Inteiro teor - REsp 1473437

Copiar
RECURSO ESPECIAL Nº 1.473.437 - GO (2011/0158589-9) RECORRENTE : MAURO CÉSAR ALVES LACERDA ADVOGADOS : FELICÍSSIMO JOSÉ DE SENA ROMUALDO JOSÉ DE OLIVEIRA NETO JORGE JAEGER AMARANTE E OUTRO(S) RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO : RAFAEL MARTINS PINTO DA SILVA RECORRIDO : OS MESMOS RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: 1. Mauro César Alves Lacerda ajuizou ação em face do Banco do Brasil S.A., referente à compra e venda a prestação de dois bens imóveis rurais, com pacto de alienação fiduciária, em leilão promovido pela instituição financeira. Argumentou o autor, que ao iniciar estudo técnico para empreender projeto agropecuário nos imóveis, surpreendeu-se com o resultado de perícia realizada e de diligências feitas no Cartório de Registro de Imóveis de Planaltina-GO, no sentido de a FAZENDA SUCUPIRA II, um dos imóveis, nunca ter pertencido ao réu, nem mesmo ao suposto original proprietário, que teria repassado o bem ao Banco em dação em pagamento. Afirmou que a área referente ao imóvel adquirido em leilão foi objeto de desapropriação por interesse social, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e que, no momento do ajuizamento da ação, já se encontravam no local diversas famílias assentadas pelo órgão governamental responsável pela reforma agrária. Concluiu que o Banco do Brasil S.A., à época do contrato de compra e venda, não tinha justo título para promover a venda em leilão público. Requereu a rescisão parcial do contrato, com devolução dos valores indevidamente pagos, bem como indenização pelos lucros cessantes decorrentes da não utilização dos imóveis e por sua consequente desvalorização. O juízo de piso julgou improcedente o pedido autoral, uma vez que, em seu entendimento, como havia documento comprobatório da propriedade dos bens imóveis, dotados de fé pública, a transferência teria se realizado regularmente. No tocante à ocorrência de desapropriação de um dos imóveis, afirmou ser responsabilidade do autor se cercar de cuidados quanto à existência de quaisquer problemas relacionados aos imóveis leiloados. Apreciada a apelação (fls. 447-460), o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás deu parcial provimento ao recurso, nos termos da ementa reproduzida abaixo (fls. 561-562): APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE ÁREA DESAPROPRIADA PELO INCRA ANTERIORMENTE AO CONTRATO DE COMPRA E VENDA. ALEGAÇÕES DE PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E EXISTÊNCIA DE PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. AFASTADAS. LUCROS CESSANTES. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. 1. Quando a rescisão do contrato for embasada em venda de terras que não pertenciam ao vendedor, em razão de terem sido desapropriados anteriormente pelo INCRA, não há que falar em pedido juridicamente impossível, decadência prevista no artigo 501 do Código Civil, nem mesmo em prescrição do artigo 178, 11 do Código Civil. 2. A desapropriação, por ser forma de aquisição originária, implica na incorporação do bem ao domínio público com abstração plena de qualquer título antecedente. 3. Rescindido o contrato, mesmo que parcialmente, tem o comprador direito de ressarcimento das quantias pagas, bem como comissão do leiloeiro proporcionalmente, todas corrigidas monetariamente desde a data do efetivo pagamento, bem como juros de mora de 1% da citação. 4. Os lucros cessantes devem ser efetivamente comprovados, sob pena de não serem concedidos (artigo 333, 1 do Código de Processo Civil). APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. O Banco do Brasil S.A. interpõe recurso especial com fundamento na alínea "a", do permissivo constitucional, sob a alegação de violação aos arts. 535, II, do CPC/1973 e arts. 501 do CC/2002 (fls. 600-613). Afirma que, como a venda realizada no caso dos autos foi ad corpus, não há como o autor da ação originária, comprador, reclamar questões referentes ao imóvel objeto do contrato, uma vez que as dimensões da área foram apenas enunciativas. Assevera, ainda, a ocorrência da prescrição da ação que pretende qualquer ressarcimento atinente ao contrato pactuado, nos termos do art. 501 do CC/2002. Alega que detinha justo titulo de propriedade dos imóveis objeto dos autos e, por isso, não poderia ser responsabilizado por situação com a qual não concorreu. Argumenta que faltou ao