HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA Nº 981 - EX (2017/0252075-3)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
Trata-se de pedido de homologação de sentença estrangeira proferida pelo Tribunal da Comarca de Bitburg, Alemanha, formulado por M. P., em desfavor de J. A. S., que, nos autos da ação de divórcio, julgou procedente o pedido de dissolução do matrimônio.
Narra a inicial que as partes contraíram matrimônio em 19 de março de 2009, na Dinamarca. Por razões de foro íntimo, o requerente promoveu o fim do casamento em 2012, e a requerida já teria retornado ao Brasil sem regularizar, até a presente data, o divórcio perante o seu país de origem.
Com o passar dos anos, o requerente contraiu novo matrimônio com outra brasileira. Desta nova união tiveram uma filha e a não regularização do casamento anterior com a ora requerida ocasionou diversos transtornos. A atual cônjuge do requerente ficou impossibilitada de retirar novo passaporte, inviabilizando o seu retorno ao Brasil, bem como não pôde levar sua filha para que os parentes a conhecessem pessoalmente.
A requerida foi citada conforme certidão positiva de fl. 63. A Defensoria Pública da União, curadora especial da parte requerida, apresentou contestação de fls. 72-75.
Sustenta, em síntese, quanto à citação regular no processo de origem, que, uma vez residindo no Brasil à época do processo, a citação da requerida deveria ter sido realizada por Carta Rogatória ou, conforme o caso concreto, por outros meios, desde que tenha sido demonstrada a garantia do direito do contraditório à parte.
Alega que, na análise dos autos, não foi possível aferir que a citação fora realizada regularmente. Na verdade, verifica-se que o divórcio foi realizado sem a manifestação da requerida, isto é, à sua revelia, e que o requerente, conforme consta da inicial e consignado na sentença homologanda, tinha ciência de que ela havia retornado ao Brasil.
Por fim, argumenta que, na petição inicial, o requerente não indica qualquer documento capaz de demonstrar a validade da citação realizada no processo alienígena, de modo que se pode concluir pela falha na garantia do contraditório e ampla defesa da requerida junto ao processo de divórcio, restando não cumprido, portanto, o requisito da citação regular no processo de origem, pugnando pelo indeferimento.
Quanto aos demais requisitos previstos no art. 216-D do RISTJ, nada tem a opor.
Réplica pelo requerente (fls. 91-103).
O Ministério Público Federal opinou, às fls. 111-114, pelo deferimento do pedido de homologação de sentença estrangeira.
É o relatório.
HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA Nº 981 - EX (2017/0252075-3)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
Preliminarmente, há de se ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça tem competência para emitir juízo meramente delibatório acerca da homologação de sentença estrangeira. Nesse contexto, é preciso verificar se a pretensão homologatória atende aos requisitos do art. 963 do Código de Processo Civil de 2015 e dos arts. 216-C e 216-D do Regimento Interno do Tribunal Superior.
A apresentação de questionamentos acerca do mérito da decisão alienígena é de competência do juízo estrangeiro. Assim, eventual deferimento do pedido de homologação, portanto, limita-se a dar eficácia à sentença estrangeira, nos exatos termos em que proferida, não sendo possível aditá-la para inserir provimento que dela não conste.
Feito esse esclarecimento, passa-se à análise dos requisitos. Segundo os arts. 963 do CPC/2015 e 216-C e 216-D do RISTJ, constituem-se requisitos necessários para a homologação de título judicial estrangeiro: i) ter sido proferido por autoridade competente; ii) terem sido as partes regularmente citadas ou verificada a revelia; iii) ter transitado em julgado; iv) estar chancelado pela autoridade consular brasileira, e; v) ser traduzido por tradutor oficial ou profissional juramentado no Brasil. Além disso, a sentença estrangeira não pode ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública.
Quanto ao primeiro requisito, cabe salientar que a hipótese versada nos autos se insere no rol de competência concorrente da justiça brasileira previsto no art. 21 do CPC/2015. Trata-se, assim, de matéria de competência relativa da autoridade brasileira e, dessa forma, de conhecimento concorrente entre as duas jurisdições.
O requisito da citação foi desatendido, posto que não houve a citação regular da parte requerida no processo estrangeiro.
Pela leitura atenta dos autos, é possível extrair que a requerida regressou ao seu país de origem logo após o fim do matrimônio, antes do ajuizamento da ação estrangeira (fl. 2), tendo o requerente conhecimento do endereço atual de sua ex-cônjuge.
Logo, a requerida, por residir no Brasil, deveria ter sido chamada ao processo originário por Carta Rogatória, uma vez que é requisito indispensável para a homologação de decisão estrangeira terem sido as partes regularmente citadas ou constatada a revelia, conforme dispõe o art 963, II, do CPC/15.
