Inteiro teor - REsp 1181213

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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.181.213 - RS (2010/0032040-2) AGRAVANTE : CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI ADVOGADOS : FABRÍCIO ZIR BOTHOMÉ E OUTRO(S) IGOR HAMILTON MENDES E OUTRO(S) LARA CORRÊA SABINO BRESCIANI AGRAVADO : GILBERTO CRUZ ORCY ADVOGADO : SEBASTIÃO VENTURA PEREIRA DA PAIXÃO JÚNIOR E OUTRO(S) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de agravos regimentais interpostos por CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI e por GILBERTO CRUZ ORCY, em face da decisão monocrática da lavra deste signatário, assim ementada: RECURSO ESPECIAL EM APELAÇÃO CÍVEL - PREVIDÊNCIA PRIVADA - AÇÃO DE COBRANÇA - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - 1. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 458 E 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA - ACÓRDÃO HOSTILIZADO QUE ENFRENTOU, DE MODO FUNDAMENTADO, TODOS OS ASPECTOS ESSENCIAIS À RESOLUÇÃO DA LIDE - 2. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - INOCORRÊNCIA - PRONUNCIAMENTOS DESTA CORTE QUE FIRMAM A ATRIBUIÇÃO DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM PARA PROCESSAR E JULGAR CAUSAS AFETAS À PREVIDÊNCIA PRIVADA - 3. AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO - EXTENSÃO AOS INATIVOS - IMPOSSIBILIDADE, POR CONSTITUIR VERBA DE NATUREZA INDENIZATÓRIA - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ - 4. ABONO ÚNICO - NATUREZA JURÍDICA DA VERBA - INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7 DO STJ - 5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO (CPC, ARTIGO 557, § 1º-A). No regimental do autor, sustenta-se que a decisão agravada incorreu nos seguintes equívocos: (i) "aplicou o precedente jurisprudencial da Corte Especial do STJ (Recurso Especial 1.023.053/RS), sendo que a Eminente Relatora daquele processo preveniu que o recurso não estava submetido ao rito dos 'recursos repetitivos'"; (ii) "confundiu a rubrica 'auxílio cesta alimentação' (remuneratório) com a 'auxílio refeição' (indenizatório), ignorando as distinções expressas no próprio instrumento coletivo (cláusulas 14ª e 15ª da Convenção Coletiva da FENABAN)"; e (iii) "ignorou o conceito legal de pagamento 'in natura', estabelecido no art. 2º, III, do Decreto-Lei 986/69". Por sua vez, a entidade de previdência privada pugna pela inaplicabilidade das Súmulas 5 e 7/STJ, uma vez que, "na mesma esteira do quanto disposto à verba auxílio cesta-alimentação, em que acertadamente houve o reconhecimento do seu caráter indenizatório, a cognição do abono único prescinde da intelecção do mesmo diploma legal: artigo 3º, § único, da Lei Complementar 108/2001". Alega, outrossim, que a decisão monocrática deixara de "atentar ao fato de que o Tribunal Gaúcho, a despeito da oposição de recurso aclaratório, quedou-se silente às questões imprescindíveis ao deslinde da controvérsia, notadamente à ausência de manifestação quanto à legislação incidente: artigo 3º, § único, da Lei Complementar 108/2001 e artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal", o que configura violação do artigo 535 do CPC e necessidade de retorno dos autos à origem para reapreciação dos embargos. Ao final, ambas as partes requerem a reconsideração da decisão agravada ou sua apreciação pelo Colegiado. É o relatório. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.181.213 - RS (2010/0032040-2) EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO POSTULANDO A INCORPORAÇÃO DO AUXÍLIO CESTA ALIMENTAÇÃO E DA PARCELA DENOMINADA ABONO SALARIAL ÚNICO NO CÁLCULO DO BENEFÍCIO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO INTERPOSTO PELA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. 1. Recurso do autor. A jurisprudência da Segunda Seção, firmada no âmbito de recurso especial representativo da controvérsia (artigo 543-C do CPC), é no sentido da impossibilidade de extensão do auxílio cesta-alimentação aos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada, em razão de sua natureza eminentemente indenizatória (e não salarial), da ausência de inclusão prévia no cálculo do valor da contribuição para o plano de custeio do benefício e da vedação expressa contida no artigo 3º da Lei Complementar 108/2001 (REsp 1.207.071/RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 27.06.2012, DJe 08.08.2012). 2. Recurso da entidade de previdência privada: Pretensão de incorporação do abono salarial único nos proventos da aposentadoria complementar. 