autor, comprador, a adoção de medidas de cautela, quando da celebração do negócio. Mauro César Alves Lacerda, por sua vez, interpõe o recurso com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando violação ao art. 475-A do CPC (fls. 620-629). Afirma que, embora o acórdão tenha reformado a sentença com parcial provimento para o recorrente, não permitiu que se apurasse, via liquidação de sentença, os lucros cessantes (perdas e danos) derivados da inexecução do referido projeto pecuário, o que implica a quebra do devido processo legal. Para comprovar a divergência jurisprudencial que alega existir, colaciona julgados do Superior Tribunal de Justiça que tratam do cerceamento de defesa. Contrarrazões apresentadas pelo primeiro recorrente às fls. 683-687 e por Mauro César, às fls. 667-672. Os recursos especiais receberam crivo negativo de admissibilidade na origem (fls. 692-694 e 695-696), ascendendo a este Tribunal após provimento de agravo de instrumento interposto pelas partes (fls. 883-884). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.473.437 - GO (2011/0158589-9) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : MAURO CÉSAR ALVES LACERDA ADVOGADOS : FELICÍSSIMO JOSÉ DE SENA ROMUALDO JOSÉ DE OLIVEIRA NETO JORGE JAEGER AMARANTE E OUTRO(S) RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO : RAFAEL MARTINS PINTO DA SILVA RECORRIDO : OS MESMOS EMENTA RECURSOS ESPECIAIS. LEILÃO DE IMÓVEL RURAL ANTERIORMENTE DESAPROPRIADO. ART. 535 DO CPC. VENDA A NON DOMINO. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO. AÇÃO EX EMPTO. IRREGULARIDADE DAS DIMENSÕES DO IMÓVEL. LUCROS CESSANTES. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. 1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. 2. A venda a non domino é aquela realizada por quem não é o proprietário da coisa e que, portanto, não tem legitimação para o negócio jurídico. Soma-se a essa condição, o fato de que o negócio se realiza sob uma conjuntura aparentemente perfeita, instrumentalmente hábil a iludir qualquer pessoa. 3. A actio ex empto tem como escopo garantir ao comprador de determinado bem imóvel a efetiva entrega por parte do vendedor do que se convencionou em contrato no tocante à quantidade ou limitações do imóvel vendido, não valendo para os casos em que há impossibilidade total do apossamento da área para gozo e fruição, por vício na titularidade da propriedade. 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, para a concessão de indenização por perdas e danos com base em lucros cessantes, faz-se necessária a comprovação dos prejuízos sofridos pela parte. 5. A demonstração da divergência jurisprudencial não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, mas com o confronto entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, providência não verificada nas razões recursais. 6. Recursos especiais não providos. VOTO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 2. A principal controvérsia dos autos consiste em definir se o alienante de bem em leilão é responsável por indenização, tendo em vista a impossibilidade de uso e gozo do imóvel alienado, uma vez que houve anterior desapropriação e à Fazenda fora dada utilidade diversa por quem era seu verdadeiro proprietário. Ao examinar as apelações interpostas pelas partes, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás assim decidiu, esclarecendo os fatos relevantes para o julgamento deste recurso (fls. 553-558): Verifica-se do referido contrato, firmado em 01/03/2000, que a venda das fazendas foi "ad corpus, ou seja, eram conhecidos pelos contratantes os limites e confrontações, sendo que as dimensões são apenas enunciativas [...] Embora a venda tenha sido ad corpus, esclareço que a intenção do autor não é a rescisão em razão da diferença entre as dimensões constantes no contrato e as que efetivamente existem, e sim, em decorrência de terem sido vendidos hectares de terras que não pertenciam ao banco recorrido, em razão de terem sido desapropriados pelo INCRA. [...] Superadas, portanto as preliminares arguidas pelo recorrido, passo à análise do mérito, ressalvando que razão assiste ao apelante no que se refere ao direito de rescisão da Fazenda Sucupira II, não tendo que se falar em aplicação do art. 178, V, Código Civil de 1916. Após apreciação dos documentos constantes dos autos conclui-se que a área correspondente à Fazenda Sucupira II (matrícula 