AgInt nos EDcl no PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 3103 - DF (2022/0234218-6)
RELATORA : MINISTRA REGINA HELENA COSTA
AGRAVANTE : RILDO ALEIXO DE ALMEIDA TAVARES
ADVOGADO : CARLOS HENRIQUE MARCAL BORGES - DF060829
AGRAVADO : DEPARTAMENTO DE TRANSITO DO DISTRITO FEDERAL
ADVOGADO : ROGÉRIO ANDRADE CAVALCANTI ARAUJO - DF013417EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ETILÔMETRO OU BAFÔMETRO. RECUSA EM SE SUBMETER AO EXAME. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. CONFIGURAÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO. LEGALIDADE. PRECEDENTES. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I ? Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II ?O entendimento firmado nesta Corte é no sentido de que a recusa do condutor de veículo automotor na realização do teste do etilômetro, ainda que não conste do auto de infração evidenciada a ingestão de bebida alcóolica ou substância psicoativa, cabível a aplicação das sanções do art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro.
III ? Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
IV ? Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
V ? Agravo Interno improvido.RELATÓRIO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA REGINA HELENA COSTA (Relatora):
Trata-se de Agravo Interno interposto contra a decisão que julgou procedente o Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei para reconhecer a legalidade do auto de infração de trânsito aplicada, fundamentada na incidência do entendimento desta Corte segundo o qual a recusa do condutor de veículo automotor na realização do teste do etilômetro, ainda que não conste do auto de infração evidenciada a ingestão de bebida alcóolica ou substância psicoativa, cabível a aplicação das sanções do art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro.
Opostos Embargos de Declaração, forma rejeitados (fls. 176/179e).
Sustenta o Agravante, em síntese, que ?a decisão recorrida, e os argumentos da procuradoria consistem em uma realidade totalmente alheia ao que ocorreu, pautando-se no argumento deque, é possessível aplicação da infração em caso de recusa ao realizar o teste do bafômetro, na forma do art. 277 do CTB? (fl. 187e).
Aduz, ainda, que a infração imputada não seria de recusa em realizar o teste do etilômetro, mas a ausência de embriaguez, conforme comprova o exame do Instituto Médico Legal.
Por fim, requer o provimento do recurso, a fim de que seja reformada a decisão impugnada ou, alternativamente, sua submissão ao pronunciamento do colegiado.
Impugnação às fls. 193/196e.
É o relatório.VOTO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA REGINA HELENA COSTA (Relatora):
Por primeiro, consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
Não assiste razão ao Agravante.
O art. 18 da Lei n. 12.153/2009 dispõe:
Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.
[...] § 3o Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.
Como cediço, "no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, do exame conjunto dos arts. 18, caput, §§ 1º e 3º, e 19, caput, da Lei n. 12.153/2009, verifica-se que o pedido de uniformização de interpretação acerca de questão de direito material concernente a lei federal é admissível quando: (i) houver divergência entre Turmas Recursais de diferentes Estados sobre controvérsia idêntica; e (ii) súmula desta Corte sofrer contrariedade por decisão proferida por Turma Recursal ou pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1º do art. 18 do referido diploma legal" (PUIL 1.191/PR, da minha relatoria, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 19/6/2019).
Portanto, no que tange ao mérito da controvérsia, a irresignação do requerente, ora recorrido, merece prosperar.
O Requerente insurge-se contra auto de infração lavrado com recusa do condutor a se submeter a qualquer um dos procedimentos previstos no art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro.
Alega que o entendimento adotado pela Terceira Turma Recursal do Colégio Recursal do Distrito Federal contraria o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e outras Turmas recursais de outros estados, no sentido de que a simples recusa do condutor a se submeter a qualquer dos procedimentos configura a infração de trânsito prevista no art. 277, § 3º, do Código de Trânsito Brasileiro.
Em relação ao Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, com razão a autarquia de trânsito estadual requerente, visto que o entendimento firmado nesta Corte é no sentido de que a recusa do condutor de veículo automotor na realização do teste do etilômetro, ainda que não conste do auto de infração evidenciada a ingestão de bebida alcóolica ou substância psicoativa, cabível a aplicação das sanções do art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro.
