RECURSO ESPECIAL Nº 796.700 - MS (2005/0186727-2)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE : PÉRCIO ZAMLUTTI E OUTROS
ADVOGADO : ELTON LUÍS NASSER DE MELLO E OUTRO(S)
RECORRIDO : ALFREDO ZAMLUTTI JUNIOR E CÔNJUGE
ADVOGADOS : ARY RAGHIANT NETO E OUTRO(S)
ROBERTO BUSATO FILHO E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Trata-se de recurso especial interposto por PÉRCIO ZAMLUTTI e OUTROS, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão, proferido pelo colendo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, assim ementado:
"ANULAÇÃO DE PARTILHA AMIGÁVEL - INDISPONIBILIDADE DE BENS DE MENORES - NULIDADE ABSOLUTA NÃO VERIFICADA.
Na esteira da orientação jurisprudencial emanada do STJ não é nula a doação efetivada pelos pais a filhos, com exclusão de um, somente porque não contou com o consentimento de todos os descendentes, não se aplicando a doação à regra inserta no art. 1.132 do Código Civil/16. É que do art. 1.171 do CC/16 deve-se extrair o entendimento de que a doação dos pais a filhos é válida, independentemente da concordância de todos estes, devendo-se apenas considerar que ela importa em adiantamento da legítima. Assim, o herdeiro necessário que se julgar prejudicado, em tese, pode pretender a garantia da intangibilidade da sua quota quando for aberta a sucessão, postulando pela redução dessa liberalidade até complementar a legítima, se a doação for além da metade disponível. Com efeito, a alegada indisponibilidade de bens de menores pode ser suprida pelo consentimento dos próprios interessados, mediante subscrição do partilha amigável de bens, suprida a incapacidade para a prática de atos da vida civil que decorria da menoridade, notadamente, se assistidos por advogado.
ANULAÇÃO DE PARTILHA AMIGÁVEL - DOLO E ERRO - VÍCIOS NÃO-DETECTADOS - PRETENSÃO IMPROCEDENTE - INCIDÊNCIA DE PRESCRIÇÃO ÂNUA E NÃO A VINTENÁRIA.
Verificado que os herdeiros aquinhoados com doações por antecipação de legítima (cujos bens foram colacionados) concordaram e ratificaram as doações descritas nos autos do inventário e partilha, e, bem assim, os herdeiros que nada receberam à época, os quais, mediante partilha amigável também concordam expressamente com as referidas doações feitas pelos inventariados e, por isso, trocaram, entre si, ampla, geral e irrevogável quitação, quanto às citadas doações, para nada reclamarem no futuro, não é de ser anulada a transação noticiada, se não há elementos nos autos que indiquem a. prática do imputado dolo dos requeridos apelados ou do alegado erro dos requerentes apelantes, porque é próprio da natureza da partilha amigável (art. 1773 do CC/16) que as partes façam concessões mútuas, para prevenirem ou terminarem litígio (art. 1.025 do CC/1 6 e art. 840 CC/02), tal como ocorreu na espécie. Demais disso, preconiza o STJ que: A prescrição é de vinte anos, quando o herdeiro não citado no inventário, a este não foi chamado. (RESP 33858/SP - Ministro Waldemar Zveiter - Terceira Turma - DJ 05.02.1996 p. 1382), hipótese essa da qual não cuida a espécie. Incidente, pois, a prescrição ânua nos termos do art. 178, § 6º, V do CC/16 (Resp. 103368/RJ - Ministro Waldemar Zveiter - Terceira Turma - RSTJ vol. 102 p. 361 - RT vol. 745 p. 212 - RT vol. 747 p. 235 e RESP 280361/SP - Ministro Carlos Alberto Menezes Direito - Terceira Turma - DJ 13.08.2001 p. 152).
PRETENSA FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA PELO CRITÉRIO DO VALOR DA CONDENAÇÃO (§ 3º do art. 20 do CPC) PARA A HIPÓTESE DE PROVIMENTO DO APELO QUE COMBATEU A SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE PEDIDO CONDENATÓRIO DE INDENIZAÇÃO FUNDADA EM NULIDADE DE PARTILHA AMIGÁVEL QUE SERIA DEVIDA PELA IMPOSSIBILIDADE FÁTICA DE TORNAR TUDO AO ESTADO ANTERIOR (ART. 461 DO CPC) - SENTENÇA INVECTIVADA CONFIRMADA - FALTA DE INTERESSE JURÍDICO DO CAUSÍDICO POR INEXISTÊNCIA DE UTILIDADE PRÁTICA DO APELO RECLAMADO - RECURSO NÃO CONHECIDO.
Não se conhece, por falta de interesse jurídico decorrente da ausência de utilidade prática do apelo ofertado pelo advogado que patrocinou os interesses dos autores vencidos na demanda, se verificado que a sentença hostilizada por seus constituintes foi confirmada pelo tribunal e, por isso não ocorreu a aventada hipótese de provimento jurisdicional condenatório que justificasse a alteração do critério eleito para a fixação dos honorários de sucumbência que ocorreu com base na eqüidade (§ 4º do art. 20 do CPC) para o pretendido valor da condenação (§ 3º do art. 20 do CPC)." (fls. 360/361)
Em suas razões recursais (fls. 365/409), os ora recorrentes apontam, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 343, §§ 1º e 2º, e 486 do Código de Processo Civil, aos arts. 87, 145, III e IV, 146, 159, 177, 1.132, 1.572 e 1.780 do Código Civil de 1916. Alegam, em síntese, que:
(I) caberia a aplicação da pena de confesso à ré, pois, "no caso presente, a ré SONIA MARIA VIEIRA ZAMLUTTI, parte no processo, portanto, foi intimada para comparecer à audiência de instrução e julgamento com a advertência expressa do artigo 343 §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil, conforme mandado de fls. 144 e certidão de fls. 145 (...). Evidente, portanto, a violação do artigo 343 §§ lº e 2º do CPC, porquanto, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido (fls. 297), de que se trata de um litisconsórcio unitário não retira a aplicabilidade da pena de confesso, principalmente porque a redação do artigo 343 §§ lº e 2º, do CPC, é clara em estabelecer que a pena será aplicada à parte intimada que não comparecer à audiência, não fazendo qualquer exceção, inclusive em relação à litisconsórcio unitário";
(II) "as transferências efetivadas por Alfredo e Hilda Zamlutti se deram após o falecimento de René Zamlutti, quando este possuía quatro filhos, dos quais dois menores impúberes. Não houve o consentimento dos filhos maiores de Renê e muito menos alvará judicial suprindo o consentimento dos menores impúberes, atos absolutamente necessários por força no disposto no artigo 145, III e IV do Código Civil, para a formalização do negócio jurídico. TRATA-SE DE FORMALIDADE LEGAL QUE INQUINA DE NULO O NEGÓCIO JURÍDICO E NÃO DE ANULABILIDADE (...). Os documentos na petição inicial e o que consta do inventário retratam que após a morte de RENÊ ZAMLUTTI foram feitas as transferências e que estas NÃO ESTAVAM INCLUÍDAS NO ACORDO QUE RESULTOU NA PARTILHA AMIGÁVEL. Em conseqüência, em se tratando de transferências ocorridas após a morte de RENÊ ZAMLUTI,- não há que se cogitar de ratificação, por se tratar de ato nulo e não anulável, sem, inclusive, a participação do Ministério Público. É que o ATO NULO não gera convalidação com o tempo e nem pode ser objeto de ratificação";
(III) "entende a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça que o disposto no artigo 1.132 do Código Civil, tem por finalidade evitar sejam desigualadas as legítimas, conquanto diga respeito à compra e venda, aplicando-se, por isso, a situações jurídicas assemelhadas a este contrato, tal como a transferência de quotas e ações de uma empresa, doações, vendas simuladas por interposta pessoa, etc. Por esta razão, totalmente inconsistente o entendimento do acórdão de que houve ratificação, o ato é anulável, por se tratar, na verdade, de ATO NULO".