22.933), cuja aquisição foi feita pelo recorrente em 2000, equivale à mesma área da Fazenda Rochedo (matrícula 4.228), e esta foi desapropriada pelo INCRA anteriormente, conforme esclarece o laudo pericial: [...] Ficou constatado ainda no laudo pericial, que além da Fazenda Sucupira II, em sua integralidade, 173 ha da Fazenda Barreirinho também foram desapropriadas pelo Incra, onde se instalou o Assentamento União Flor da Serra: [...] É importante esclarecer ainda, que embora o contrato de compra e venda tenha como objeto as duas fazendas, o autor, ora apelante tomou posse apenas da Fazenda Barreirinho, conforme explicitado pelo perito: [...] Conclui-se, portanto, que em razão da desapropriação e consequente existência de um assentamento na área correspondente à Fazenda Sucupira II, o banco recorrido realizou leilão de imóvel que não era de sua propriedade, o que culmina na procedência da ação em relação a este bem. [...] Quanto à Fazenda Barreirinho esclareço que embora o requerente afirme que 173 ha também foram desapropriados, constata-se que, o Incra requereu a retificação da área do Assentamento "União Flor da Serra", no entanto, a mesma não foi concedida, de acordo com esclarecimento do perito: [...] Ausente, portanto, comprovação de que os 173 ha da Fazenda Barreirinho foram desapropriados não há como rescindir o contrato sob este fundamento. (grifei) Interessante, ainda, a transcrição do laudo pericial mencionado pelo acórdão recorrido (fl. 395): Quesito nº 2 ? Se na área da Fazenda Sucupira II encontra-se o Assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ? INCRA, denominado ?União Flôr da Serra?, registro 18 da Matrícula 4,228 ?fls 03ª de 11/08/1998. Resposta ? Conforme constante do processo de desapropriação do imóvel denominado Fazenda Rochedo, denominado anteriormente Belos Prados/Barreiro, mat. 4.228 (fls. 84 e seguintes dos autos) pode-se constatar que se trata do mesmo imóvel descrito na certidão anexa a este laudo, do Registro Torrens número de ordem 6, de 29 de novembro de 1962 que engloba o imóvel denominado Fazenda Sucupira II, criado por Ação de Retificação e Averbação de Área com sentença proferida em 24 de maio de 1993 (fls. 59 e seguintes dos autos), o que deixa claro que o imóvel denominado Fazenda Sucupira II de fato não existiu, portanto o Autor não foi imitido em sua posse, pois a área descrita na certidão da matrícula 22.933 do suposto imóvel citado é na verdade parte do Assentamento ?União Flôr da Serra? criado pelo processo de desapropriação citado. A outra parte, (detalhe na planta anexa), corresponde a parte do imóvel denominado Fazenda Belos Prados, ex-Vargem Bonita, registrada sob matrícula 14.369, que foi desmembrada do Registo Torrens primitivo e cujo proprietário atual é o Sr. Leonídio Ferreira Gomes, e que se encontra penhorado pelo Banco do Brasil conforme certidão anexa, processos 17.109/91 e 34.264/93. Desta forma, possivelmente por omissão do réu, no tocante a falta das providências necessárias a real indicação da área a ser licitada, tais como levantamento topográfico, georreferenciamento, e/ou vistorias, não foi apontada a indisponibilidade de imissão na posse pelo eventual arrematante. (grifei) RECURSO ESPECIAL DO BANCO DO BRASIL S.A. 3. Primeiramente, afasta-se a violação ao art. 535, II do CPC. O recorrente fundamenta sua ofensa no fato de a Turma Julgadora não ter dado a "devida aplicabilidade aos comandos legais que emanam dos artigos 501 e 500 do Código Civil, cuja observância inexoravelmente conduziria ao reconhecimento da improcedência do pedido". (fl. 606). Da leitura do acórdão recorrido o que se percebe é que, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. De fato, a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas. O teor do acórdão recorrido resulta de exercício lógico, ficando mantida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão. 4. Quanto ao mérito, na definição de Orlando Gomes, ?compra e venda é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir a propriedade de uma coisa à outra, recebendo em contraprestação determinada soma de dinheiro ou valor fiduciário equivalente?. (Contratos. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 244) Na linha do entendimento da doutrina, o Código Civil de 2002 manteve a expressão do art. 1.122 do antigo diploma, no sentido de que pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro (art. 481). É possível delimitar, pois, as principais obrigações das partes desse contrato bilateral e comutativo. Obriga-se o comprador ao pagamento do preço no tempo, forma e lugar convencionados. Ao vendedor, incumbe, em primeiro lugar, a entrega da coisa e a transferência de sua propriedade. A segunda obrigação do vendedor, tão importante como a primeira, é assegurar ao comprador a propriedade da coisa com as qualidades prometidas. Equivale a afirmar que ao vendedor compete garantir as qualidades essenciais, ou prometidas, e inerentes ao bem alienado, o que envolve, também, o funcionamento e a destinação para a serventia que determinou a compra. (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2013, p. 303) Extrai-se, ademais, do art. 491 do Código Civil, outra regra atinente ao adimplemento das prestações típicas do contrato de compra e venda. Confira-se: Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço. A invocação do dispositivo acima destacado, para o caso dos autos, tem valor quando feito o raciocínio inverso, nos termos da lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, no sentido de que é direito do comprador "não pagar o preço se o vendedor não estiver em condições de entregar-lhe a coisa". (Código civil comentado. 10. ed. rev., ampl. atual. São Paulo: RT, 2013, p. 695) Conforme esclarecimentos do acórdão recorrido, a alienação do imóvel Fazenda Sucupira II, feita a Mauro César Alves Lacerda, realizou-se por quem, à época da alienação, não era seu dono, uma vez que ocorrida desapropriação daquela área anteriormente ao leilão. Assim, no caso dos autos, houve venda a non domino, na classificação dada pela doutrina e jurisprudência, consistente na alienação empreendida por aquele que não é o proprietário da coisa, nos casos em que o adquirente tem a convicção de que negocia com o proprietário, uma vez que a conjuntura é aparentemente perfeita, instrumentalmente hábil a iludir qualquer pessoa. Dito de outro modo, a venda a non domino é aquela realizada por quem não tem poder de disposição sobre a coisa. Vale dizer, o que emerge, como vício, na venda a non domino é a completa falta de legitimação do alienante, que consiste na inaptidão específica para determinado negócio jurídico. Nessa situação, não é preciso grande esforço para concluir-se que referida alienação não tem o condão de transmitir a propriedade do imóvel, dada a existência de vício na origem da transação, que autoriza o verdadeiro proprietário a buscar o bem contra aquele que imagina tê-lo adquirido, assim como permite ao comprador iludido ressarcir-se dos prejuízos experimentados pela transferência frustrada. Pontes de Miranda defende a ineficácia do negócio, seguido por Orlando Gomes, segundo o qual, nada obsta que o vendedor efetue a venda de bem que ainda não lhe pertence e, se consegue posteriormente adquiri-lo e fazer a entrega prometida, a obrigação que lhe incumbe estará cumprida; caso contrário, a venda resolver-se-á em perdas e danos. ?A venda da coisa não é nula, nem anulável, mas simplesmente ineficaz?. )Op. cit. p.178) Na trilha desse entendimento, a jurisprudência desta Casa já se posicionou quanto à ineficácia da venda a non domino. Confira-se: DIREITO CIVIL. VENDA A NON DOMINO. VALIDADE DA ESCRITURA ENTRE AS PARTES. ART. 145, CC. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO VERUS DOMINUS. RECURSO PROVIDO. I - A COMPRA E VENDA DE IMÓVEL A NON DOMINO NÃO É NULA OU INEXISTENTE, SENDO APENAS INEFICAZ EM RELAÇÃO AO PROPRIETÁRIO, QUE NÃO TEM QUALIDADE PARA DEMANDAR A ANULAÇÃO DA ESCRITURA NÃO TRANSCRITA. II - OS ATOS JURÍDICOS SÃO NULOS NOS CASOS ELENCADOS NO ART. 145, CC. (REsp 39.110/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 28/03/1994, DJ 25/04/1994) Sobre o ponto, interessante, ainda, o que se extrai do voto do eminente Ministro Castro Meira, no julgamento do REsp n. 1.279.932/AM, em que era analisado pedido do Estado do Amazonas de anulação de título de propriedade dado a terceiro em venda por quem não era dono. Confira-se: Do ponto de vista prático, é indiferente ser nulo ou inexistente o ato. Em qualquer hipótese, não valerá. Como demonstra Orlando Gomes, "o ato inexistente, salvo quando a inexistência jurídica corresponde à inexistência de fato, é uma aparência de ato. Essa aparência precisa ser desfeita, o que se há de verificar, necessariamente, mediante pronunciamento judicial. O negócio inexistente