2.1. A análise da controvérsia prescinde de interpretação de cláusula contratual e reexame de prova, motivo pelo qual não incidem, na espécie, as Súmulas 5 e 7 do STJ. Fatos incontroversos delimitados no acórdão recorrido. Não há divergência sobre o teor das normas coletivas (que concedem abono único aos bancários ativos em determinados períodos), mas apenas acerca da definição da natureza jurídica da citada verba para fins de incorporação ou não no benefício previdenciário complementar. 2.2. O "abono único", concedido aos empregados em atividade, mediante convenção coletiva de trabalho, não ostenta caráter salarial, mas, sim, indenizatório, malgrado o disposto no § 1º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, na linha da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (Orientação Jurisprudencial 346 da Seção de Dissídios Individuais I). Ademais, a determinação de pagamento de valores sem respaldo no plano de custeio implica desequilíbrio econômico atuarial da entidade de previdência privada com prejuízo para a universalidade dos participantes e assistidos, o que fere o princípio da primazia do interesse coletivo do plano (exegese defluente da leitura do artigo 202, caput, da Constituição da República de 1988 e da Lei Complementar 109/2001). Existência de proibição expressa da incorporação do abono nos proventos de complementação de aposentadoria no parágrafo único do artigo 3º da Lei Complementar 108/2001 (específica para entidades fechadas de previdência privada). Precedente da Segunda Seção: REsp 1.281.690/RS, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, julgado em 26.09.2012, DJe 02.10.2012. 3. Agravo regimental do autor desprovido. Reclamo da entidade de previdência privada provido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): 1. Agravo regimental dos autor A irresignação não merece acolhida. Acerca da extensão do auxílio cesta-alimentação aos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada, a Segunda Seção, quando do julgamento de recurso especial representativo da controvérsia, encampou a tese perfilhada no voto-condutor da lavra da e. Ministra Maria Isabel Gallotti, no sentido de que: Anoto, em primeiro lugar, que a Lei 6.321/76, excepcionando a regra do art. 458, da CLT, criou o Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT , cujo objetivo foi definido como "a melhoria da situação nutricional dos trabalhadores, visando a promover sua saúde e prevenir as doenças profissionais." Para tanto, instituiu incentivo fiscal destinado a beneficiar empresas que aderissem ao PAT. Este incentivo é correspondente à dedução do dobro das despesas realizadas a esse título da base do cálculo do imposto de renda (Lei 6.321/76, art. 1º), além da não incidência de contribuição previdenciária sobre a parcela paga in natura, isto é, o fornecimento de alimentação ao empregado diretamente pela empresa (art. 3º). A interpretação desse último dispositivo resultou no entendimento jurisprudencial de que apenas o pagamento da parcela in natura do auxílio alimentação teria natureza indenizatória, e não salarial, motivo pelo qual somente esta parcela não integraria a complementação de aposentadoria dos empregados inativos. A referida Lei 6.321/76 atribuiu ao Ministério do Trabalho a responsabilidade de aprovar previamente os programas de alimentação que propiciariam a concessão dos benefícios fiscais mencionados (arts. 1º e 3º). Coerente com esse objetivo, o Decreto 5/1991 determinou ao Ministério do Trabalho a definição, mediante portaria, de documento a ser preenchido pelas empresas beneficiárias do PAT, cuja apresentação configuraria a prévia aprovação do programa de alimentação da empresa (art. 1º, § 4º), bem como a expedição de instruções para a aplicação do programa (art. 9º). Foi editada, então, a Portaria 3, de 1º de março de 2002, que estabeleceu os parâmetros nutricionais exigidos pelo PAT (art. 5º) e admitiu o fornecimento de "impressos, cartões eletrônicos, magnéticos ou outros oriundos de tecnologia adequada", para aquisição ou consumo de alimentos em estabelecimentos comerciais, desde que o valor respectivo seja "suficiente para atender às exigências nutricionais do PAT" (art. 10). Penso, portanto, que a jurisprudência formada a partir de precedente da década de noventa merece ser revista à luz dos fatos do mundo de hoje, devendo o art. 3º da Lei 6.321/76 ser interpretado de forma extensiva, para compreender como despido de natureza salarial também o auxílio alimentação fornecido pelo empregador ao empregado, nos termos da regulamentação do "Programa de Alimentação do Trabalhador", a qual expressamente prevê o seu fornecimento por meio de tíquetes, estabelecendo requisitos concernentes à pessoa jurídica fornecedora da alimentação coletiva e à prestadora de serviço de alimentação coletiva, às características e ao valor do impresso, que deve ser suficiente para atender às exigências nutricionais