Nesse sentido:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE LEI. RECUSA DO CONDUTOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR NA REALIZAÇÃO DO TESTE DO ETILÔMETRO. CABÍVEL A APLICAÇÃO DAS SANÇÕES DO ART. 165-A DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO.
I - Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de Lei, com fundamento no art. 18, § 3º, da Lei n. 12.153/2009, com o objetivo de reformar acórdão prolatado pela 1ª Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de Franca do Estado de São Paulo. No STJ, foi dado provimento ao Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, para confirmar a legalidade do auto de infração aplicada ao requerido, com base no art. 277, § 3, do CTB. I
II - Em relação ao Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, com razão a autarquia de trânsito estadual requerente, visto que o entendimento firmado nesta Corte é no sentido de que a recusa do condutor de veículo automotor na realização do teste do etilômetro, ainda que não conste do auto de infração evidenciada a ingestão de bebida alcóolica ou substância psicoativa, cabível a aplicação das sanções do art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro. Sobre a matéria, os seguintes julgados: REsp 1720060 / RJ, Relator(a) Ministra REGINA HELENA COSTA, - PRIMEIRA TURMA, Julgamento em 27/11/2018, DJe 06/12/2018; REsp 1758579 / RS, Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, Julgamento em 13/11/2018, DJe 04/12/2018; AgInt no REsp 1719584 / RJ, Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, Julgamento em 08/11/2018, DJe 29/11/2018).
III - No caso dos autos, é incontroversa a recusa do requerido em se submeter ao teste do etilômetro (bafômetro), verbis (fl. 17): " Assim, estando incontroverso que o agravante negou-se a realizar o teste do etilômetro, é o caso, a princípio, de manutenção da validade do ato administrativo, até porque em seu favor milita a presunção de legalidade e veracidade." IV - A análise do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, in casu, não exige o exame de matéria fático-probatória, restando afastada a incidência da Súmula n. 7/STJ.
V - Agravo interno improvido.
(AgInt no PUIL 1.051/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/09/2019, DJe 30/09/2019).
Na mesma linha precedentes de ambas as Turmas de Direito Público:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. ART. 277 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. TESTE DE ETILÔMETRO. RECUSA DE REALIZAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DO ESTADO DE EMBRIAGUEZ. DESNECESSIDADE. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE.
1. "Nos termos da Súmula 568/STJ, é possível o julgamento monocrático do recurso especial quando houver jurisprudência no mesmo sentido dos fundamentos adotados no decisum. Ainda que assim não fosse, a jurisprudência deste Sodalício se orienta no sentido de que o julgamento colegiado torna prejudicado eventuais vícios inerentes ao exame monocrático" (AgInt no REsp 1.678.066/RS, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/10/2017).
2. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "a evidência do estado de embriaguez do infrator apenas é imprescindível quando não realizado o teste do etilômetro, para caracterizar a infração prevista no supracitado art. 165, mas desnecessária para a infração do art. 277, § 3º, em razão da singularidade das infrações, embora impostas as mesmas sanções." (REsp 1.758.579/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/11/2018, DJe 4/12/2018).
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1861096/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 17/08/2020).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO. ETILÔMETRO OU BAFÔMETRO. RECUSA EM SE SUBMETER AO EXAME. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. CONFIGURAÇÃO. ARTS. 165 E 277, §3º, DO CTB. AUTONOMIA DAS INFRAÇÕES. IDENTIDADE DE PENAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - A recusa em se submeter ao teste do etilômetro (bafômetro) não presume a embriaguez prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro, tampouco se confunde com a infração lá estabelecida, configurando violação autônoma, apenas cominada de idêntica penalidade.
III - Recurso Especial Provido.