equivalerá, portanto, ainda sob o aspecto prático, ao negócio nulo". Arnaldo Rizzardo ainda leciona que, considera-se ato inexistente a venda de coisa alheia. A venda a non domino é inválida, pois o ato jurídico está condicionado, entre outros requisitos, a objeto lícito (artigo 104, II, do Código Civil), sendo nulo quando for ilícito ou impossível o seu objeto (artigo 166, II do Código Civil). (...) Em se tratando da alienação a non domino é absolutamente sem validade, porque o negócio jurídico requer objeto lícito. É que a nulidade absoluta ou de pleno direito carece ab initio de efeitos jurídicos, sem necessidade de uma prévia impugnação, comportando uma série de consequências características: ineficácia imediata, ipso jure, do ato; caráter geral ou erga omnes da nulidade e impossibilidade de repará-lo por confirmação ou prescrição (REsp 1279932/AM, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 08/02/2013) Nesse passo, mister uma referência ao instituto da evicção, construção do direito civil pensada justamente como garantia do uso e do gozo da coisa alienada, inerente aos contratos comutativos com obrigação de transferência do domínio de determinado bem. Nessa linha, na evicção o adquirente vem a perder a propriedade ou posse da coisa, após o reconhecimento de direito anterior de outra pessoa sobre o bem. Diz o art. 447 do Código Civil de 2002: Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública. Orlando Gomes explica: A evicção é a garantia própria dos contratos comutativos que criam a obrigação de transferir o domínio de determinada coisa. Deriva do princípio segundo o qual o alienante tem o dever de garantir ao adquirente a posse justa da coisa transmitida, defendendo-a de pretensões de terceiros quanto ao seu domínio. É um fenômeno próprio da venda de coisa alheia, como diz Mirabelli. (Op. cit. p. 171) No entanto, no caso dos autos, não há direito de evicção enquanto instituto próprio de garantia. É que nos casos típicos de evicção, o verdadeiro titular sobre a coisa alienada vai a juízo reivindica-la e requerer a afirmação de seu direito. Alcançando êxito na lide judicial, o verdadeiro dono recebe de volta o uso e gozo do bem, enquanto o adquirente ludibriado, consequentemente, os perde. De fato, na situação que ora se examina, não houve reivindicação do imóvel pelo verdadeiro dono, o Poder Público desapropriante, nem mesmo ação judicial anterior para que fosse decidida a titularidade daquela propriedade. Aqui, o adquirente tem consciência de que não é dono, porque sabe que também não o era aquele que aparentemente lhe repassou o domínio do imóvel rural. O comprador, ora recorrido, justamente por não ter adquirido o bem pelo qual pagou, sabe que nunca tomará posse do imóvel e dele nunca usufruirá. 5. O Banco do Brasil sustenta também a prescrição da ação de indenização proposta pelo ora recorrido, adquirente do imóvel desapropriado, tendo em vista o prazo de um ano do art. 501 do Código Civil, para a propositura de ação ex empto. A ação de complemento de área é disciplinada pelo Código Civil nos artigos que seguem: Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço. § 1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio. § 2º Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso. § 3º Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus. Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título. Em julgamento recente nesta egrégia Turma ? Resp n. 1.497.769/RN -, teve-se a oportunidade de verificar que a ação ex empto possui sim o objetivo de proteger o comprador contra o inadimplemento ou a culpa contratual do vendedor, cujo dever fundamental é entregar a coisa, tal como adquirida e quitada pelo comprador. Nessa toada, a actio ex empto tem como escopo garantir ao comprador de determinado bem imóvel a efetiva entrega por parte do vendedor do que se convencionou em contrato no tocante à quantidade ou limitações do imóvel vendido, sob pena de ter o alienante que entregar a parte que falta do ajustado, rescindir o contrato ou ter o abatimento do valor pago ou a pagar, contando ainda com a possibilidade de pedir, em qualquer destas hipóteses, indenização por perdas e danos. Destarte, o direito que se pretende seja garantido por meio daquela ação é o de entrega do bem imóvel em sua totalidade, de acordo com o avençado em contrato, sendo garantia pela dimensão do bem entregue em contrapartida