do PAT (arts. 10 e 12, da Portaria 3/2002). Lembro, a propósito, que a 1ª Seção deste Tribunal há muito pacificou a orientação de que nas hipóteses em que a alimentação é fornecida diretamente pela empresa (in natura), ou o pagamento do auxílio alimentação decorre de acordo ou convenção coletiva de trabalho, não há incidência de contribuição previdenciária em razão da natureza indenizatória dessa verba, independentemente de a empresa ser beneficiária do PAT, salvo no caso de o pagamento ser feito em dinheiro, mediante crédito na conta corrente do trabalhador, (...) (...) Anoto que a denominação "cesta-alimentação" em nada modifica a natureza do benefício, sendo certo que auxílio, vale, cesta ou qualquer outra designação que lhe seja atribuída, não altera a finalidade de proporcionar a aquisição de gêneros alimentícios pelo trabalhador, na vigência do contrato de trabalho. Acrescento que o STF, ao apreciar caso similar de incidência de contribuição previdenciária sobre o vale-transporte, conforme mencionado na ementa acima transcrita, decidiu que o pagamento em dinheiro não retira a natureza indenizatória do benefício, que continua se destinando a ressarcir o trabalhador pelas despesas nos deslocamentos de casa para o trabalho e vice-versa. Destaco, a propósito, as seguintes passagens de alguns dos votos proferidos que afastam o caráter salarial do vale-transporte, mesmo quando pago em dinheiro (RE 478.410/SP, DJ 13.5.2010): (...) O auxílio alimentação foi concebido para ressarcir o empregado das despesas com a alimentação destinada a suprir as necessidades nutricionais da jornada de trabalho, motivo pelo qual tem aplicação o mesmo raciocínio desenvolvido pelo STF, de modo a atribuir a essa verba caráter indenizatório, circunstância que afasta a sua incorporação ao salário para quaisquer efeitos, como expressamente estabelece o art. 6º, do Decreto 5/91, que regulamentou o PAT (Lei 6.321/76), o qual, no ponto, reproduz o conteúdo da regra contida no art. 2º, da Lei 7.418/85, instituidora do vale-transporte. Ressalto, a propósito, que esse mesmo entendimento se aplica aos servidores públicos que, não obstante beneficiários de aposentadoria integral, não incorporam o auxílio alimentação aos proventos de aposentadoria, nos termos da Súmula 680 do STF, assim redigida: "O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos." O exame dos precedentes do referido enunciado revela que, a despeito de servidores públicos e empregados celetistas estarem sujeitos a regimes jurídicos distintos, a conclusão sumulada igualmente decorreu do entendimento de que o auxílio alimentação ter natureza indenizatória. Anoto que o Tribunal Superior do Trabalho, com base no art. 7º, inciso XXVI, da Constituição, tem reiteradamente decidido que, estando prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho a natureza indenizatória do auxílio cesta alimentação, o mencionado benefício não integra o salário e nem a complementação de aposentadoria paga por entidades de previdência privada. Neste caso, não há, no entender do TST, sequer necessidade de comprovação da inscrição do empregador junto ao PAT (...). Prestigia-se, então, a liberdade de transação de direitos inerente ao processo de negociação coletiva. Solução diversa é adotada pela Justiça do Trabalho nos casos em que o benefício derivou, inicialmente, de contrato individual de trabalho, tendo sido, em seguida, pretendida, pelo empregador, a alteração de sua natureza, em função de adesão ao PAT ou instrumento normativo posterior à incorporação do benefício ao salário. Entende o TST que a adesão do empregador ao PAT ou convenção coletiva posterior não afasta o direito de integração ao salário de benefício já incorporado (...). Na linha da pacífica jurisprudência do TST, portanto, a circunstância de o benefício ser pago ao empregado por força de convenção ou acordo coletivo (e não de contrato individual de trabalho), na qual prevista a sua natureza indenizatória, é suficiente para excluir a sua pretendida integração ao salário para todos os fins da legislação trabalhista (Orientação Normativa 61 do TST). Se o auxílio cesta-alimentação estabelecido em convenção coletiva com natureza indenizatória não integra o salário sequer para os efeitos da legislação trabalhista, com maior razão ainda não deve integrar o benefício de previdência complementar a cargo das entidades de previdência privada. Com efeito, as entidades de previdência privada não têm participação alguma na elaboração de convenções coletivas de trabalho, tampouco na concessão das parcelas indenizatórias nelas inseridas e, portanto, não foram previstas fontes de custeio para o pagamento dessas parcelas que também não foram incluídas entre os benefícios que