(REsp 1720060/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 06/12/2018).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TAXISTA. TESTE DE ALCOOLEMIA, ETILÔMETRO OU BAFÔMETRO. RECUSA EM SE SUBMETER AO EXAME. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 277, §3º C/C ART. 165 DO CTB. AUTONOMIA DAS INFRAÇÕES. IDENTIDADE DE PENAS. DESNECESSIDADE DE PROVA DA EMBRIAGUEZ. INFRAÇÃO DE MERA CONDUTA. DEVER INSTRUMENTAL DE FAZER. PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. INAPLICABILIDADE. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. TIPO ADMINISTRATIVO QUE NÃO CONSTITUI CRIME. SEGURANÇA VIÁRIA. DIREITO FUNDAMENTAL. DEVER DO ESTADO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA RESPEITADA. SÚMULA 301/STJ. PREVISÃO DE EFEITOS LEGAIS CONTRÁRIOS A QUEM SE RECUSA A SE SUBMETER A PROVA TÉCNICA. TEMA NÃO EXCLUSIVO DO CTB E SUMULADO PELO STJ. INFRAÇÃO COMETIDA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE TRANSPORTE REMUNERADO DE PASSAGEIROS. ATIVIDADE DEPENDENTE DE AUTORIZAÇÃO ESTATAL. SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA REGIDO PELA LEI 12.587/2012. OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO REFORÇADA.
1. A controvérsia sub examine versa sobre a consequência administrativa da recusa do condutor de veículo automotor a se submeter a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa.
2. O Tribunal recorrido entendeu que a simples negativa de realização do teste de alcoolemia, etilômetro ou bafômetro, sem outros meios de prova da embriaguez do motorista, não é suficiente para configurar a automática infração de trânsito.
3. A recorrente sustenta que esse entendimento do Tribunal local viola os arts. 277, § 3º e 165 da Lei 9.503/1997, pois a legislação prevê a aplicação das penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) independentemente da comprovação da embriaguez, bastando o condutor se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput do art. 277. 4. O art. 165 do CTB prevê sanções e medidas administrativas para quem dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. 5.
Já o art. 277, §3º, na redação dada pela Lei 11.705/2008, determina a aplicação das mesmas penalidades e restrições administrativas do art. 165 ao condutor que se recusar a se submeter a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
6. Interpretação sistemática dos referidos dispositivos permite concluir que o CTB instituiu duas infrações autônomas, embora com mesmo apenamento: (i) dirigir embriagado; (ii) recusar-se o condutor a se submeter a procedimentos que permitam aos agentes de trânsito apurar seu estado. 7. A recusa em se submeter ao teste do bafômetro não presume a embriaguez do art. 165 do CTB, tampouco se confunde com a infração ali estabelecida. Apenas enseja a aplicação de idêntica penalidade pelo descumprimento do dever positivo previsto no art. 277, caput.
8. O indivíduo racional pauta sua conduta pelos incentivos ou desincentivos decorrentes do seu comportamento. Se a política legislativa de segurança no trânsito é no sentido de prevenir os riscos da embriaguez ao volante mediante fiscalização que permita identificar condutores que estejam dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa, deve a lei prever consequências que persuadam o indivíduo ao comportamento desejado pela norma. 9. Caso o CTB não punisse o condutor que descumpre a obrigação de fazer prevista na legislação na mesma proporção do desrespeito ao tipo legal que a fiscalização viária tem o dever de reprimir, o indivíduo desviante sempre optaria pela consequência menos gravosa. O dever estabelecido no caput do art. 277 constituiria mera faculdade estabelecida em favor do motorista, em detrimento da real finalidade dos procedimentos técnicos e científicos colocados à disposição dos agentes de trânsito na prevenção de acidentes.
10. A identidade de penas, mercê da diversidade de tipos infracionais, nada mais é do que resultado lógico da previsão legislativa de mecanismo para assegurar efetividade à determinação de regras de conduta compatíveis com a política pública estabelecida pela norma.