(IV) "ao contrário do que sustenta o voto condutor, e com respeito aos entendimentos contrários, a jurisprudência pátria conflita com os julgados trazidos no voto condutor, já que também no próprio Superior Tribunal de Justiça existem decisões no sentido de que a ação para anular venda de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais prescreve em 20 anos (Súmula 494 do STF), contando-se o prazo evidentemente após os menores atingirem a maioridade";
(V) "o dolo manifesto dos recorridos, consubstanciado na forma genérica de disposição dos bens constantes da herança de Alfredo e Hilda, em especial as ações, bonificações e dividendos referenciados, sem a explicitação sequer do valor dos bens, que não foram avaliados no Inventário, induziu em erro os recorrentes na manifestação da vontade em ponto essencial que por certo vicia o acordo firmado e por conseqüência impõe a sua anulação e da respectiva sentença homologatória e isso não foi observado pela sentença";
(VI) "o que se pretende (anular e declarar nulo não é só a sentença homologatória propriamente, mas sim o acordo firmado na petição de fls. 876 a 884, pela existência de erro e dolo, o que não foi observado pelo acórdão, decorrendo daí a ofensa ao artigo 486 do Código Civil (...). Portanto, mesmo que se questionasse o cabimento do pedido de anulação da partilha, ainda assim caberia a reparação dos danos pela desigualdade existente, conforme o precedente do STJ retro transcrito, como também cabe o pedido de reconhecimento de sonegação, com os efeitos daí decorrentes (artigos 1780 a 1784 do Código Civil), sendo, por isso, incorreta a conclusão do acórdão que entendeu incabível o reconhecimento de sonegação (...). A hipótese tanto se enquadra no pedido anulatório pela existência de erro e dolo, quanto no de indenização por perdas e danos, pelo prejuízo resultante do partilhamento desigual, daí o pedido alternativo de perdas e danos, mesmo porque hoje é impossível aos recorridos devolver as ações ordinárias nominativas e preferenciais do Banco Bamerindus, em face da venda ao Banco HSBC e da liquidação extrajudicial determinada pelo Banco Central. Por isso, devem ser avaliadas as ações transferidas a Alfredo Zamlutti Júnior após a morte de René Zamlutti (cf. item 1.17), com seus dividendos e bonificações, além das preferenciais, cujo montante deverá ser apurado no curso da ação, atribuindo-se aos recorrentes 50% do total que tocaria a René Zamlutti, e que por força de sucessão por estirpe, devem ser partilhados em ¼ para cada um dos recorrentes".
Requerem, ao final, o provimento do recurso especial para: "I - declarar a nulidade da transferência de 12.502.849 ações ordinárias nominativas feitas em 08/12/81 e 14/01/82, por Alfredo Zamlutti e Hilda Zamlutti a Alfredo Zamlutti Júnior, diante da falta de anuência dos demais herdeiros e da existência de menores na época do ato translativo da propriedade, que foi feita após a morte de Renê Zamlutti; II - anular o termo de transação e acordo constante de fls. 876 a 882 dos autos de Inventário n. 4 17/89, e a respectiva sentença homologatória proferida em 23 de abril de 1999, pelo Juiz Djailson de Souza, conforme fls. 888 dos mesmos autos, determinando-se a continuidade do Inventário 417/89, com a avaliação de todos os bens do espólio de Alfredo e Hilda Zamlutti, incluindo-se as 12.502.849 ações ordinárias nominativas referidas no item I supra do pedido, além dos dividendos e bonificações e ações preferenciais do Banco Financial de Mato Grosso, depois permutadas com ações do Banco Bamerindus do Brasil S/A, efetuando-se a partilha judicial em igualdade de condições entre os herdeiros, nos termos da legislação civil ou, alternativamente, com o reconhecimento de sonegação das ações ordinárias com seus dividendos e bonificações e ações preferenciais, aplicando-se aos réus as penas do artigo 1780 do Código Civil; III - diante da impossibilidade de transferência das ações ordinárias nominativas e preferenciais com seus dividendos e bonificações, como pedido alternativo, que seja reformado o acórdão e a sentença para condenar os recorridos a compor perdas e danos com a avaliação e estimativa em dinheiro do valor de 12.502.849 ações ordinárias nominativas referidas no item I supra do pedido, além dos dividendos e bonificações e ações preferenciais do Banco Financial de Mato Grosso, depois permutadas com ações do Banco Bamerindus do Brasil S/A, atribuindo-se aos autores metade do valor encontrado, além dos lucros cessantes e danos emergentes que forem apurados na liquidação da sentença; IV - em função do conhecimento e provimento do recurso especial, que seja então, reformado o acórdão para condenar os recorridos a pagar custas e despesas processuais, e honorários advocatícios sobre o valor total da condenação" (fls. 407/409).
Às fls. 451/466, ALFREDO ZAMLUTTI JUNIOR e sua esposa apresentaram contrarrazões.
Admitido o recurso na origem, subiram os autos.
Instado a se manifestar, o d. órgão do Ministério Público Federal, no parecer de fls. 483/488, opinou pelo desprovimento do recurso especial.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 796.700 - MS (2005/0186727-2)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE : PÉRCIO ZAMLUTTI E OUTROS
ADVOGADO : ELTON LUÍS NASSER DE MELLO E OUTRO(S)
RECORRIDO : ALFREDO ZAMLUTTI JUNIOR E CÔNJUGE
ADVOGADOS : ARY RAGHIANT NETO E OUTRO(S)
ROBERTO BUSATO FILHO E OUTRO(S)
VOTO
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Tramitou na 1ª Vara Cível de Corumbá/MS processo de inventário, sob nº 417/89, dos bens deixados pelo casal ALFREDO ZAMLUTTI e HILDA TOGNETTI ZAMLUTTI, tendo sido o feito encerrado com a partilha amigável feita através do acordo de fls. 86/93, assinado em 12 de março de 1999 e homologado por sentença em 23 de abril de 1999, transitando em julgado na mesma data (fls. 94/95).
Em 12 de agosto de 2002, os netos dos falecidos, PÉRCIO ZAMLUTTI, JOYCE ZAMLUTTI, FLÁVIA ZAMLUTTI e RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR, todos filhos de RENÉ ZAMLUTTI, filho falecido dos inventariados, ajuizaram ação intitulada "declaratória de nulidade de atos jurídicos cumulada com anulatória de partilha e de sentença homologatória judicial com pedido alternativo de perdas e danos, reconhecimento de sonegação de bens, lucros cessantes e danos emergentes" contra os tios ALFREDO ZAMLUTTI JÚNIOR e sua esposa SÔNIA MARIA VIEIRA ZAMLUTTI.
Alegaram os autores, conforme relatado na r. sentença de fls. 255/264:
"1.Os autores são filhos de René Zamlutti irmão do primeiro réu, ambos herdeiros dos falecidos Alfredo Zamlutti e sua esposa Hilda, cujos bens foram inventariados perante este Juízo e partilhados mediante acordo dos interessados devidamente homologado. Aduzem, que o acordo realizado padece de nulidade, pois os autores, herdeiros por representação do pai René Zamlutti, foram induzidos a erro, por dolo dos réus.
2. Afirmam que os inventariados possuíam milhares de ações do Banco Financial de Mato Grosso e realizaram várias doações aos filhos e netos, sendo que a composição acionária da família Zamlutti em 19.06.1981 representava 38.18% do capital social votante, sendo 20.144.188 do Sr. Alfredo Zamlutti ; 9.411.909 da Sra. Hilda Tognetti Zamlutti; 1.731.241 do réu e ainda aquelas transferidas ao outro filho do casal, netos e noras.
3. Além das doações mencionadas, os inventariados, após a morte de René Zamlutti ocorrida em 05.06.1981, realizaram outras em favor do réu, em 08.12.1981 e 14.01.1982 de ações ordinárias nominativas, no total de 12.502.849, sem aquinhoar os filhos de René Zamlutti e sem obter o consentimento destes ou, suprimento judicial quanto aos ainda menores à época René Zamlutti Júnior e Flávia Zamlutti.
4. Posteriormente, o Banco Financial foi incorporado ao Banco Bamerindus e 'por um passe de mágica'', na data da incorporação, em abril de 1982, o réu passou a possuir 11.095.061 ações ordinárias.
5. Sem, conhecimento da doação ilegal feita pelo avó ao tio, os autores realizaram partilha amigável, homologada em 23.04.1999, na qual ofereciam quitação geral referente a doações feitas anteriormente pelos falecidos aos seus herdeiros, em cláusula genérica, acreditando que esta referiam-se as doações de antes da morte de René Zamlutti."
