AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.501.397 - RJ (2019/0134273-0)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
AGRAVANTE : COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS - CEDAE
ADVOGADOS : JAYME SOARES DA ROCHA FILHO E OUTRO(S) - RJ081852
LUCIANA MARQUES TOSTO - RJ109395
LEONARDO BRUNO BRIZZANTE CUPELLO - RJ100439
WAGNER JESUS FERNANDES DA SILVA - RJ173569
AGRAVADO : MARLENE SILVEIRA PIRES LOUREIRO
ADVOGADO : KARLA CRISTINA CRUZ PENNA E OUTRO(S) - RJ117574
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Agravo de decisão que inadmitiu Recurso Especial (art. 105, III, "a", da CF/88) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim ementado (fl. 320, e-STJ):
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS APTOS A ENSEJAR A ALTERAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA HOSTILIZADA, QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU, DECISÃO ASSIM EMENTADA: "APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. COBRANÇA DE TARIFA INTEGRAL PELA CEDAE. IMPOSSIBILIDADE. Constatação através de laudo pericial conclusivo de que não existe no bairro rede coletora de esgoto, tendo a autora que contratar serviço de retirada de dejetos sólidos de tempos em tempos, enquanto a parte líquida é despejada, in natura, em um córrego próximo à sua residência. Ilegitimidade arguida pela apelante que não merece prosperar. Relação que deve ser observada sob a ótica da teoria da asserção. Legitimidade passiva bem caracterizada. Autora que afirmou ser a concessionária a responsável pelos danos causados em razão da falha na prestação do serviço. Relação jurídica de natureza consumerista, não podendo o Termo de Reconhecimento Recíproco de Direitos e Obrigações, celebrado entre a CEDAE e o Município, ser oponível ao usuário -consumidor, com o objetivo de afastar a responsabilidade da concessionária do serviço público. Denunciação da lide que também não se reconhece. Vedação contida no artigo 88, do Código de Proteção ao Consumidor e no enunciado 92 da Súmula do TJ/RJ. Cobrança ilegítima por clara e evidente deficiência na prestação do serviço. Período prescricional de restituição dos valores indevidamente pagos que deve obedecer o prazo decenal previsto no artigo 205 do Código Civil. Precedentes do ST J. Restituição que deve se dar na forma simples, por inexistir demonstração de má-fé. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO". DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO.
A agravante, nas razões do Recurso Especial, alega que ocorreu violação dos arts. 165, 458, II e III, do CPC; 206, § 3º, IV, do CC; e 3° da Lei 11.445/2007. Afirma que o Tribunal de origem não fundamentou sua decisão como deveria. Afirma ser excessivo o quantum indenizatório. Defende que o serviço do esgoto é muito mais que a simples coleta deste, pois ele engloba também o tratamento dos resíduos finais, até o seu efetivo lançamento no meio ambiente. Salienta que o tratamento do lodo retirado das ETES particulares se enquadra perfeitamente em sua definição. Aduz (fl. 354, e-STJ):
Insta salientar que o recorrido pretende a restituição dos valores pagos pelo serviço em questão. Não obstante, todas as cobranças foram efetuadas corretamente, como se demonstrará a seguir.
O recorrido pretende exonerar-se da contraprestação que lhe cabe pelo fornecimento de esgotamento sanitário prestado pela ré afirmando não estar o mesmo disponibilizado, o que é um equívoco.
Cabe destacar que os efluentes sanitários do imóvel estão sendo encaminhados, através de uma rede de ligação, para um sistema público de esgotamento existente no logradouro, sendo tal sistema caracterizado como unitário, conforme denomina o art. 2°, inciso XLVII do Decreto n.° 553/76.
(...)
Na remota hipótese de ser acolhido o pedido de repetição formulado, impõe-se registrar que o prazo prescricional que deverá ser observado é de três anos, do art. 206, §30, IV, do Código Civil.
Sem contrarrazões.
Decisão de inadmissibilidade do recurso às fls. 390-393, e-STJ.
É o relatório.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.501.397 - RJ (2019/0134273-0)
}
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 4.9.2019.
A irresignação não merece prosperar.
Inicialmente, cumpre registrar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que não incorre em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, apenas não acatando a tese defendida pela recorrente.
Da leitura atenta do voto condutor, vê-se que o Tribunal de origem manifestou-se de maneira clara e embasada acerca das questões relevantes para o deslinde do conflito, motivo pelo qual se deve concluir não ter havido ofensa aos artigos 165 e 489 do CPC/2015.
Quanto ao tema da prescrição, cumpre registrar que a Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.113.403/RJ, da relatoria do Min. Teori Albino Zavascki (DJe 15.9.2009), submetido ao regime dos recursos repetitivos do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ 8/2008, firmou o entendimento de que, ante a ausência de disposições específicas acerca do prazo prescricional aplicável à prática comercial indevida de cobrança excessiva, é de rigor a aplicação das normas gerais relativas à prescrição insculpidas no Código Civil na ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto. Assim, tem-se prazo vintenário, na forma estabelecida no art. 177 do Código Civil de 1916, ou decenal, de acordo com o previsto no art. 205 do Código Civil de 2002.
