RECURSO ESPECIAL Nº 1.423.898 - MS (2012/0248523-5)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : ELIZEU FERNANDES TABOSA FILHO
ADVOGADO : ALEXANDRE CÉSAR DEL GROSSI E OUTRO(S)
RECORRIDO : ALVARO BERTOLDO FERNANDES
ADVOGADO : SIRLEY CÂNDIDA DE ALMEIDA KOWALSKI E OUTRO(S)
RECORRIDO : WALTER ANTUNES ROSA
ADVOGADO : ALEXANDRE AGUIAR BASTOS E OUTRO(S)
RECORRIDO : IRINEU FRANCISCO GASPAR
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
RECORRIDO : PAULINHO KOWALSKI
ADVOGADO : JEAN PHIERRE DA SILVA VARGAS E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por ELIZEU FERNANDES TABOSA FILHO em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL - INTERDITO PROIBITÓRIO - SENTENÇA 'EXTRA PETITA' - NÃO CONFIGURADA - AÇÃO DE CARATER DÚPLICE - POSSIBILIDADE DA FORMULAÇÃO DE PEDIDO CONTRAPOSTO - ART. 922 C/C 921 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - COISA JULGADA - AFASTADA - AMEAÇA A POSSE - DANO MORAL - AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DA PRATICA DE ATO ILÍCITO - SERVIDÃO DE PASSAGEM - TITULARIDADE DO PRÉDIO DOMINANTE - EMBARAÇOS AO EXERCÍCIO DO DIREITO REAL - RETORNO AO 'STATUS QUO ANTE' - RECURSO IMPROVIDO.
Em razão do caráter dúplice das ações possessórias, é dado ao requerido, em sede de defesa, dispensada a necessidade de reconvenção, formular pedido e arguir as matérias previstas no artigo 921, do Código de Processo Civil.
Não há coincidência entre ações com partes e causa de pedir diferentes, razão pela qual é afastada a preliminar de coisa julgada.
A concessão da medida pretendida depende da configuração da ameaça à posse, a qual não restando evidenciada enseja o desacolhimento do pedido, na espécie, a simples passagem e manifestação por servidão de passagem não é capaz de caracterizar ameaça à posse.
Não demonstrado o abalo psicológico, deve ser rejeitado o pedido de indenização por dano moral.
Sendo o apelado proprietário do prédio dominante da servidão de passagem, cabe-lhe a titularidade do instituto, não, sendo permitido ao prédio serviente criar embaraços a seu exercício, devendo a via retomar ao seu status quo ante. (fl. 653)
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
Em suas razões, alega a parte recorrente violação do art. 922 do Código de Processo Civil, além dos arts. 1.383 e 1.385 do Código Civil, sob os argumentos de: (a) necessidade de reconvenção para se condenar o autor da ação de interdito proibitório ao cumprimento de obrigação de fazer; e (b) agravamento demasiado do encargo imposto ao dono do prédio serviente. Aduz, também, dissídio pretoriano.
Contrarrazões ao recurso especial às fls. 720/726, 729/744 e 752/757.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.423.898 - MS (2012/0248523-5)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Eminentes colegas, o recurso especial não merece provimento.
A controvérsia devolvida ao conhecimento desta Corte tem origem na substituição de mata-burros por porteiras numa servidão de passagem, por iniciativa do dono do prédio serviente, ora recorrente.
O ora recorrente ajuizou ação de interdito proibitório sob o argumento de que estaria sofrendo coação por parte dos ora recorridos para retirar as porteiras instaladas na servidão.
Os pedidos foram julgados improcedentes, tendo-se acolhido o pedido contraposto para condenar autor da demanda, ora recorrente, a retirar as porteiras e reinstalar os mata-burros, o que culminou com a interposição do presente recurso especial.
Inicialmente, cumpre transcrever o disposto nos arts. 921 e 922 do Código de Processo Civil, litteris:
Art. 921. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:
I - condenação em perdas e danos;
II - cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho;
III - desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.
Art. 922. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.
Sustenta a parte recorrente que o pedido contraposto, como exceção no processo civil, estaria limitado às tutelas expressamente descritas no art. 922, quais sejam, proteção possessória e indenização dos prejuízos.
Porém, com a reforma processual operada com a Lei 10.444/02, consagrou-se a ideia de atipicidade dos meios de tutela das obrigações de fazer, não-fazer e de entrega de coisa, de modo a privilegiar a obtenção da tutela específica da obrigação, em vez da conversão da obrigação em perdas e danos.