Com base nessas alegações, formularam os autores, na exordial, os seguintes pedidos, reiterando-os na petição de recurso especial:
"b) o julgamento de procedência das ações para o fim de:
I - declarar a nulidade da transferência de 12.502.849 ações ordinárias nominativas feitas em 08/12/81 e 14/01/82, por Alfredo Zamlutti e Hilda Zamlutti a Alfredo Zamlutti Júnior, diante da falta de anuência dos demais herdeiros e da existência de menores na época do ato translativo da propriedade, que foi feita após a morte de René Zamlutti;
II - anular o termo de transação e acordo constante de fls. 876 a 882 dos autos de Inventário n. 417/89, e a respectiva sentença homologatória proferida em 23 de abril de 1999, pelo Juiz Djailson de Souza, conforme fls. 888 dos mesmos autos, determinando-se a continuidade do Inventário 417/89, com a avaliação de todos os bens do espólio de Alfredo e Hilda Zamlutti, incluindo-se as 12.502.849 ações ordinárias nominativas referidas no item I supra do pedido, além dos dividendos e bonificações e ações preferenciais do Banco Financial de Mato Grosso, depois permutadas com ações do Banco Bamerindus do Brasil S/A, efetuando-se a partilha judicial em igualdade de condições entre os herdeiros, nos termos da legislação civil, ou, alternativamente, com o reconhecimento de sonegação das ações ordinárias com seus dividendos e bonificações e ações preferenciais, aplicando-se aos réus as penas do artigo 1.780 do Código Civil.
III - diante da impossibilidade de transferência das ações ordinárias nominativas e preferenciais com seus dividendos e bonificações, face ao exposto no item 3.13, como pedido alternativo, que sejam condenados os réus a compor perdas e danos com a avaliação e estimativa em dinheiro do valor de 12.502.849 ações ordinárias nominativas referidas no item 1 supra do pedido, além dos dividendos e bonificações e ações preferenciais do Banco Financial de Mato Grosso, depois permutadas com ações do Banco Bamerindus do Brasil S/A, atribuindo-se aos autores metade do valor encontrado, além dos lucros cessantes e danos emergentes que forem apurados no curso da ação.
IV - condenar os réus a pagar custas e despesas processuais, e honorários advocatícios sobre o valor total da condenação." (fls. 19/20)
Feito o resumo do caso, cumpre examinar a alegada ofensa ao art. 343, §§ lº e 2º, do CPC.
Conforme delineado pelas instâncias ordinárias, trata-se de litisconsórcio unitário (CPC, art. 10, § 1º, II) entre os réus ALFREDO ZAMLUTTI JÚNIOR e SÔNIA MARIA VIEIRA ZAMLUTTI, marido e mulher, beneficiados com a transferência de ações feita pelo casal inventariado em detrimento dos também herdeiros promoventes.
Tratando-se de litisconsórcio necessário unitário (CPC, art. 47), descabida seria a aplicação da pena de confissão à recorrida SONIA MARIA VIEIRA ZAMLUTTI, esposa de ALFREDO ZAMLUTTI JUNIOR, pelo fato de, embora intimada, não ter comparecido à audiência de instrução e julgamento, pois o cônjuge varão promovido compareceu ao ato.
Dispõem os arts. 47 e 48 do CPC:
Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.
Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros.
Portanto, nessa espécie de litisconsórcio há necessidade de decisão uniforme para todos os litisconsortes (CPC, art. 47, caput), não podendo o ato ou omissão de um prejudicar os demais (CPC, art. 48).
Acerca do litisconsórcio unitário, leciona FREDIE DIDIER JUNIOR que este se verifica ?quando o provimento jurisdicional de mérito tem que regular de modo uniforme a situação jurídica dos litisconsortes, não se admitindo, para eles, julgamentos diversos. O julgamento terá de ser o mesmo para todos os litisconsortes. O litisconsórcio unitário é a unidade da pluralidade: vários são considerados um; o litisconsórcio unitário não é o que parece ser, pois várias pessoas são tratadas no processo como se fossem apenas uma. Para que assim se caracterize o litisconsórcio, dependerá ele da natureza da relação jurídica controvertida no processo: haverá unitariedade quando o mérito do processo envolver uma relação jurídica indivisível. É imprescindível perceber que são dois os pressupostos para a caracterização da unitariedade, que devem ser investigados nesta ordem: a) os litisconsortes discutem uma única relação jurídica; b) essa relação jurídica é indivisível" (Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, JusPODIVM. Bahia, 2010, p. 320).
Quanto ao regime de tratamento dos litisconsortes, acrescenta o insigne doutrinador:
"Se o litisconsórcio é unitário, o tratamento dos litisconsortes deve ser uniforme, pois a decisão haverá de ser a mesma para todos; se o litisconsorte é simples, os litisconsortes são tratados como partes distintas, sendo que os atos de um não beneficiam nem prejudicam o outro (aplica-se, à perfeição, a regra do art. 48 do CPC).
Antes de sintetizar as três regras anunciadas, é necessário que se estabeleça a distinção entre condutas determinantes e condutas alternativas.
Considera-se determinante a conduta da parte que a leva, inexoravelmente, a uma situação desfavorável, como p. ex., a confissão, a revelia, o reconhecimento da procedência do pedido, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a demanda etc. A conduta alternativa é aquela que pela qual a parte busca uma melhora da sua situação processual - é alternativa porque esse resultado almejado não ocorrerá necessariamente, mas é o que se busca. São exemplos: recorrer, contestar, fazer prova etc.
Feita a diferenciação. ei-las as regras.
1) A conduta determinante de um litisconsorte não pode prejudicar o outro, qualquer que seja o regime de litisconsórcio - veja que no unitário essa conduta será totalmente ineficaz, enquanto no simples somente poderá prejudicar o litisconsorte que a perpetrou;
2) No litisconsórcio simples, a conduta alternativa de um não aproveita aos demais;
.............................................................................................................
3) No Litisconsórcio unitário, em razão da necessidade de tratamento uniforme, a conduta alternativa de um litisconsorte estende seus efeitos aos demais." (Ob. cit., pp. 325/327, grifou-se)
Nesse sentido:
"PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. CESSÃO DE CRÉDITOS. DECISÃO DEFERITÓRIA DE PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL, QUE ALCANÇA OS CRÉDITOS CEDIDOS. TERCEIRO PREJUDICADO. LEGITIMIDADE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO PELA ALÍNEA 'C': DECISÃO PROFERIDA POR MAIORIA DE JUÍZES FEDERAIS CONVOCADOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.
AUSÊNCIA DE SIMILITUDE ENTRE OS JULGADOS CONFRONTADOS. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC, NÃO CONFIGURADA.
(...)
5. O princípio da interdependência entre litisconsortes, ainda que unitário, não autoriza que os atos prejudiciais de um dos consortes prejudique os demais.
(...)
7. A doutrina do tema assenta: 'A formação do litisconsórcio no processo não retira a individualidade de cada uma das ações relativas dos litisconsortes. Assim, se Caio e Tício litisconsorciam-se para litigar em juízo acerca de um prejuízo que lhes foi causado por Sérvio, este consórcio no processo, em princípio, não implica em que um só promova o andamento do feito e produza provas "comuns". Ao revés, cada um deve atuar em seu próprio benefício porque são considerados em face do réu como 'litigantes distintos' (art. 49 do CPC). Entretanto, há situações de direito material que implicam na 'indivisibilidade do objeto litigioso' de tal sorte que o juiz, ao decidir a causa deve dar o mesmo destino a todos os litisconsortes. A decisão, sob o prisma lógico-jurídico, não pode ser cindida; por isso, a procedência ou improcedência do pedido deve atingir a todos os litisconsortes. Assim, v.g., no exemplo acima, não poderia o juiz anular o ato jurídico para um autor e não fazê-lo para o outro. A decisão tem que ser materialmente igual para ambos. Encarta-se aqui a questão da homogeneidade da decisão que caracteriza o litisconsórcio unitário. (...) Em geral, a unidade de processo, conforme assentamos alhures, não retira a individualidade de cada uma das causas; por isso, a lei considera os litisconsortes em face do adversário como litigantes distintos. Entretanto, há casos em que a res in iudicium deducta é indivisível de uma tal forma que a decisão tem que ser homogênea para todas as partes litisconsorciadas.