Nesse sentido, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. DIVÓRCIO. CITAÇÃO EDITALÍCIA NO EXTERIOR. RÉU QUE COMPROVADAMENTE REGRESSOU AO BRASIL, COM A CIÊNCIA DA AUTORA, ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. AUSÊNCIA DE CARTA ROGATÓRIA. NULIDADE DA CITAÇÃO NO PAÍS DE ORIGEM. NÃO HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ESTRANGEIRA.
1- O propósito da presente ação é obter a homologação de sentença proferida pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos da América que decretou o divórcio dos litigantes.
2- O regresso do réu ao Brasil antes do ajuizamento da ação em território estrangeiro, com a ciência da ex-cônjuge e autora da ação de divórcio, invalida a citação editalícia realizada no exterior, porque indispensável a citação da parte em território nacional, por carta rogatória, sob pena de vulneração à garantia fundamental ao contraditório. Precedentes.
3- Hipótese em que o réu retornou ao Brasil em definitivo no ano de 2012 e, posteriormente, teve contra si ajuizada uma ação de divórcio perante a justiça estadunidense, na qual a autora expressamente requereu a citação por edital do réu que sabia não mais estar em solo americano. Violação ao art. 963, II, do CPC/15, art. 15, alínea "b", da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e art.
216-D, II, do RISTJ.
4- Pedido de homologação de sentença estrangeira julgado improcedente.
(SEC n. 14.849/EX, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 7/3/2018, DJe 23/3/2018.)
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. DIVÓRCIO NÃO CONSENSUAL. CITAÇÃO POR MEIO DE CARTA COM AVISO DE RECEBIMENTO. RESIDENTE NO BRASIL. NECESSIDADE DE CARTA ROGATÓRIA. NÃO ATENDIMENTO DO ART. 15, "b", DA LINDB, ART. 963, II, DO NCPC E ART. 216-D, II, DO RISTJ. PRECEDENTES.
1. Pedido de homologação de sentença de divórcio não consensual proferida em Portugal, na qual se debate apenas se houve citação válida em atenção ao o art. 15, "b", da LINDB, ao art. 963, II, do NCPC e ao art. 216-D, II, do RISTJ.
2. No caso concreto, não há falar em citação válida, já que a citação de brasileiro residente no Brasil deve ser efetivada por meio de carta rogatória, como pacificado na jurisprudência do STJ e não por meio de carta comum, com aviso de recebimento (fl. 81 e fl. 84): "A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que, para homologação de sentença estrangeira proferida em processo que tramitou contra pessoa residente no Brasil, revela-se imprescindível que a citação tenha sido por meio de carta rogatória" (SEC 8.396/EX, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe 11/12/2014.).
Pedido de homologação indeferido.
(SEC n. 12.130/EX, Rel. Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 19/10/2016, DJe 26/10/2016.)
HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. LÍBANO. DIVÓRCIO. REQUERIDA RESIDENTE NO BRASIL. CITAÇÃO POR EDITAL EM JORNAL LIBANÊS. IRREGULARIDADE. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTA ROGATÓRIA CITATÓRIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INDEFERIMENTO DO PEDIDO.
1. Há evidente irregularidade na citação da ora Requerida para a ação alienígena que ensejou a decretação do seu divórcio com o Requerente, na medida em que, a despeito de ter residência conhecida no Brasil, não houve a expedição de carta rogatória para chamá-la a integrar o processo, mas mera publicação de edital em jornal libanês. Resta desatendido, pois, requisito elementar para homologação da sentença estrangeira, qual seja, a prova da regular citação ou verificação da revelia. Precedentes: SEC 980/FR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/09/2006, DJ 16/10/2006, p. 273; SEC 2493/DE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/05/2009, DJe 25/06/2009; SEC 1483/LU, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/04/2010, DJe 29/04/2010.
2. Se não bastasse, ofende a ordem pública a iniciativa do Requerente de, mesmo tendo vivido quase a totalidade do tempo de casado no Brasil, com sua esposa e filhos, e também aqui se encontrar seu patrimônio, levar para a Justiça Libanesa o pedido de divórcio, pretendendo, ao que tudo indica, esquivar-se da Justiça Brasileira, subtraindo a prerrogativa de foro da mulher casada (a teor do art. 100, inciso I, do Código de Processo Civil, c.c. o art.7.º da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro, quando pendia contra si ação de separação de corpos; alimentos; arrolamento de bens; divórcio; interdito proibitório; e execução de alimentos.
3. Pedido de homologação indeferido. Custas ex lege. Condenação do Requerente ao pagamento dos honorários advocatícios.
(SEC n. 10.154/EX, Rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 1º/7/2014, DJe 6/8/2014.)
Ante o exposto, nos termos do art. 216-K, parágrafo único, do RISTJ, indefiro o pedido de homologação de sentença estrangeira.
É o voto.