Inteiro teor - HC 300997

Copiar
HABEAS CORPUS Nº 300.997 - MG (2014/0195651-4) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA IMPETRANTE : SHEILLA SILVA ANDRADE CORDEIRO ADVOGADO : MAURÍLIO NERIS ANDRADE ARRUDA IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS PACIENTE : ANTÔNIO RIBEIRO DA SILVA (PRESO) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA(Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de ANTÔNIO RIBEIRO DA SILVA, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (HC n. 1.0000.14.042678-4/000). Infere-se dos autos que o paciente, preso preventivamente, foi denunciado por suposta infração ao art. 173 do Código Penal (abuso de incapaz), porque, em tese, na qualidade de advogado, teria se utilizado de procuração assinada por incapaz para sacar importâncias em dinheiro de duas contas bancárias da vítima, sem que realizasse o serviço jurídico contratado. Irresignada a defesa impetrou habeas corpus, perante o Tribunal de origem, que não conheceu do writ, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 115): EMENTA: HABEAS CORPUS. ABUSO DE INCAPAZ. ACAUTELAMENTO EM SALA DE ESTADO MAIOR. ABUSO DE AUTORIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DOS PEDIDOS. 1 - Não tendo o habeas corpus sido instruído com os documentos necessários para aferir o alegado constrangimento ilegal que o paciente estaria sofrendo, torna-se inviável averiguar os fatos narrados, impondo-se o não conhecimento da impetração. 2 - Writ não conhecido. Na presente oportunidade, a defesa alega, em síntese, que o paciente é advogado ativo dos quadros da OAB/MG e se encontra recolhido no Pavilhão H, da Penitenciária Nelson Hungria, em local insalubre e sem ventilação, juntamente com mais 15 presos. Afirma que não há vaga em estabelecimento adequado destinada à prisão de advogados, situação reconhecida pelo próprio STF quando do julgamento do HC n. 123.391, naquela Corte. Sustenta que o paciente está preso há mais de um ano, sem que tenha havido a prolação de sentença penal condenatória, "o que configura constrangimento ilegal, ainda mais levando em conta que ao paciente lhe é assegurado a garantia da prisão especial em Sala de Estado Maior, o que não existe no Estado de Minas Gerais" (e-STJ fl. 6). Diante disso, requer a concessão de prisão domiciliar. Indeferida a liminar (e-STJ fls. 44/45), bem como o pedido de reconsideração (e-STJ fls. 149/150) e prestadas as informações (e-STJ fls. 55/120), o Ministério Público Federal manifestou-se pela parcial prejudicialidade do writ e, no mais, pela denegação da ordem (e-STJ fls. 158/159). É o relatório. HABEAS CORPUS Nº 300.997 - MG (2014/0195651-4) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA(Relator): Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015. No entanto, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar. Sustenta a impetrante que o paciente sofre constrangimento ilegal diante do excesso de prazo da prisão cautelar e da falta de Sala de Estado Maior, garantida aos advogados, no Estado de Minas Gerais. Pleiteia, portanto, a expedição de alvará de soltura ou, sucessivamente, seja a prisão convertida em domiciliar. Alega a impetrante que o paciente, advogado comprovadamente inscrito nos quadros da OAB/SP, encontra-se custodiado no Pavilhão H, da Penitenciária Nelson Hungria, em local insalubre e sem ventilação, juntamente com mais 15 presos. A esse respeito, concluiu o Tribunal de Justiça local (e-STJ fls. 117/118): Portanto, em relação aos pedidos aventados na inicial, resta a análise da alegação de desrespeito à Lei 8.906/94, que estabelece como prerrogativa dos advogados não serem recolhidos presos, antes da sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar, bem como da tese de abuso de autoridade pelo juiz singular, em razão da não apreciação do pedido de revogação da custódia cautelar e demora para prolação da sentença. Entretanto, em que pesem as alegações constantes da inicial, não assiste razão ao impetrante, vez que a parca instrução do feito impede o conhecimento deste habeas corpus. Com efeito, ao interessado cumpre instruir os autos de tal sorte a permitir a completa compreensão de suas alegações. In casu, verifico que a inicial não veio acompanhada de nenhum documento, o que torna inviável aferir o alegado constrangimento ilegal. Não há documento que demonstre a alegada irregularidade na segregação cautelar do paciente. Também não há comprovação de que o douto Magistrado a quo deixou de analisar qualquer requerimento acerca da custódia cautelar do paciente ou haja uma demora injustificada para a prolação da sentença. Ressalte-se que incumbe ao impetrante comprovar o alegado constrangimento