Diante da mesma conjuntura, não há razão para adotar solução diversa daquela aplicada nos casos de repetição de indébito dos serviços de telefonia. A propósito:
TARIFAS TELEFÔNICAS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 26 DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. CONCESSIONÁRIA. PESSOA JURÍDICA DE NATUREZA PRIVADA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. ART. 177 DO CCR C/C 2.028 DO NCC.
(...).
II - A cobrança a maior não se caracteriza em vício de serviços ou produtos, mas sim de atividade vinculada, erroneamente apresentada, mas que não se confunde com o próprio serviço, devendo ser afastado o prazo nonagesimal previsto no artigo 26 do CDC para o ajuizamento de ação judicial.
III - A cobrança a maior enseja repetição de indébito, a qual, dirigindo-se contra pessoa jurídica de natureza privada, tem como prazo prescricional aquele de vinte anos previsto no artigo 177 do CCR c/c o artigo 2.028 do NCC. Precedente: REsp nº 463.331/RO, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 23/08/2004.
IV - Recurso improvido. (REsp 762.000/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, DJe 2.3.2009).
Consumidor e Processual. Ação de repetição de indébito. Cobrança indevida de valores. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 27 do CDC. Incidência das normas relativas a prescrição insculpidas no Código Civil. Repetição em dobro. Impossibilidade. Não configuração de má-fé.
- A incidência da regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC tem como requisito essencial a formulação de pedido de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, o que não ocorreu na espécie.
- Ante à ausência de disposições no CDC acerca do prazo prescricional aplicável à prática comercial indevida de cobrança excessiva, é de rigor a aplicação das normas relativas a prescrição insculpidas no Código Civil.
- O pedido de repetição de cobrança excessiva que teve início ainda sob a égide do CC/16 exige um exame de direito intertemporal, a fim de aferir a incidência ou não da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/02.
- De acordo com este dispositivo, dois requisitos cumulativos devem estar presentes para viabilizar a incidência do prazo prescricional do CC/16: i) o prazo da lei anterior deve ter sido reduzido pelo CC/02; e ii) mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido no momento em que o CC/02 entrou em vigor, em 11 de janeiro de 2003.
- Na presente hipótese, quando o CC/02 entrou em vigor já havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional previsto na lei antiga, motivo pelo qual incide o prazo prescricional vintenário do CC/16.
- A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ é firme no sentido de que a repetição em dobro do indébito, sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor.
- Não reconhecida a má-fé da recorrida pelo Tribunal de origem, impõe-se que seja mantido o afastamento da referida sanção, sendo certo, ademais, que uma nova perquirição a respeito da existência ou não de má-fé da recorrida exigiria o reexame fático-probatório, inviável em recurso especial, nos termos da Súmula 07/STJ.
Recurso especial parcialmente provido apenas para, afastando a incidência do prazo prescricional do art. 27 do CDC, determinar que a prescrição somente alcance a pretensão de repetição das parcelas pagas antes de 20 de abril de 1985. (REsp 1032952/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 26/03/2009).
Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual posicionamento do STJ razão pela qual não merece prosperar a irresignação.
No mais, melhor sorte não assiste à recorrente.
O Tribunal de origem entendeu, com base nos elementos de convicção, que a cobrança da tarifa, no caso, é ilegítima, porquanto "a CEDAE, no que se refere ao serviço de coleta, transporte, tratamento e disposição final do esgoto sanitário do imóvel da autora, é totalmente inoperante" (fl. 207, e-STJ, grifei).
Desse modo, rever o entendimento consignado pelo acórdão recorrido de que os serviços de coleta e transporte dos dejetos sanitários não estão sendo prestados pela concessionária, nem mesmo parcialmente, requer revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível na via estreita do Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial".
Ilustrativamente:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TARIFA DE ESGOTO. ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.
1. Ausente a violação do art. 535 do CPC, porquanto o acórdão de origem fundamentou, claramente, o posicionamento por ele assumido, resolvendo todas as questões levantadas pelo agravante.
2. A análise da tese suscitada esbarra na impossibilidade de incursão na seara probatória na via especial, conforme disposto na Súmula 7/STJ.
3. Não se conhece da violação a dispositivos infraconstitucionais quando a questão não foi enfrentada pelo acórdão recorrido, carecendo o recurso especial do necessário prequestionamento (Súmula 211/STJ).
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 636.705/SP, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 17/12/2015)
Por fim, quanto ao alegado excesso na valoração do dano moral, verifica-se a deficiência na fundamentação do apelo, pois não houve condenação sob esse título na origem, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF.
Caso exista nos autos prévia fixação de honorários de advogado pelas instâncias de origem, determino a sua majoração, em desfavor da parte recorrente, em 10% sobre o valor já arbitrado, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do referido dispositivo legal, bem como eventual concessão da gratuidade da justiça.
Diante do exposto, conheço do Agravo para não conhecer do Recurso Especial.
É como voto.