A homogeneidade da decisão implica a classificação do litisconsórcio unitário, cujo regime jurídico apresenta algumas nuances, exatamente por força dessa necessidade de decisão uniforme para os litisconsortes (art. 47, caput, do CPC). Observe-se que, não obstante são conceitos distintos os de 'unitariedade e de indispensabilidade', o litisconsórcio necessário e o unitário vêm previstos no mesmo dispositivo pela sólida razão de que, na grande maioria dos casos, o litisconsórcio compulsório reclama decisão homogênea.
Diz-se 'simples' o litisconsórcio em que a decisão pode ser diferente para os litisconsortes. Ao revés, no litisconsórcio unitário, os litisconsortes não são considerados como partes distintas em face do adversus porque a necessidade de dar decisão igual faz com que se estendam a todos os atos benéficos praticados por um dos litisconsortes e se tornem inaplicáveis os atos de disponibilidade processual bem como os atos que acarretam prejuízo à comunhão. Assim, a revelia de um dos litisconsortes na modalidade 'unitário' não acarreta a incidência da presunção de veracidade para os demais se impugnado o pedido por um dos litisconsortes, outrossim, o recurso interposto por um a todos aproveita (artigos 320, I, e 509, do CPC).
Esse regime recebe a denominação de interdependência entre os litisconsortes em confronto com o regime da autonomia pura do art. 49 do Código de Processo Civil, aplicável ao litisconsórcio 'simples' ou 'não unitário'.' (Luiz Fux, in Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, 3ª ed., p. 264/266) 'Mesmo litigando conjuntamente, cada um dos litisconsortes é considerado, em relação à parte contrária, como litigante distinto, de modo que as ações de um não prejudicarão nem beneficiarão as ações dos demais. Cada litisconsorte, para obter os resultados processuais que pretende, deve exercer suas atividades autonomamente, independentemente da atividade de seu companheiro de litígio. Em contrapartida, os interesses eventualmente opostos ou conflitantes do outro litisconsorte não contaminarão a sua atividade processual. Isto ocorre no plano jurídico; no plano fático, o prejuízo ou o benefício pode ocorrer. Por exemplo: se um litisconsorte confessa, tal confissão não se estende aos outros litisconsortes, os quais continuarão litigando sem que o juiz possa considerá-los também em situação de confissão. Todavia, por ocasião da sentença, e em virtude do princípio do livre convencimento do juiz, poderá ele levar em consideração, na análise da matéria, a confissão do litisconsorte como elemento de prova, podendo advir daí um prejuízo de fato.
O que o Código quer expressar, porém, no artigo apontado, é que não existe benefício ou prejuízo jurídico na atuação de um litisconsorte, significando que a atividade de um não produz efeitos jurídicos na posição do outro. Há hipóteses, porém, em que é inevitável a interferência de interesses. Isto ocorre quando os interesses no plano material forem inseparáveis ou indivisíveis (...).' (Vicente Greco Filho, in Direito Processual Civil Brasileiro, 1º vol., Ed. Saraiva, 17ª ed., p. 125)
(...)
11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para admitir o recurso do terceiro prejudicado, retornando os autos para ser julgado pela instância a quo. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008."
(REsp 1.091.710/PR, Corte Especial, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 25/3/2011)
Consoante afirmado na r. sentença, "a conduta da ré, ausentando-se da audiência em que deveria prestar depoimento pessoal, não é útil aos autores, por não produzir isoladamente os efeitos de presunção de veracidade das alegações da exordial" (fl. 259). De fato, os promoventes da ação questionam a validade de doação de ações feita pelos avós em favor do tio, figurando na lide a esposa do donatário por força do matrimônio, existindo, assim, uma única relação jurídica em debate - a validade do ato de liberalidade -, sendo esta indivisível, pois nem sequer tocaria nenhum benefício à promovida, caso não estivesse ligada por matrimônio ao donatário.
No mérito, os ora recorrentes (PÉRCIO, JOYCE, FLÁVIA e RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR) aduzem os seguintes vícios:
(I) nulidade do termo de transação e da respectiva sentença homologatória de partilha amigável. Afirmam que, por dolo de ALFREDO ZAMLUTTI JÚNIOR e sua esposa, os ora recorrentes foram induzidos a erro no momento da celebração do acordo que levou à partilha amigável, homologada por sentença, na medida em que aqueles ocultaram no termo de transação as doações de ações ordinárias nominativas feitas apenas em seu favor pelos inventariados ALFREDO ZAMLUTTI e HILDA ZAMLUTTI, após a morte do pai dos recorrentes, RENÉ ZAMLUTTI, sem aquinhoá-los, na condição de netos e herdeiros. Salientam, ainda, a condição de incapaz de RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR, por ocasião da transação e da homologação da partilha;
(II) sonegação das ações ordinárias com seus dividendos e bonificações e ações preferenciais, aplicando-se aos réus, ora recorridos, as penas do art. 1.780 do Código Civil de 1916;
(III) nulidade da transferência de 12.502.849 ações ordinárias nominativas feitas em 8/12/1981 e 14/1/1982, por ALFREDO ZAMLUTTI e HILDA ZAMLUTTI a ALFREDO ZAMLUTTI JÚNIOR. Alegam, nesse ponto, que o vício decorre da ausência de consentimento dos netos e herdeiros maiores (PÉRCIO e JOYCE ZAMLUTTI) e a inexistência de suprimento judicial quanto aos ainda menores (FLÁVIA ZAMLUTTI e RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR), na época do ato translativo da propriedade que se realizou após a morte de seu pai RENÉ ZAMLUTTI.
Segue o exame de cada um dos três pontos acima.
- I -
No primeiro tópico, as alegações dos ora recorrentes remetem ao exame das hipóteses de nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos, conforme previsto nos arts. 145 e 147 do Código Civil de 1916, in verbis:
"Art. 145. É nulo o ato jurídico:
I - quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5º);
II - quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto;
III- quando não revestir a forma prescrita em lei (arts. 82 e 130);
IV - quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
V- quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito."
"Art. 147. É anulável o ato jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente (art. 6º);
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude (arts. 86 a 113)."
De um lado é arguida a existência de vícios de consentimento (dolo e erro), na transação realizada entre os herdeiros que deu origem à partilha amigável, homologada por sentença. De outro lado é trazida a incapacidade relativa de RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR, na ocasião da celebração do referido acordo e da partilha. As duas hipóteses são de anulabilidade do ato jurídico.
Para que nulidade houvesse seria imperativo que tivesse sido alegado algum dos vícios do art. 145 do Código Civil de 1916.
A decretação de anulabilidade da partilha amigável e do acordo entre herdeiros que a ela deu origem, portanto, seja em razão de dolo dos recorridos ou erro dos recorrentes, seja em razão da incapacidade relativa de um dos autores da ação na época em que celebrado o acordo que deu origem à sentença homologatória de partilha amigável, esbarra no prazo prescricional de um ano de que trata o art. 178, § 6º, V, do Código Civil de 1916.
Com efeito, o Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos e do ajuizamento da ação, estabelecia, em seu art. 178, § 6º, V, o lapso prescricional ânuo para as ações de "nulidade da partilha; contado o prazo da data em que a sentença da partilha passou em julgado", sendo certo que "a partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os atos jurídicos" (CC/1916, art. 1.805).
Outrossim, o Código de Processo Civil dispõe:
"Art. 1.029. A partilha amigável, lavrada em instrumento público, reduzida a termo nos autos do inventário ou constante de escrito particular homologado pelo juiz, pode ser anulada, por dolo, coação, erro essencial ou intervenção de incapaz.
Parágrafo único. O direito de propor ação anulatória de partilha amigável prescreve em 1 (um) ano, contado este prazo:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessou;
II - no de erro ou dolo, do dia em que se realizou o ato;
III - quanto ao incapaz, do dia em que cessar a incapacidade."
