequeno valor, fundada na interpretação da Lei 6.830/1980" (ARE 963889 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe-108), o que dá contorno de definitividade à jurisprudência deste Tribunal Superior sobre o tema.
E a orientação jurisprudencial aqui firmada, como bem pontuou o em. Min. Ari Pargendler, leva em consideração o fato de o art. 34 da Lei n. 6.830/1980 constituir "opção do legislador, que só excepciona desse regime o recurso extraordinário, quando se tratar de matéria constitucional" (AgRg no RMS 38.790/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe 02/04/2013).
No mesmo sentido: AgRg no RMS 47.452/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 30/03/2015; AgRg no RMS 47.099/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 04/03/2015.
Não há, pois, como admitir a interposição de apelação contra sentença extintiva de execução fiscal cujo valor seja inferior a 50 ORTNS.
Nesse cenário, a interposição de tal recurso caracteriza erro grosseiro da parte e, de certo modo, tentativa de burla ao sistema recursal desenhado pelo legislador ordinário, que resulta diretamente no aumento desnecessário do tempo de tramitação do processo executivo e contribui significativamente para o abarrotamento do acervo de processos dos órgãos jurisdicionais de segundo grau.
Essa peculiar situação induz o entendimento de que o magistrado de primeiro grau, ao deparar-se com a interposição de recurso de apelação contra a sentença extintiva da execução fiscal de pequeno valor, pode, de pronto, apontar seu não cabimento, porquanto manifestamente inadmissível, e deixar de enviar os autos ao Tribunal, em atenção aos princípios constitucionais da celeridade e da eficiência.
De fato, o juízo da execução ganha papel de relevo na hipótese de o recurso de apelação ser manifestamente incabível, ficando autorizado, excepcionalmente, a inadmiti-lo, em cooperação com os demais sujeitos processuais, nos termos do art. 6º do CPC/2015 ("todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva").
Não se pode esquecer o mandamento legal segundo o qual, "ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência" (art. 8º do CPC/2015).
Nessa linha e considerado o fato de os sujeitos processuais estarem cientes da regra do art. 34 da Lei n. 6.830/1980, embora, atualmente, a competência para o recebimento da apelação seja dos órgãos jurisdicionais de segundo grau, in casu, não se mostra razoável anular a decisão do magistrado de primeiro grau sem ponderar os efeitos nefastos ocasionados por recursos de apelações "natimortas".
Dito isso, deve-se destacar que a impetração de mandado de segurança contra decisão judicial somente é admitida nos casos de manifesta teratologia, por ilegalidade ou abuso de poder (vide AgRg no MS 21.781/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe 02/02/2016; AgRg no MS 22.154/DF, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, Corte Especial, DJe 14/12/2015).
E se é assim, conquanto não mais haja previsão para a interposição de agravo de instrumento contra a decisão de inadmissão de recurso de apelação, a impetração do mandado de segurança não é cabível, pois a decisão do juízo da execução, pela não admissão do recurso de apelação contra a sentença extintiva de execução fiscal de pequeno valor, não pode ser considerada como manifestamente ilegal, visto que, materialmente, não contraria a ordem jurídica vigente.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário.
É como voto.