A propósito, confira-se a atual redação dos arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6º. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
§ 1º. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
§ 2º. Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.
§ 3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art. 461.
Sobre essa mudança de paradigmas ocorrida no processo civil, cumpre transcrever a doutrina de LUIZ GUILHERME MARINONI, verbis:
Trata-se da superação do princípio da tipicidade das formas executivas, outrora visto como garantia da liberdade dos cidadãos contra a possibilidade de arbítrio judicial, e agora pensado como obstáculo à efetiva tutela do direito.
Lembre-se que, na concepção do direito liberal clássico, não seria correto dar o poder de executar ao julgador, pois aí ?o juiz seria mais do que juiz?, podendo se constituir em um ?opressor? e, assim, colocar em risco as liberdades. Dar ao juiz, que apenas deveria proclamar as palavras da lei, o poder de execução, seria tão ou mais grave do que lhe conferir poder para criar a lei. Chegou-se a sustentar, até mesmo, que a execução consistiria em uma função menos nobre do que a de ?dizer o direito?.
Porém, quando se entendeu que a execução deveria ser entregue à jurisdição, estabeleceu-se, para se garantir a liberdade e evitar o arbítrio do judiciário, o princípio de que o juiz, além de depender da iniciativa da parte, somente poderia admitir os meios executivos expressamente tipificados na lei.
Não há dúvida de que a separação entre processo de conhecimento e processo de execução derivou de uma exigência prática, decorrente da tese de que a ação condenatória ?morre por consumação?. Diante dessa idéia, e sustentando-se a eventualidade da execução, afirmou-se que essa, quando necessária, deveria dar origem a um novo e separado processo.
Acontece que a suposição de que a ação condenatória é suficiente em si mesma é desmentida pelo entendimento de que a condenação é apenas uma fase para a integral prestação da tutela jurisdicional e, especialmente, pela nova fisionomia que o Estado assumiu na sociedade contemporânea.
Se o Estado possui dever de proteção e, assim, dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva, ele não pode tratar a execução como algo que não lhe diz respeito, deixando-a a livre disposição daquele que obteve a sentença. Ora, diante das novas funções do Estado, não se pode pensar que a sua tarefa jurisdicional termina, quando o direito depende de atuação na realidade, no momento em que a sentença é proferida.
Não foi por outra razão que os arts. 461 e 461-A do CPC e o art. 84 do CDC deram ao juiz o poder de atuar de ofício, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, para estabelecer multa, alterar o seu valor, ou ainda modificar a medida executiva já instituída, libertando o juiz das amarras do legislador, mas não o deixando, como é óbvio, sem controle algum, uma vez que esse passou a ser feito pela regra da proporcionalidade.
Ou melhor, a necessidade do juiz se vincular à execução, podendo agir de ofício para conceder a medida executiva que lhe parecer adequada ao caso concreto, é que levou a concentração da execução com o conhecimento, dando ao juiz o poder de exercer atividade executiva ainda que sem a propositura de ação de execução. Ou melhor: a dispensa da ação de execução tem nítida intenção de conferir ao juiz que proferiu a sentença a possibilidade de determinar a medida executiva adequada ao caso concreto, mesmo que não expressamente tipificada na lei.
(Novas Sentenças e os novos Poderes do Juiz para a prestação da tutela. Rio de Janeiro. Revista Forense, vol. 377, jan./fev. 2005, p. 642)
Desse modo, à luz do princípio da atipicidade dos meios de execução, a circunstância de o art. 922 mencionar apenas a tutela de natureza possessória e a tutela ressarcitória (indenização pelos prejuízos) não impede o juiz de conceder a tutela de remoção do ato ilícito.
No caso concreto, o ato ilícito reconhecido pelo Tribunal a quo teria sido a substituição de mata-burros por porteiras na servidão de passagem, de modo que a remoção do ato ilícito se dá com a retirada das porteiras e a reinstalação dos mata-burros, conforme determinado na sentença (fls. 434).
Assim, não há falar em ofensa ao art. 922 do Código de Processo Civil, mas de interpretação desse dispositivo à luz dos novos princípios que passaram a orientar a execução das obrigações de fazer, não-fazer e entrega de coisa.
De outra parte, no que tange ao alegado agravamento do encargo imposto ao dono do prédio serviente, o Tribunal de origem entendeu que não se trataria de agravamento, mas de mero retorno ao status quo ante.
Assim, elidir as conclusões do aresto impugnado demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial a teor da Súmula 7/STJ.
Destarte, o recurso especial não merece ser provido.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.