Os autores PÉRCIO (nascido em 12 de junho de 1958), JOYCE (nascida em 15 de agosto de 1960) e FLÁVIA (nascida em 14 de outubro de 1975), à época da celebração do acordo, em 12 de março de 1999 (fls. 86/93) e da sentença homologatória de partilha amigável, em 23 de abril de 1999, já possuíam capacidade para exercer todos os atos da vida civil, contando cada qual com mais de 21 anos (CC/1916, art. 9º). Então, em relação a eles, houve implemento do prazo prescricional ânuo, quer seja contado da data da transação (CPC, art. 1.029, II), na qual supostamente ocorreu o dolo e o erro, quer seja contado da data em que a sentença de homologação da partilha amigável transitou em julgado, em 23 de abril de 1999 (CC/1916, art. 178, § 6º, V). Isso, porque, num caso ou noutro, transcorreu mais de um ano até a data do ajuizamento da ação, em 12 de agosto de 2002.
Por sua vez, o autor RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR, nascido em 27 de agosto de 1978, era relativamente incapaz (CC/1916, art. 6º, I) no momento em que realizada a transação entre os herdeiros, em 12 de março de 1999, bem como homologada a partilha, em 23 de abril de 1999 (mesma data do respectivo trânsito em julgado). Esse autor contava naquelas datas, mais ou menos, com 20 anos e sete meses. Nesse contexto, embora a ele também seja aplicada a mesma prescrição ânua prevista nos arts. 178, § 6º, V, do Código Civil de 1916 e art. 1.029 do Código de Processo Civil, o marco inicial de contagem do referido prazo é a data em que cessou sua incapacidade, ou seja, 27 de agosto de 1999 (quase cinco meses após a da realização do acordo e sua homologação judicial).
Considerando que o prazo ânuo começou a correr a partir de 27 de agosto de 1999, quando RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR completou sua maioridade civil (CC/1916, art. 9º), tem-se que, na data do ajuizamento da ação, em 12 de agosto de 2002, já se havia implementado a prescrição.
Convém mencionar que não é caso de aplicação do prazo prescricional vintenário previsto no art. 177 do Código Civil, porquanto a jurisprudência desta Corte de Justiça orienta-se no sentido de que, em se tratando de partilha amigável, a prescrição é de um ano, se dela participou o herdeiro que busca sua anulação - conforme ocorre na hipótese dos autos -, somente sendo vintenária quando dela não tenha participado esse herdeiro.
A propósito:
"AÇÃO DE NULIDADE DE INVENTÁRIO c/c SONEGADOS. PARTILHA AMIGÁVEL COM TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE RELATIVA. VÍCIO DE ATO JURÍDICO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. SONEGADOS. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 377/STF. SÚMULA 07/STJ.
- Não há nulidade absoluta, se a hipótese em exame, não integra a relação contida no Art. 145 do Código Beviláqua.
- A ação para anular homologação de partilha amigável prescreve em um ano a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória.
- O disposto no Art. 183, XIII, Código Beviláqua, que trata de impedimento matrimonial impediente ou proibitivo, não invalida o casamento, apenas gera restrições a seus infratores.
- Prazo prescricional de 20 anos só se aplica ao herdeiro que não participou da partilha. Precedentes."
(REsp 279.177/SP, Terceira Turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 14/8/2006, grifou-se)
"Ação declaratória de nulidade de atos jurídicos cumulada com pedido de perdas e danos. Prescrição.
1. Alcançando o pedido a anulação de atos jurídicos, assim contrato de cessão de cotas de sociedade e petição de partilha com quitação geral, assinados no curso de inventário, já encerrado com partilha amigável, a prescrição não é vintenária.
2. O pedido de indenização prescreve em vinte anos, mas, no caso, não tem como avançar porque decorrente de atos jurídicos que estão hígidos, sepultados pela prescrição.
3. Sem a mesma base fática não prospera o dissídio.
4. Recurso especial não conhecido."
(REsp 280.361/SP, Terceira Turma, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 13/8/2001, grifou-se)
"CIVIL E PROCESSUAL. INVENTÁRIO. PARTILHA AMIGÁVEL. VÍCIO DE VONTADE. ERRO. AÇÃO ANULATÓRIA. PRESCRIÇÃO ÂNUA. TERMO INICIAL. HOMOLOGAÇÃO POR SENTENÇA. CPC, ART. 1.029. EXEGESE.
I. Ainda que decorrente de acordo, como ele somente produz efeitos jurídicos quando da sua homologação pelo juízo, é dessa data que deve ser contado o prazo prescricional de um ano, previsto no art. 1.029, II, do CPC.
II. Precedentes do STJ.
III. Recurso especial conhecido e improvido."
(REsp 168.399/RS, Quarta Turma, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de 13/8/2001)
"DIREITO CIVIL - SUCESSÕES - PARTILHA AMIGÁVEL HOMOLOGADA - INVENTÁRIO - AÇÃO DE ANULAÇÃO - PRESCRIÇÃO ÂNUA.
I - PARTILHA AMIGÁVEL LAVRADA EM INSTRUMENTO PÚBLICO, REDUZIDA A TERMO NOS AUTOS DE INVENTÁRIO, HOMOLOGADA POR JUIZ; O DIREITO DE PROPOR AÇÃO PARA ANULÁ-LA PRESCREVE EM UM ANO, CONTADO DA DATA EM QUE A SENTENÇA TRANSITOU EM JULGADO (ART. 178, PARAGRAFO 6., V, DO CÓDIGO CIVIL). PRECEDENTE DO STJ.
II - RECURSO NÃO CONHECIDO."
(REsp 103.368/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, DJ de 12/8/1997)
"PARTILHA. ANULAÇÃO. PRESCRIÇÃO. HERDEIRO NÃO CONTEMPLADO. É DE VINTE ANOS O PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA QUE DEMANDE A NULIDADE DA PARTILHA O HERDEIRO QUE DELA NÃO PARTICIPOU. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. TEM-SE COMO ATENDIDO ESSE REQUISITO SE A QUESTÃO JURÍDICA FOI ENFRENTADA PELO ACÓRDÃO, AINDA QUE NÃO EXAMINADOS EXPLICITAMENTE OS DISPOSITIVOS LEGAIS INVOCADOS NO RECURSO."
(REsp 68.644/BA, Terceira Turma, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, DJ de 22/4/1997, grifou-se)
Portanto, relativamente àquelas causas de anulabilidade do ato jurídico, entende-se operada a prescrição.
- II -
No que tange à alegada sonegação no inventário das ações ordinárias com seus dividendos e bonificações e ações preferenciais, é importante salientar que a sonegação de bens no inventário pode-se dar "pela omissão do herdeiro no cumprimento do dever de relacionar no inventário bens do espólio que estejam em seu poder ou em poder de terceiros com conhecimento dele; pelo descumprimento da obrigação de conferir bens à colação (cf. arts. 2.002 e segs.); e pela não restituição dos bens em seu poder. Aplicada a pena de sonegados, o sonegador é considerado inexistente em relação aos bens sonegados. A parte que lhe tocaria será partilhada entre os demais herdeiros. Se a partilha já se efetuou, os bens sonegados são objeto de sobrepartilha (art. 1.40 do CPC)" (Comentários ao art. 1.992 do Código Civil de 2002 que reproduziu, de forma geral, o art. 1.780 do Código Civil de 1916: In Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. Coord. Ministro Cezar Peluso, Barueri/SP: Manole, 2007).
O Código Civil de 1916, vigente à época, estabelecia:
"Art. 1.780. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário, quando estejam em seu poder, ou com ciência sua, no de outrem, o que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito, que sobre eles lhe cabia.
Art. 1.781. Além da pena cominada no artigo antecedente, se o sonegador for o próprio inventariante, remover-se-á, em se provando a sonegação, ou negando ele a existência dos bens, quando indicados.
Art. 1.782. A pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação ordinária, movida pelos herdeiros, ou pelos credores da herança.
Parágrafo único. A sentença que se proferir na ação de sonegados, movida por qualquer dos herdeiros, ou credores, aproveita aos demais interessados.
Art. 1.783. Se não se restituírem os bens sonegados, por já os não ter o sonegador em seu poder, pagará ele a importância dos valores, que ocultou, mais as perdas e danos.
Art. 1.784. Só se pode arguir de sonegação o inventariante depois de encerrada a descrição dos bens, com a declaração, por ele feita, de não existirem outros por inventariar e partir, e o herdeiro, depois de declarar no inventário que os não possui."