11. Ao contrário do sustentado pelo acórdão recorrido, a sanção do art. 277, § 3º, do CTB dispensa demonstração da embriaguez por outros meios de prova. A infração aqui reprimida não é a de embriaguez ao volante, prevista no art. 165, mas a de recusa em se submeter aos procedimentos do caput do art. 277, de natureza instrumental e formal, consumada com o mero comportamento contrário ao comando legal. 12. A prova da infração do art. 277, § 3º é a de descumprimento do dever de agir. Tão só. Sem necessidade de termo testemunhal ou outro meio idôneo admitido no § 2º do mesmo dispositivo legal. 13. O princípio nemo teneteur se detegere tem origem na garantia constitucional contra a autoincriminação e no direito do acusado de permanecer calado, sem ser coagido a produzir provas contra si mesmo. Aplica-se de forma irrestrita aos processos penais, sendo essa a sua esfera nuclear de proteção.
14. É possível admitir a incidência ampliada do princípio nemo teneteur se detegere quando determinada infração administrativa também constituir ilícito penal. Nesses casos, a unicidade de tratamento confere coerência interna ao sistema jurídico. 15. Nas situações em que a independência das instâncias é absoluta e os tipos infracionais distintos, a garantia do nemo teneteur se detegere não tem aplicação sobre a função administrativa exercida no âmbito da sua competência ordenadora, por falta de amparo no ordenamento pátrio.
16. Entender o contrário levaria ao absurdo de se admitir que o condutor pudesse recusar-se, sem as penalidades cabíveis, a submeter seu veículo a inspeção veicular ou a apresentar às autoridades de trânsito e seus agentes os documentos de habilitação, de registro, de licenciamento de veículo e outros exigidos por lei, para averiguação da regularidade documental prescrita pela legislação.
17. A interpretação de uma norma há de ser feita para garantir a sua máxima eficácia e plena vigência, por militar em favor das leis a presunção de sua legitimidade e constitucionalidade enquanto não afastada do mundo jurídico pelo órgão judiciário competente. Negar efeito ao §3º do art. 277 do CTB, antes do pronunciamento do STF na ADI 4.103-7/DF, usurpa competência do órgão constitucionalmente imbuído dessa função.
18. Não se pode olvidar, numa espécie de "cegueira deliberada", que o direito responde às imposições da experiência (BINENBOJM, 2016, pg. 53). 19. Segundo dados da Organização Mundial de Comércio, o Brasil registra cerca de 47 mil mortes no trânsito por ano e 400 mil pessoas com algum tipo de sequela. Morre-se mais em acidentes de trânsito do que na guerra civil da Síria. 20. O custo para o País é de 56 bilhões por ano, conforme levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária, o que daria para construir 28 mil escolas ou 1.800 hospitais (http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2017/05/1888812-transi to-no-brasil-mata-47-mil-por-ano-e-deixa-400-mil-com-alguma-sequela.
shtml). condutor). 21. O cálculo do Centro de Pesquisas e Economia do Seguro (Cpes) é ainda mais alarmante, alcançando R$ 146 bilhões de perda pelo Brasil, só em 2016, em decorrência de acidentes de trânsito, número equivalente a 2,3% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) nacional (http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2017/05/1888678-aciden tes-de-transito-custaram-23-do-pib-do-brasil-em-2016-diz-pesquisa.sh tml). Esse valor corresponde ao que seria gerado pelo trabalho das vítimas que morreram ou ficaram inválidas após os acidentes. 22.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a ingestão de álcool é a terceira maior causa de mortes por acidente de trânsito em 2016, perdendo apenas para a falta de atenção e excesso de velocidade (https://www.metrojornal.com.br/foco/2017/05/01/brasil-e-o-quinto-pa is-mundo-em-mortes-no-transito-segundo-oms.html). E os jovens de 20 a 24 anos são a faixa etária mais atingida. 23. Tudo isso serve para demonstrar que a segurança viária, da mesma forma que a dignidade da pessoa humana, deve ser levada a sério e encarada como direito fundamental coletivo, e o dever do Estado em prestá-la não permite retrocesso.