se comprometeram a suportar (benefício contratado), motivo pelo qual a determinação para o pagamento desses valores ensejaria desequilíbrio atuarial dessas entidades, com prejuízo para a universalidade dos participantes e assistidos. Neste ponto, anoto que o art. 202, § 2º, da CF, com a redação dada pela EC 20/1998, estabelece que "as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei". Assim, o contrato celebrado com instituição de previdência privada não integra o contrato de trabalho. Entre suas características principais, destaco as previstas no caput do art. 202 da Constituição, com a redação dada pela EC 20/1998, a saber, é complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social; facultativo; baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado e regulado por lei complementar. Dada a autonomia entre o contrato de trabalho e o contrato de previdência complementar, mesmo se eventualmente reconhecida a natureza salarial de determinada parcela não se seguirá o direito à sua inclusão nos proventos de aposentadoria complementar se não integrante do benefício contratado (CF, art. 202). O exame da legislação específica que rege as entidades de previdência privada e suas relações com seus filiados (art. 202 da CF e suas Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001) revela que o sistema de previdência complementar brasileiro foi concebido, não para instituir a paridade de vencimentos entre empregados ativos e aposentados, mas com a finalidade de constituir reservas financeiras, a partir de contribuições de filiados e patrocinador, destinadas a assegurar o pagamento dos benefícios oferecidos e, no caso da complementação de aposentadoria, proporcionar ao trabalhador aposentado padrão de vida próximo ao que desfrutava quando em atividade, com observância, todavia, dos parâmetros atuariais estabelecidos nos planos de custeio, com a finalidade de manutenção do equilíbrio econômico e financeiro. Para atender a esse objetivo, o art. 3º, parágrafo único, da Lei Complementar 108/2001, embora estabeleça que o regulamento da entidade definirá o critério de reajuste da complementação de aposentadoria, veda expressamente "o repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de quaisquer natureza para tais benefícios". O art. 6º, por sua vez, determina que "o custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos". As entidades fechadas de previdência privada têm, pois, por função administrar os recursos das contribuições dos participantes, assistidos e patrocinador, constituindo reservas financeiras aptas a garantir os pagamentos previstos nos planos de benefícios, motivo pelo qual o patrimônio decorrente da participação dos filiados e patrocinador, acumulado sob o regime de capitalização, destina-se não à livre gestão das referidas entidades, mas aos compromissos estabelecidos no plano de benefícios, o que se traduz na sua "independência patrimonial" atribuída pela LC 109/2001 (art. 34, I, "b"), com a precisa finalidade de conferir maior proteção ao patrimônio destinado a custear benefícios de longo prazo. Anoto que a Lei Complementar 109/2001, nessa mesma linha, contém diversos outros dispositivos que obrigam a fixação de critérios para garantir a solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios contratados, tudo sob a supervisão e controle do órgão de fiscalização. (...) Verifico, pois, que a extensão de vantagens pecuniárias ou mesmo reajustes salariais concedidos aos empregados de uma empresa ou categoria profissional, de forma direta e automática, aos proventos de complementação de aposentadoria de ex-integrantes dessa mesma empresa ou categoria profissional, independentemente de previsão de custeio para o plano de benefícios correspondente, não se compatibiliza com o princípio do mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada e nem com dispositivos da Constituição e da legislação complementar acima mencionada, porque enseja a transferência de reservas financeiras a parcela dos filiados, frustrando o objetivo legal de proporcionar benefícios previdenciários ao conjunto dos participantes e assistidos, a quem, de fato, pertence o patrimônio constituído. Em um dos vários memoriais recebidos, alega-se que não se aplicam ao caso dos autos as Leis Complementares 108/2001 e 109/2001 (editadas em regulamentação à nova redação do art. 202 da Constituição), as quais teriam extinguido os planos de benefícios definidos, não havendo que se falar em regime de capitalização e formação de reservas individuais para pagamento de benefícios, inerentes aos planos de contribuição definida. Para os planos de benefícios definidos anteriores às referidas leis complementares, hoje extintos, deveria, argumenta-se, ser