Na hipótese dos autos, as instâncias ordinárias concluíram que não se configurou a alegada sonegação no inventário das ações ordinárias, com os respectivos dividendos e bonificações, além das ações preferenciais. Isso, porque foram noticiadas nos autos de inventário as transferências das ações pelos inventariados em favor dos ora recorridos, inclusive por meio de ofício do Banco Bamerindus dirigido ao Juízo e juntado àqueles autos. Afirmaram, ainda, que os herdeiros foram devidamente cientificados desses documentos, não tendo apresentado oposição. Ao contrário, firmaram o acordo que deu causa à partilha amigável, homologada por sentença.
O d. Juízo sentenciante, examinando o contexto fático-probatório dos autos, salientou:
"Referentemente ao pedido alternativo de ação de sonegados, também não é possível atender.
A pretensão tem previsão legal no artigo 1780 do Código Civil de 1916 (art. 1992 CC/02) e fundamento no dever do herdeiro, legatário ou cessionário de noticiar no inventário a existência de bens deixados pelo autor da herança e eventualmente desconhecidos dos demais herdeiros, abstendo-se de ocultar bens do espólio para subtrai-los da partilha.
Não vislumbro a violação de tal dever pelo réu, inventariante nos autos de inventário de seus genitores.
A existência das ações e sua transferência ao réu foram noticiadas nos autos do inventário pelos autores René Zamlutti Junior e Flávia Zamlutti (f. 347 do processo nº 417/89), confirmada pelo Banco Bamerindus, através de ofício dirigido ao Juízo e juntado aos autos de inventário, dando-se conhecimento a todos os herdeiros (f. 48). Não houve negativa do fato por parte do réu.
Diante disso, não se constata ocultação das ações e da sua transferência.
Assim, considerando que o instituto dos sonegados tem por escopo garantir a exatidão do inventário e igualdade da partilha; que na hipótese a sonegação decorreria da omissão pelo inventariante do recebimento de 12.502.849 ações do genitor após a morte do irmão; que embora o réu não tenha noticiado a existência das ações e sua transferência, este fato foi aventado pelos outros herdeiros, confirmado por ofício, não negado pelo réu e constou nos autos de inventário com ciência de todos os interessados; que na partilha amigável os herdeiros anuíram às doações realizadas e descritas no inventário, conclui-se forçosamente que não houve sonegação de bens ou ofensa a igualdade da partilha, feita conforme a vontade dos interessados, todos devidamente assistidos por profissional habilitado." (fls. 263/264)
Por seu turno, o colendo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul confirmou esse entendimento.
Nesse contexto, não é viável, na via estreita do presente recurso especial, rever essas premissas fáticas e probatórias examinadas, soberanamente, pela instância a quo, para o fim de reconhecer a sonegação das referidas ações, tendo em vista o óbice da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: REsp 103.358/SP, Quarta Turma, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 16/11/1998.
- III -
Quanto às transferências das 12.502.849 ações ordinárias nominativas feitas, em 8.dez.1981 e 14.jan.1982, pelos inventariados, em vida, a seu filho ALFREDO ZAMLUTTI JÚNIOR, que se deram após o falecimento do pai dos ora recorrentes, também filho dos inventariados - RENÉ ZAMLUTTI -, ocorrido em 5 de junho de 1981, alega-se, no recurso especial, que o ato seria nulo, e não anulável, em virtude da falta de anuência dos netos e herdeiros maiores (PÉRCIO e JOYCE ZAMLUTTI) e da inexistência de suprimento judicial de consentimento quanto aos netos e herdeiros menores (FLÁVIA ZAMLUTTI e RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR). Para tanto, invocam os recorrentes violação ao art. 1.132 do Código Civil de 1916.
Assim, para o deslinde da controvérsia ora submetida a exame, impõe-se definir se a não observância do art. 1.132 do Código Civil de 1916, segundo o qual "os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam", torna o negócio jurídico da venda nulo ou anulável.
Sobre o tema, a egrégia Segunda Seção desta Corte, no julgamento dos EREsp 668.858/PR, Relator o eminente Ministro FERNANDO GONÇALVES (DJ de 19.12.2008), uniformizou a jurisprudência do STJ, adotando a tese de que "a venda de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais, segundo melhor doutrina, é anulável e depende da demonstração de prejuízo pela parte interessada". Para tanto, o eminente Relator consignou:
"Neste contexto, pode-se afirmar, com facilidade, encontrar-se muito bem caracterizado o choque de teses. Aliás, a divergência é notória. Enquanto o acórdão embargado entende nula de pleno direito a venda de ascendente a descendente, simplesmente porque ausente a anuência de um dos descendentes, os paradigmas, ao contrário, concluem que esse tipo de venda é apenas anulável, sendo certo que a sua anulação depende da alegação, de quem esteve alheio à transação, da existência de prejuízo.
Essa, de fato, é a tese mais aceita pela doutrina, tanto que está positivada no novo Código Civil, no art. 496:
'É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.'
Assim, a lição de J. M. de Carvalho Santos, in Código Civil Brasileiro Interpretado, volume XVI, 10ª edição, Freitas Bastos, 1980, pág. 64:
'Nulo é o contrato, dizem alguns, porque foi preterida uma solenidade pela lei exigida como essencial à sua validade (art. 145, IV), enquanto outros o consideram apenas anulável, precisamente porque a razão da ineficácia do contrato está ainda na simulação, que se presume, procurando as partes fazer crer na existência de uma venda, quando, na verdade, o que houve foi mera doação.
Ficamos com os que sustentam a segunda opinião, notadamente CLÓVIS BEVILÁQUA, em seus magníficos comentários ao texto legal, com o apoio de uma jurisprudência, por assim dizer, uniforme: a venda de pais a filhos, diretamente, ou por interposta pessoa, sem o consentimento dos demais filhos, não é ato jurídico nulo, mas anulável (Ac. do Tribunal de São Paulo, vol. 35, pág. 246).
A nulidade é apenas relativa, não pode ser alegada senão pelos herdeiros prejudicados, nunca por um credor dêstes.'
No mesmo sentido, Álvaro Villaça Azevedo, in Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, volume 41, 1987, págs. 13/14:
'Tornando à questão, inicialmente, posta, será a venda de ascendente para descendente inexistente, nula ou anulável?
Inexistente não é, porque a venda se apresenta com todos os seus elementos integrantes: a coisa, o preço e o consentimento. Realmente, sendo os agentes capazes de consentir, vendedor-ascendente e comprador-descendente, seriam, quando muito, ilegitimados à realização negocial, se, existindo outros descendentes, estes não anuíssem. Não se trata, como vimos, de incapacidade para vender, mas de ilegitimação, na circunstância apontada. Quanto aos objetos, coisa vendida e preço, se existentes e eqüivalentes, sendo lícitos, nada apõe de obstáculo a lei. O único empecimento, criado por esta, ao citado negócio é no tocante ao parentesco, em linha reta, que existe entre as partes contratantes; tudo, é bom que se diga, tendo-se em conta evitar que a venda acoberte uma doação, sofrendo os outros descendentes detrimência econômica.
Nula, também, não é a venda de ascendente para descendente, pois que ela produz efeitos e pode, até, ser ratificada. Realmente, realizada uma venda, nessas condições, podem os outros descendentes assentir depois, sanando-se o defeito. Ainda, convalesce a venda, se, decorrido o prazo prescricional, não for intentada a competente ação, tendente a anulá-la.
Neste passo, convém ventilar o ensinamento de V. H. Solon (Théorie sur la Nullité des conventions et des actes de tout genre, en matiere civile, Videcoq e Barba, Librairie, Paris, 1835, t. 1º, p. 5), que, diferenciando as nulidades absolutas das relativas, assevera que as primeiras são pronunciadas pela lei em favor de todos os cidadãos, que disso queiram valer-se, aduzindo que essas espécies de nulidade "reduzem o ato a um puro fato", sendo tão graves que desvinculam as partes de suas respectivas obrigações, pois esses vícios violam leis de interesse público.
Referindo-se às nulidades relativas, o mesmo jurista francês (idem) ressalta que elas 'resultam da contravenção a uma lei, cujas disposições não interessam senão a certas pessoas ou certas comunidades'.