24. A Lei 11.705/2008 alterou dispositivos do CTB na tentativa de dar resposta aos elevados desafios de proteger a população dos riscos reais e crescentes à sua incolumidade física em razão do desrespeito à legislação de trânsito. 25. O princípio nemo tenetur se detegere merece prestígio no sistema de referência próprio, servindo para neutralizar os arbítrios contra a dignidade da pessoa humana eventualmente perpetrados pela atividade estatal de persecução penal. Protege os acusados ou suspeitos de possíveis violências físicas e morais empregadas pelo agente estatal na coação em cooperar com a investigação criminal. 26. Daí a aplicá-lo, de forma geral e irrestrita, a todas as hipóteses de sanção estatal destituídas do mesmo sistema de referência vai uma larga distância.
27. Não há incompatibilidade entre o princípio nemo tenetur se detegere e o §3º do art. 277 do CTB, pois este se dirige a deveres instrumentais de natureza estritamente administrativa, sem conteúdo criminal, em que as sanções estabelecidas têm caráter meramente persuasório da observância da legislação de trânsito. 28. A dignidade da pessoa humana em nada se mostra afrontada pela obrigação de fazer prevista no caput do art. 277 do CTB, com a consequente penalidade estabelecida no §3º do mesmo dispositivo legal. 29. Primeiro, porque inexiste coação física ou moral para que o condutor do veículo se submeta ao teste de alcoolemia, etilômetro ou bafômetro. Só consequência patrimonial e administrativa pelo descumprimento de dever positivo instituído pela legislação em favor da fiscalização viária. Pode o condutor livremente optar por não realizar o teste, assumindo os ônus legais correspondentes.
30. Segundo, porque a sanção administrativa pela recusa em proceder na forma do art. 277, caput, não presume culpa de embriaguez, nem implica autoincriminação. Tampouco serve de indício da prática do crime do art. 306 do CTB. Restringe-se aos efeitos nela previstos, sem repercussão na esfera penal ou na liberdade pessoal do indivíduo. 31. A exigência legal de submissão a exame técnico ou científico, com os consectários jurídicos da recusa, não é exclusividade do CTB.
Consta, v.g., dos art. 231 e 232 do Código Civil.
32. O STJ editou a Súmula 301 com o seguinte teor: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade." 33. A previsão de efeitos legais contrários a quem se recusa a se submeter a prova técnica não é tema heterodoxo na legislação ou repelido pelo Superior Tribunal de Justiça, desde que não envolvida matéria criminal. 34. No caso concreto, merece relevo o fato de o condutor do veículo ser profissional do trânsito, na condição de taxista autônomo, tendo a infração sido praticada no pleno exercício da atividade de transporte remunerado de passageiro.
35. Se da pessoa comum, usuária livre das vias públicas e corresponsável pela segurança na condução de veículo automotor, exige-se a observância da legislação de trânsito, com mais razão e maior rigor deve-se reclamar comportamento irrepreensível por aquele que presta serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, dependente de autorização estatal, e considerado pela Lei 12.587/2012 como serviço de utilidade pública (art. 12).
36. A qualidade de taxista do condutor, ao revés de amenizar a situação e atrair condescendência, agrava sua responsabilidade.
Impõe atuação ainda mais rigorosa da fiscalização de trânsito, diante do risco multiplicado de grave dano de difícil ou impossível reparação à coletividade.
37. Recurso Especial provido.
(REsp 1677380/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017).
Assim, em que pesem as alegações trazidas, os argumentos apresentados são insuficientes para desconstituir a decisão impugnada.
No que se refere à aplicação do art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, a orientação desta Corte é de que o mero inconformismo com a decisão agravada não enseja a imposição da multa, não se tratando de simples decorrência lógica do não provimento do recurso em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso.
Nessa linha:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EMBARGADO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. ACÓRDÃOS PARADIGMAS. JUÍZO DE MÉRITO. INADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. NEGADO SEGUIMENTO AOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MULTA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Trata-se de Agravo Regimental ou interno, interposto em 05/05/2016, contra decisão publicada em 13/04/2016.
II. De acordo com o art. 546, I, do CPC/73, os Embargos de Divergência somente são admissíveis quando os acórdãos cotejados forem proferidos no mesmo grau de cognição, ou seja, ambos no juízo de admissibilidade ou no juízo de mérito, o que não ocorre, no caso. Incidência da Súmula 315/STJ.
III. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "se o acórdão embargado decidiu com base na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, falta aos embargos de divergência o pressuposto básico para a sua admissibilidade, é dizer, discrepância entre julgados a respeito da mesma questão jurídica. Se o acórdão embargado andou mal, qualificando como questão de fato uma questão de direito, o equívoco só poderia ser corrigido no âmbito de embargos de declaração pelo próprio órgão que julgou o recurso especial" (STJ, AgRg nos EREsp 1.439.639/RS, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF/1ª Região), PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 01/12/2015). Em igual sentido: STJ, AgRg nos EAREsp 556.927/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 18/11/2015; STJ, AgRg nos EREsp 1.430.103/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 15/12/2015; ERESP 737.331/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 09/11/2015.
IV. O mero inconformismo com a decisão agravada não enseja a necessária imposição da multa, prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015, quando não configurada a manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso, por decisão unânime do colegiado.
V. Agravo Regimental improvido.
(AgInt nos EREsp 1.311.383/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 27/09/2016 ? destaque meu).
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO CONHECIDO APENAS NO CAPÍTULO IMPUGNADO DA DECISÃO AGRAVADA. ART. 1.021, § 1º, DO CPC/2015. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA APRECIADOS À LUZ DO CPC/73. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. PARADIGMAS QUE EXAMINARAM O MÉRITO DA DEMANDA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REQUERIMENTO DA PARTE AGRAVADA DE APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO.
1. Nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC/2015, merece ser conhecido o agravo interno tão somente em relação aos capítulos impugnados da decisão agravada.
2. Não fica caracterizada a divergência jurisprudencial entre acórdão que aplica regra técnica de conhecimento e outro que decide o mérito da controvérsia.
3. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não ocorreu na hipótese examinada.
4. Agravo interno parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.
(AgInt nos EREsp 1.120.356/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 29/08/2016 ? destaque meu).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. DENEGAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. IMPUGNAÇÃO POR VIA DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO MANIFESTO. HIPÓTESE INADEQUADA. RECORRIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. JURISPRUDÊNCIA SEDIMENTADA. AGRAVO INTERNO. CARÁTER DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. COMINAÇÃO DE MULTA.
1. A denegação do mandado de segurança mediante julgamento proferido originariamente por Tribunal de Justiça ou por Tribunal Regional Federal desafia recurso ordinário, na forma do art. 105, inciso II, alínea "b", da Constituição da República.
2. No entanto, quando impetrada a ação de mandado de segurança em primeiro grau de jurisdição e instada a competência do Tribunal local apenas por via de apelação, o acórdão respectivo desafia recurso especial, conforme o disposto no art. 105, inciso III, da Constituição da República.
3. Dessa forma, a interposição do recurso ordinário no lugar do recurso especial constitui erro grosseiro e descaracteriza a dúvida objetiva. Precedentes.
4. O agravo interno que se volta contra essa compreensão sedimentada na jurisprudência e que se esteia em pretensão deduzida contra texto expresso de lei enquadra-se como manifestamente improcedente, porque apresenta razões sem nenhuma chance de êxito.
5. A multa aludida no art. 1.021, §§ 4.º e 5.º, do CPC/2015, não se aplica em qualquer hipótese de inadmissibilidade ou de improcedência, mas apenas em situações que se revelam qualificadas como de manifesta inviabilidade de conhecimento do agravo interno ou de impossibilidade de acolhimento das razões recursais porque inexoravelmente infundadas.
6. Agravo interno não provido, com a condenação do agravante ao pagamento de multa de cinco por cento sobre o valor atualizado da causa, em razão do reconhecimento do caráter de manifesta improcedência, a interposição de qualquer outro recurso ficando condicionada ao depósito prévio do valor da multa.
(AgInt no RMS 51.042/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 03/04/2017 ? destaque meu).
No caso, apesar do improvimento do Agravo Interno, não se configura a manifesta inadmissibilidade, razão pela qual deixo de impor a apontada multa.
Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao recurso.