preservado o direito adquirido. Não procede o argumento. Em primeiro lugar, porque a Lei Complementar 108/2001 (art. 7º, parágrafo único) expressamente prevê seja regulamentada a existência de planos de benefícios definidos. Não foi, portanto, tal tipo de plano extinto. Em segundo lugar, porque não há direito adquirido contra a Constituição. Neste ponto, anoto que o art. 5º, da EC 20/1998, estabelece o prazo de dois anos, a partir da publicação da Emenda, ou caso ocorra antes, da data de publicação da lei complementar a que se refere o § 4º do art. 202 da Constituição, para a entrada em vigor da exigência de paridade entre a contribuição da patrocinadora e a contribuição do segurado (art. 202, §3º). E o art. 6º da mesma Emenda Constitucional dispõe que "as entidades fechadas de previdência privada patrocinadas por entidades públicas, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, deverão rever, no prazo de dois anos, a contar da publicação desta Emenda, seus planos de benefícios e serviços, de modo a ajustá-los atuarialmente a seus ativos, sob pena de intervenção, sendo seus dirigentes e os de suas respectivas patrocinadoras responsáveis responsáveis civil e criminalmente pelo descumprimento do disposto neste artigo." Assim, vencido, de há muito, o prazo estabelecido nos arts. 5º e 6º da EC 20/98 não há como se argumentar com direito adquirido a benefícios constituídos sob o regime jurídico anterior à EC 20/1998 e às leis complementares que regulamentaram o art. 202 da CF, naquilo incompatível com o novo sistema. Acrescento que, na hipótese em exame, o auxílio cesta-alimentação foi instituído mediante convenções coletivas de trabalho, em atenção ao sistema de livre negociação salarial vigente no País - Constituição, art. 7º, XXVI - sendo certo que a entidade sindical dos trabalhadores, no caso, a Confederação Nacional dos Bancários está legitimada a representar a totalidade da categoria profissional, inclusive os trabalhadores aposentados, presumindo-se que subscreveu o acordo por considerá-lo vantajoso para o conjunto da categoria, segundo critérios que entendeu pertinentes (garantia do emprego ou aumento de benefícios para os empregados ativos, por exemplo), ciente de que os atuais ou futuros aposentados não seriam beneficiados pela referida verba, opção que não cabe ser avaliada no âmbito do presente recurso especial. O benefício inicial de complementação de aposentadoria, por outro lado, é calculado de acordo com o critério estabelecido no regulamento de cada entidade, levando em conta, em regra, os salários de participação do filiados, nos meses que antecedem a aposentadoria, sendo os reajustes posteriores efetivados com base na variação salarial dos funcionários da ativa ou por índices diversos de correção monetária. No primeiro caso - vinculação aos salários dos empregados ativos - a variação da complementação de aposentadoria restringe-se aos reajustes de natureza geral. Na hipótese de a complementação de aposentadoria ser reajustada por índice de atualização monetária, procedimento adotado pela PREVI mediante a incidência do IGP-DI (fls. 567-568), existe a real possibilidade de os empregados inativos, caso tenham reconhecido o direito ao recebimento de verbas não previstas no plano de de benefícios, como a cesta-alimentação, passarem a perceber proventos superiores aos ativos, bastando, para tanto, que a variação do referido índice seja superior ao reajuste obtido nas negociações coletivas de trabalho, como a ora recorrente demonstra ter ocorrido com os seus beneficiários, no período de 1997 a 2005 (fl. 568). Diante disso, o auxílio cesta-alimentação não pode ser computado na complementação de aposentadoria por ser vedada a inclusão de ganhos de produtividade, abonos e vantagens de quaisquer natureza (LC 108/2001, art. 3º, parágrafo único), restrição que decorre do caráter variável da fixação desse tipo de verba, não incluída previamente no cálculo do valor de contribuição para o plano de custeio da entidade, inviabilizando a manutenção de equilíbrio financeiro e atuarial do correspondente plano de benefícios exigido pela legislação de regência (Constituição, art. 202 e Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001). Reafirmo, portanto, o entendimento já esposado pela 2ª Seção no julgamento do REsp. 1.023.053/RS, julgado em 23.11.2011, (...). As teses definidas, para os efeitos previstos no art. 543-C do CPC, são, pois, as seguintes: 1) Compete à Justiça Estadual processar e julgar litígios instaurados entre entidade de previdência privada e participante de seu plano de benefícios. 