Na matéria, sob análise, os únicos interessados na anulação são os outros descendentes do comprador.
Daí porque a venda de ascendente para descendente somente pode ser considerada anulável, nunca inexistente ou nula, não só por poder ela encobrir uma simulada doação, mas também, e principalmente, por poder sanar-se sua imperfeição pela posterior aquiescência dos demais descendentes, irmãos do comprador.
A entender-se na lei a nulidade pleno iure ou a inexistência da venda de ascendente para descendente, pura e simplesmente, é admitir-se a inalienabilidade, nesse caso, do patrimônio daquele.
Também é o entendimento que permeia as Turmas de Direito Privado desta Corte:
'Venda de ascendente para descendente por interposta pessoa. Ato jurídico anulável. Prescrição de quatro anos, na forma do art. 178, § 9º, V, "b", do Código Civil de 1916. Precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal.
1. A anulação da venda de ascendente para descendente por interposta pessoa, sob o regime do Código Civil anterior, prescreve em quatro anos. A configuração de ato anulável, de resto, já está consolidada no Código Civil vigente (art. 496) que reduziu o prazo para dois anos, 'a contar da data da conclusão do ato' (art. 179).
2. Recurso especial conhecido e provido.' (REsp 771.736/SC, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, julgado em 07.02.2006, DJ 15.05.2006 p. 212)
'Civil e processo civil. Recurso especial. Alegação de ofensa ao disposto no art. 535, II, do CPC. Omissão suprida em sede de embargos de declaração. Alegação de ocorrência de julgamento fora do pedido. Devida narração dos fatos. Correlato pedido julgado procedente na origem. Venda direta de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais herdeiros. Ato jurídico anulável.
Simulação.
- Inexiste ofensa ao disposto no art. 535, II, do CPC, se sanada, no julgamento dos embargos de declaração, a questão tida por omissa.
- A correta narração dos fatos na petição inicial com o correlato pedido julgado procedente na origem afastam a alegação de existência de julgamento fora do pedido na espécie.
- A anulação de venda direta de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais descendentes necessita da comprovação de que houve, no ato, simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço abaixo do preço de mercado.
Recurso especial parcialmente conhecido e provido.' (REsp 476.557/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18.12.2003, DJ 22.03.2004 p. 294)
'VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE. Falta de consentimento dos demais.
- É ato anulável. Art. 1132, CCivil.
Recurso não conhecido.' (REsp 436.010/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, julgado em 24.09.2002, DJ 18.11.2002 p. 227)
'Venda de ascendente para descendente. Art. 1.132 do Código Civil. Precedentes da Corte. A disciplina do art. 496 do novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10/01/02. Precedentes da Corte.
1. Embora presente a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre se nula ou anulável a venda de ascendente para descendente, nos termos do art. 1.132 do Código Civil, o certo é que a disciplina do novo Código, no art. 496, prestigiou a corrente que considera anulável o negócio, na mesma linha do Acórdão recorrido.
2. A divergência sem regular apresentação não colhe êxito.
3. Recurso especial não conhecido.' (REsp 407.123/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, julgado em 26.06.2003, DJ 01.09.2003, p. 278)" (sem grifos no original)
Sob tal prisma, consoante pacificado pela eg. Segunda Seção, uma vez reconhecida que a venda de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais descendentes, em afronta ao art. 1.132 do Código Civil/1916, constitui ato anulável, tem-se que este poderia ser convalidado, nos termos do art. 148 do mesmo diploma legal: "O ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiro. A ratificação retroage à data do ato."
No caso sub judice, as instâncias ordinárias afirmaram, com clareza, que, estando cientes todos os herdeiros, inclusive os ora recorrentes, das transferências das ações efetuadas em favor de ALFREDO ZAMLUTTI JUNIOR - porquanto não houve sonegação nos autos de inventário -, entenderam por bem transacionar, firmando acordo que deu causa à partilha amigável, homologada em juízo. Desse modo, houve convalidação dos referidos atos jurídicos.
Essa convalidação tem validade plena em relação a todos os herdeiros maiores à época do acordo, datado de 12 de março de 1999 (fls. 86/93) e da sentença homologatória de partilha amigável, em 23 de abril de 1999 (fls. 94/95). Conforme dito anteriormente, os recorrentes PÉRCIO (nascido em 12 de junho de 1958), JOYCE (nascida em 15 de agosto de 1960) e FLÁVIA (nascida em 14 de outubro de 1975) já possuíam capacidade para exercer todos os atos da vida civil, contando cada qual com mais de 21 anos (CC/1916, art. 9º).
No que se refere ao recorrente RENÉ ZAMLUTTI JÚNIOR, nascido em 27 de agosto de 1978, único herdeiro menor, relativamente incapaz (CC/1916, art. 6º, I), no momento em que realizada a transação entre os herdeiros e homologada a partilha amigável, tem-se que seu posterior silêncio após o implemento da maioridade, deixando de impugnar oportunamente a transação da qual participou, também implica convalidação do ato pela prescrição ânua acima reconhecida (cap. I deste voto).
Mesmo que se considere a hipótese de doação, conforme ponderou o eminente Ministro MARCO BUZZI, em seu judicioso voto-vista, a outro resultado não se chega. Eis o entendimento trazido pelo eminente Ministro BUZZI:
"Na hipótese dos autos, o negócio jurídico que se busca anular refere-se às transferências de ações efetivadas pelos inventariados em favor dos réus, ora recorridos, após a morte de René Zamlutti, pai dos ora recorrentes.
Segundo os recorrentes, tais transferências consistiram, na realidade, em doações. Relevante anotar, nesse ínterim, que o Juízo sentenciante, sem definir se as transferências foram onerosas ou gratuitas, conferiu tratamento jurídico, separadamente, para ambas as hipóteses, chegando, é certo, à mesma conclusão. O Tribunal de origem, por sua vez, referindo-se, de forma genérica, às transferências, aplicou indistintamente o entendimento sufragado por esta a. Corte (qual seja, 'a venda de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais, segundo melhor doutrina, é anulável e depende da demonstração de prejuízo pela parte interessada').
A distinção, entretanto, é de toda relevância para o deslinde da controvérsia.
De plano, anota-se que o artigo 1.132 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, assim como o atual Código Civil, em seu artigo 496, preceituam, igualmente, que a venda de ascendente para descendente deve ser corroborada pelo consentimento dos demais descendentes. Aliás, como bem destacado pelo Ministro Relator, o atual Código Civil trouxe, às escancaras, a melhor interpretação, então adotada por este Sodalício, sobre a anulabilidade decorrente de sua não observância.
No entanto, inexiste disposição legal similar acerca da doação. O tratamento diverso tem razão de ser.
A alienação onerosa (a venda) de bens do ascendente ao descendente pressupõe a correspondente recomposição do patrimônio do alienante pelo preço pago pelo comprador, preservando-se, em tese, o monte a ser futuramente partilhado. Não obstante, tendo por desiderato coibir eventual simulação pelas partes, em que, na verdade, a doação traveste-se de venda, a lei adjetiva civil passa a exigir o consentimento dos demais herdeiros. Não é demasiado destacar que, em caso de simulação entre ascendente e descendente, os demais descendentes suportariam significativa redução do acervo a ser partilhado, e, ainda, não poderiam se valer da proteção legal contida no artigo 1786 do Código Civil de 1916 (artigo 2002 do Código Civil atual), que lhes assegura, na hipótese de doação, o dever do descendente-donatário trazer à colação o respectivo valor para o efeito de igualar as legítimas, pois, simulado o negócio jurídico, este comportará a aparência de venda.
Desta feita, não sendo o caso de simulação, a ausência de consentimento por parte dos demais descendentes não importa, necessariamente, na anulação do negócio jurídico. Para a caracterização do vício do negócio jurídico, curial a demonstração de prejuízo. Trata-se, como assinalado, de causa de anulabilidade, na esteira da pacíficada jurisprudência desta a. Corte, conforme bem apontado pelo Ministro Relator.
Porém, como destacado, os recorrentes, desde a sua exordial, afirmam que as transferências de ações, as quais reputam nulas, consistiram em doações, fato, é certo, em nenhum momento controvertido nos autos. Tem-se, por isso, que o enfrentamento da questão deve-se pautar pelo tratamento legal ofertado ao instituto da doação.