a determinado preço pago pelo comprador. Com efeito, não se pode admitir a ação ex empto, e, consequentemente, valer-se de seu prazo de prescrição para discutir o direito à indenização pela impossibilidade total de apossamento da área e de seu gozo e fruição, por defeito ínsito ao próprio pacto, que se firmou por quem não tinha legitimidade para tanto. Essa, também, a lição de Pontes de Miranda: A pretensão à complementação da área, na venda feita ad mensuram, se exerce por meio da ação ex empto, cuja finalidade é obter uma sentença de condenação por inadimplemento contratual (o vendedor se obrigou a entregar imóvel com determinada área e não o fez) (Tratado de direito privado. Tomo 39. Bookseller, 2005. § 4287, p. 142) Nesses termos, não merece provimento a alegação de prescrição da ação de indenização ajuizada pelo ora recorrido, tomando-se por base o prazo de 1 (um) ano disposto no art. 501 do CC, por não se tratar a espécie de ação de complemento de área. 6. Por fim, faz-se mister salientar que, conforme entende a jurisprudência deste Tribunal, verificado o apossamento do bem pelo Estado, sua destinação a uma finalidade pública e a impossibilidade da reversão à situação anterior, resta ao prejudicado reivindicar a correspondente reparação pecuniária, justamente o caso dos autos, já que a Fazenda Sucupira II, de acordo com o acórdão recorrido, fora desapropriada pela INCRA e nela assentadas diversas famílias. Abaixo, citam-seementa de acórdãos representantes da jurisprudência referida alhures: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO. TRANSCURSO DO PRAZO INDEPENDENTEMENTE DO EXERCÍCIO DA POSSE COM ANIMUS DOMINI. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DATA DA OCUPAÇÃO. NECESSIDADE DO REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. (...) 4. Verificado o apossamento do bem pelo Estado, a sua destinação a uma finalidade pública e a impossibilidade da reversão à situação anterior, resta ao proprietário reivindicar a correspondente reparação pecuniária, observado o prazo prescricional. 5. A interrupção do prazo prescricional na ação de indenização por desapropriação indireta exige ato inequívoco do Poder Público reconhecendo ser devida a reparação pecuniária aos proprietários do imóvel ocupado, tal como se dá com a edição de decreto expropriatório pelo Poder Público. 6. Simples consulta quanto à viabilidade ou mesmo necessidade de desapropriação da área, sem a edição do correspondente decreto expropriatório, não tem o condão de interromper o prazo prescricional. 7. Conclusão do acórdão recorrido, no tocante à data da efetiva ocupação, assentada em ampla análise das provas dos autos, cujo reexame é vedado em sede de recurso especial nos termos da Súmula 7/STJ. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1162127/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 09/10/2013) ----------------------------------------------------------------- ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. REQUISITOS. EFETIVO APOSSAMENTO E IRREVERSIBILIDADE DA SITUAÇÃO. PERDA DA PROPRIEDADE DO PARTICULAR. DESTINAÇÃO PÚBLICA DO BEM. PROVA DA TITULARIDADE DO BEM. CORREÇÃO DO LAUDO PERICIAL. SÚMULA 7/STJ. MOMENTO OPORTUNO PARA JUNTADA DE DOCUMENTOS. SÚMULA 283/STF. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. 1. No caso dos autos, houve o efetivo apossamento de imóvel por parte do Município de Campo Grande, que o utilizou como um depósito de resíduos sólidos urbanos durante mais de 15 anos. Após esse período, o Poder Público encerrou as atividades no local e promoveu ações na tentativa de recuperar a área. (...) 4. Todavia, a definitividade ou irreversibilidade da situação apta a ensejar a desapropriação indireta não se relaciona unicamente com o tempo que o Poder Público irá permanecer na posse do bem. O lapso temporal pode ser apenas um indicativo de que houve a perda da propriedade, mas não é o único. A situação se torna definitiva e irreversível quando o particular perde a propriedade do bem e, para isto, basta que o Poder Público confira uma destinação pública ao imóvel apossado. 5. Tanto é assim que, ocorrido o apossamento, se o particular não impedir no momento oportuno, deixando que a administração lhe dê uma destinação pública, não mais poderá reivindicar o imóvel, pois houve a incorporação do bem ao patrimônio público (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed., São Paulo, Atlas, 2010, pag. 184.). (...) Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (REsp 1154751/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2011) RECURSO ESPECIAL DE MAURO CÉSAR ALVES LACERDA 7. O recorrente, neste recurso, pretende o recebimento dos lucros cessantes, por não ter tido a oportunidade de utilizar o imóvel rural adquirido em leilão, tendo experimentado prejuízos, em razão da impossibilidade de implementação de projeto agropecuário. Nessa extensão, acusa o acórdão recorrido de ter-lhe subtraído a ampla defesa por não permitir a instauração do procedimento de liquidação de sentença visando à apuração dos prejuízos que alega ter experimentado. O recurso não tem condições de prosperar. É que a liquidação de sentença é "instituto processual destinado a tornar adequada a tutela jurisprudencial executiva, mediante outorga do predicado de liquidez à obrigação" (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. V. II. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 237). Para tanto, em momento anterior, é preciso que o direito do credor tenha sido reconhecido, após regular comprovação e, aí sim, em sendo ilíquido, proceder-se-á à determinação de seu quantum. Com efeito, apesar de o recorrente reclamar a realização de liquidação da sentença para apuração econômica de seus prejuízos, o que se percebe é que não há o que ser apurado, uma vez que o acórdão recorrido, quanto ao ponto, asseverou que não foram comprovados os lucros cessantes alegados. Confira-se (fl. 559): No que se refere aos lucros cessantes sem razão o recorrente, vez que a manutenção parcial do contrato foi escolha feita por ele mesmo. Além do mais, não restou demonstrada a desvalorização da Fazenda Barreirinho em decorrência do não recebimento da Fazenda Sucupira II, tampouco os prejuízos advindos da não utilização da integralidade das terras, ônus este que recai sobre o autor/apelante (artigo 333, I, do Código de Processo Civil). É reiterada a jurisprudência deste Superior Tribunal no sentido de que os lucros cessantes, para serem devidos, devem ser comprovados. A propósito: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MARCA. USO INDEVIDO. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. LUCROS CESSANTES. PREJUÍZO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. EXISTÊNCIA AFASTADA PELO TRIBUNAL LOCAL. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, para a concessão de indenização por perdas e danos com base em lucros cessantes, faz-se necessária a comprovação dos prejuízos sofridos pela parte. 2. Rever as conclusões do acórdão impugnado, acerca da ausência de comprovação do prejuízo advindo do uso indevido da marca da autora, demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 111.842/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 26/03/2013) ------------------------------------------------------------- AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MARCA. USO INDEVIDO. PREJUÍZO. LUCRO CESSANTE. PROVA. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA STJ/211. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. I.- A prova do dano (lucros cessantes) pelo uso indevido da marca ou do nome é necessária para o deferimento de indenização a esse título. Precedente. (...) IV. Agravo Regimental improvido. (AgRg no Ag 1.235.982/ES, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 16/08/2010) No caso dos autos, como visto, o Tribunal de Justiça de Goiás manifestou-se no sentido da não comprovação daqueles danos e a reforma dessa decisão demandaria inevitavelmente o revolvimento dos fatos e provas, providência inviável, ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 8. Por fim, no que respeita ao dissídio jurisprudencial, melhor sorte não socorre ao recurso, porquanto a demonstração da divergência não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, mas sim com o confronto entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, providência não verificada nas razões recursais. Não bastasse a deficiência na comprovação da divergência, percebe-se que o recorrente deixou de especificar qual o dispositivo de lei federal teria fundamentado a alegação de interpretação divergente entre os tribunais autores dos paradigmas colacionados, não cumprindo com os requisitos do recurso especial, também por este motivo. 9. Ante o exposto, nego provimento a ambos os recursos. É o voto .