2) O auxílio cesta-alimentação, parcela concedida a título indenizatório aos empregados em atividade mediante convenção coletiva de trabalho, não se incorpora aos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada. (REsp 1.207.071/RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 27.06.2012, DJe 08.08.2012). Assim, verifica-se que os agravantes não trouxeram argumentos capazes de infirmar a decisão hostilizada, que se coaduna com a novel orientação jurisprudencial desta Corte. 2. Agravo regimental da entidade de previdência privada Assiste razão à agravante. 2.1. Preliminarmente, cumpre destacar que a análise da presente controvérsia (atinente ao "abono salarial único") prescinde de interpretação de cláusula contratual e reexame de prova, motivo pelo qual não incidem, na espécie, as Súmulas 5 e 7 do STJ. Na hipótese ora em foco, pretendem os autores, bancários aposentados, que a entidade de previdência privada seja obrigada a proceder à incorporação de abono(s) único(s) (concedidos aos empregados em atividade, mediante convenções coletivas de trabalho) nos proventos de aposentadoria complementar, sob o argumento de que remuneratória a natureza da aludida verba. Convém observar que os fatos são incontroversos e estão delimitados no acórdão recorrido. Não há divergência sobre o teor das normas coletivas (que concedem abono único aos bancários ativos em determinados períodos), mas apenas acerca da definição da natureza jurídica da citada verba para fins de incorporação ou não no benefício previdenciário complementar. Assim, é perfeitamente possível ao Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial, atribuir aos fatos apurados nas instâncias ordinárias qualificação e conclusão jurídicas diversas daquelas adotadas no Tribunal de origem. Diante disso, afasta-se o fundamento constante da decisão monocrática ora atacada e passa-se à análise do mérito recursal. 2.2. A Segunda Seção, quando do julgamento do Recurso Especial 1.281.690/RS, consolidou o entendimento de que o "abono único", concedido aos empregados em atividade, mediante convenção coletiva de trabalho, não pode ser incorporado aos proventos de aposentadoria complementar. Eis a ementa do aludido julgado: DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. ABONO ÚNICO PREVISTO EM ACORDO COLETIVO OU CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. CLÁUSULA QUE CONTEMPLA, PROVISORIAMENTE, OS TRABALHADORES EM ATIVIDADE. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA. EXTENSÃO AOS INATIVOS INDEVIDA. 1. Compete à Justiça comum estadual processar e julgar ação de complementação de aposentadoria movida por participante em face de entidade privada de previdência complementar, por cuidar-se de contrato de natureza civil. Precedentes. 2. O abono único previsto em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho para os empregados da ativa não integra a complementação de aposentadoria dos inativos, por interferir no equilíbrio econômico e atuarial da entidade de previdência privada. Arts. 3º, parágrafo único, e 6º, § 3º, da Lei Complementar n. 108/2001 e 68, caput, da Lei Complementar n. 109/2001. 3. O abono único não é extensivo à complementação de aposentadoria paga a inativos por entidade privada de previdência complementar. 4. Recurso parcialmente provido. (REsp 1.281.690/RS, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 26.09.2012, DJe 02.10.2012) Na oportunidade, assinalou-se que: (i) o "abono único", concedido aos empregados em atividade, mediante convenção coletiva de trabalho, não ostenta caráter salarial, mas, sim, indenizatório, malgrado o disposto no § 1º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, na linha da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (Orientação Jurisprudencial 346 da Seção de Dissídios Individuais I); (ii) a determinação de pagamento de valores sem respaldo no plano de custeio implica desequilíbrio econômico atuarial da entidade de previdência privada com prejuízo para a universalidade dos participantes e assistidos, o que fere o princípio da primazia do interesse coletivo do plano (exegese defluente da leitura do artigo 202, caput, da Constituição da República de 1988 e da Lei Complementar 109/2001); e (iii) existência de proibição expressa da incorporação do abono nos proventos de complementação de aposentadoria no parágrafo único do artigo 3º da Lei Complementar 108/2001 (específica para entidades fechadas de previdência privada). 3. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental interposto pelo autor e provejo aquele deflagrado pela entidade de previdência privada, para, reconsiderando a decisão agravada, dar integral provimento ao recurso especial, julgando improcedente a pretensão formulada na inicial e condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), observado o disposto no artigo 12 da Lei 1.060/50. É como voto.