Repisa-se, assim, que, em se tratando de transferência gratuita de ascendente em favor de descendente, a lei de regência não tece, para a validade deste negócio jurídico, qualquer imposição relativa ao consentimento dos demais descendentes. E não o faz simplesmente porque a doação entabulada pelo ascendente em favor de algum descendente é considerada, por imperativo legal, como adiantamento da partilha (ut Art. 2018, do CC, in verbis: 'É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários').
Para o caso de doação, a lei protege os demais descendentes, impondo ao descendente-donatário que traga à colação os valores referentes à doação, para o efeito de igualar a legítima, caso recaia sobre a parte indisponível da herança. Caso a doação recaia sobre a parte disponível da herança, encontrando-se devidamente informada nos autos de inventário, com mais razão mostra-se despiciendo o consentimento dos demais descendentes.
Veja-se, portanto, que a doação, devidamente formalizada, e trazida à colação no bojo do inventário, não encerra qualquer prejuízo aos descendentes não referendados pela transferência, tornando-se, por conseguinte, desnecessária, e mesmo, inexigível, a anuência destes.
Sobre esta questão, anota-se, por oportuno, que esta a. Corte, ainda na vigência do Código Civil de 1916, tal como na hipótese tratada nos presentes autos, já decidiu pela inexigibilidade de consentimento dos demais descendentes para aperfeiçoar a doação efetuada por ascendente em favor de descendente, conforme dá conta o seguinte precedente:
'CIVIL. DOAÇÃO DE ASCENDENTE A DESCENDENTE. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DE UM DOS FILHOS. DESNECESSIDADE. VALIDADE DO ATO. ART. 171. NÃO É NULA A DOAÇÃO EFETIVADA PELOS PAIS A FILHOS, COM EXCLUSÃO DE UM, SÓ E SÓ PORQUE NÃO CONTOU COM O CONSENTIMENTO DE TODOS OS DESCENDENTES, NÃO SE APLICANDO A DOAÇÃO A REGRA INSERTA NO ART.1.132 DO CÓDIGO CIVIL.
DO CONTIDO NO ART. 1.171 DO CC DEVE-SE, AO REVÉS, EXTRAIR-SE O ENTENDIMENTO DE QUE A DOAÇÃO DOS PAIS A FILHOS É VÁLIDA, INDEPENDENTEMENTE DA CONCORDÂNCIA DE TODOS ESTES, DEVENDO-SE APENAS CONSIDERAR QUE ELA IMPORTA EM ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA. COMO TAL - E QUANDO MUITO - O MAIS QUE PODE O HERDEIRO NECESSÁRIO, QUE SE JULGAR PREJUDICADO, PRETENDER, É A GARANTIA DA INTANGIBILIDADE DA SUA QUOTA LEGITIMÁRIA, QUE EM LINHA DE PRINCÍPIO SÓ PODE SER EXERCITADA QUANDO FOR ABERTA A SUCESSÃO, POSTULANDO PELA REDUÇÃO DESSA LIBERALIDADE ATÉ COMPLEMENTAR A LEGÍTIMA, SE A DOAÇÃO FOR ALÉM DA METADE DISPONÍVEL. HIPÓTESE EM QUE A MÃE DOOU DETERMINADO BEM A TODOS OS FILHOS, COM EXCEÇÃO DE UM DELES, QUE PRETENDE A ANULAÇÃO DA DOAÇÃO, AINDA EM VIDA A DOADORA, POR FALTA DE CONSENTIMENTO DO FILHO NÃO CONTEMPLADO. RECURSO NÃO CONHECIDO.' (Resp 124.220, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ. 25.11.1997).
In casu, as ações foram transferidas (doadas) pelos inventariados aos ora recorridos, em 08.12.1981 e 14.12.1982, sem o consentimento dos demais descendentes. Tal proceder não encerra, em si, qualquer vício no negócio jurídico engendrado, justamento porque a lei assim não exige. Quando da abertura da sucessão de ALFREDO ZAMLUTTI e HILDA TOGNETTI ZAMLUTTI, aos donatários, ALFREDO ZAMLUTTI JUNIOR e (a sua mulher) SONIA MARIA VIEIRA ZAMLUTTI (ora recorridos), incumbia, por determinação legal, que informassem ao juízo em que se processa o inventário, acerca das doações recebidas, que, nos termos assentados, assumiram o viés de antecipação da partilha, sob pena de incorrer na sonegação de bens.
Infere-se dos autos, de acordo com a moldura fática delineada pelo Tribunal de origem, imutável, na presente via especial, que os recorridos cumpriram tal dever, sendo certo que todos os herdeiros, nestes incluídos os ora recorrentes, tiveram ciência das transferências das ações, inclusive, mediante ofício expedido pelo Banco Bamerindus do Brasil ao Juízo do inventário, dando conta de tal operação.
Nesse contexto, conclui-se que as transferências de ações (as doações) atenderam, efetivamente, às determinações legais, notadamente quanto ao dever de informar ao Juízo do Inventário, o que, inclusive, afasta qualquer alegação de que os herdeiros por elas não contemplados teriam suportado algum prejuízo.
A corroborar tal conclusão, os ora recorrentes, como visto, efetivaram o acordo que deu ensejo à partilha amigável, homologada judicialmente, cuja discussão acerca de sua higidez encontra-se, como visto, superada pela prescrição.
No ponto, portanto, confere-se ao recurso especial o mesmo desfecho dado pelo Ministro Relator, pedindo-se vênia, contudo, para divergir quanto à fundamentação adotada." (grifou-se)
Pelos fundamentos expostos, quer se considere a hipótese como de transferência onerosa ou gratuita, conclui-se que as referidas transmissões de ações atenderam às determinações legais, sobretudo quanto ao dever de informar ao Juízo do Inventário, não estando caracterizado, outrossim, prejuízo aos recorrentes.
Não há, portanto, razão para se acolher a alegada invalidade da partilha.
Quanto à ausência de participação do d. órgão do Ministério Público no aludido inventário, a eg. Corte local afastou a nulidade por ausência de prejuízo enfrentando a questão com base nas circunstâncias do caso, consignando:
"Nesse contexto, não há de se aventar ocorrência de ato jurídico nulo por simples falta da intervenção contemporânea do Ministério Público no interesse dos menores, considerando que essa necessidade desaparece, quando sobrevinda maioridade deles. A propósito: (..) 'Se, no curso do processo e estando este em fase recursal, o menor atinge a maioridade, cabe-lhe defender-se por si mesmo, dispensada a assistência ministerial'. (AgRg no AG 242209/GO - Ministro Nilson Naves - Terceira Turma - DJ 19.06.2000 p. 145).
Assim é que tendo se verificado que os autores subscritores da transação (f. 78), subscreveram-na em 12.3.1999, quando já eram capazes para vida civil, posto que Flávia nasceu em 14.10.1975 (f. 27) e René Júnior nasceu em 27.8.1978 (f. 28), toma-se inegável a validade da manifestação de suas respectivas vontades.
Demais disso, todos os subscritores da transação impugnada, praticaram o aludido ato pessoalmente e assistidos por seus advogados (f-. 90-7).
Outrossim, não se pode olvidar que a prática de ato da vida civil merece convalescer sempre que não se verificar prejuízo do relativamente incapaz, fato que efetivamente não ficou demonstrado nos autos, em relação ao Autor René Júnior, a despeito de a época da subscrição da transação não ter completado por questão de meses a maioridade civil - vinte e um anos, nos termos da lei civil contemporânea à prática do ato - mesmo porque o prejuízo nessas condições não se presume e no caso em exame, quando da prática vergastada o relativamente incapaz compareceu pessoalmente ao ato, apondo a sua assinatura, o fazendo devidamente assistido por advogado (f. 71)." (fl. 356, grifou-se)
Diante das premissas fáticas adotadas pela Corte Estadual, parece razoável a solução adotada ao afastar a ocorrência de nulidade na hipótese.
Por fim, afastados todos os vícios suscitados pelos ora recorrentes, ficam prejudicados os pedidos de condenação dos recorridos em perdas e danos, incluindo-se os lucros cessantes e os danos emergentes.
Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso especial.
É como voto.