ilegal sofrido, pois é assente na doutrina e na jurisprudência pátria que o habeas corpus, instrumento processual de rito especial e célere, exige prova pré-constituída por não comportar o seu curso qualquer dilação probatória. (...). No caso em comento, mostra-se impossível aferir se, de fato, o douto Juiz a quo deixou de apreciar algum requerimento do impetrante e se há demora injustificada para a prolação da sentença, bem como verificar se a prisão preventiva fere as prerrogativas estabelecidas no Estatuto da OAB. Em relação à segregação cautelar, frise-se que a jurisprudência pátria estabelece que a prisão provisória de advogados não infringe a norma do art. 7º da Lei 8.906/94 caso o agente se encontre em cela especial individual, com instalações e comodidades condignas. Ora, o Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994) garante ao advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória, o direito de "não ser recolhido preso [...], senão em sala de Estado-Maior [...] e, na sua falta, em prisão domiciliar" (art. 7º, inciso V). Posteriormente, a Lei n. 10.258/2001, alterando o art. 295 do Código de Processo Penal, dispôs que, ?não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento? (§ 2º). Todavia, o aparente conflito entre as normas do art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (norma anterior especial) e da Lei n. 10.258/2001 (norma posterior geral), que alterou o art. 295 do CPP, é superado pela aplicação do critério da especialidade ("lex posterior generalis non derogat priori speciali"). Assim, não obstante o advento da Lei n. 10.258/2001, há de se respeitar a prerrogativa de índole profissional, qualificável como direito público subjetivo do advogado regularmente inscrito na OAB. Nesse sentido, o seguinte precedente da Suprema Corte: ADVOGADO ? CONDENAÇÃO PENAL MERAMENTE RECORRÍVEL ? PRISÃO CAUTELAR ? RECOLHIMENTO À ?SALA DE ESTADO-MAIOR? ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA ? PRERROGATIVA PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V) ? INEXISTÊNCIA, NO LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE QUALIFIQUE COMO ?SALA DE ESTADO-MAIOR? ? HIPÓTESE EM QUE SE ASSEGURA, AO ADVOGADO, O RECOLHIMENTO ?EM PRISÃO DOMICILIAR? (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V, ?IN FINE?) ? SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001 ? INAPLICABILIDADE DESSE DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS ? EXISTÊNCIA, NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVEL ? SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE ? PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIA ? CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA ? PEDIDO DE ?HABEAS CORPUS? DEFERIDO. - O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em norma não derrogada pela Lei nº 10.258/2001 (que alterou o art. 295 do CPP), garante, ao Advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, o direito de ?não ser recolhido preso (...), senão em sala de Estado-Maior (...) e, na sua falta, em prisão domiciliar? (art. 7º, inciso V). - Trata-se de prerrogativa de índole profissional ? qualificável como direito público subjetivo do Advogado regularmente inscrito na OAB ? que não pode ser desrespeitado pelo Poder Público e por seus agentes, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina. Jurisprudência. Essa prerrogativa profissional, contudo, não poderá ser invocada pelo Advogado, se cancelada a sua inscrição (Lei nº 8.906/94, art. 11) ou, então, se suspenso, preventivamente, o exercício de sua atividade profissional, por órgão disciplinar competente (Lei nº 8.906/94, art. 70, § 3º). - A inexistência, na comarca ou nas Seções e Subseções Judiciárias, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do Advogado confere-lhe, antes de consumado o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o direito de beneficiar-se do regime de prisão domiciliar (RTJ 169/271-274 ? RTJ 184/640), não lhe sendo aplicável, considerado o princípio da especialidade, a Lei nº 10.258/2001. - Existe, entre o art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (norma anterior especial) e a Lei nº 10.258/2001 (norma posterior geral), que alterou o art. 295 do CPP, situação reveladora de típica antinomia de segundo grau, eminentemente solúvel, porque superável pela aplicação do critério da especialidade (?lex posterior generalis non derogat priori speciali?), cuja incidência, no caso, tem a virtude de preservar a essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227), permitindo, assim, que coexistam, de modo harmonioso, normas em relação de (aparente) conflito. Doutrina. Consequente subsistência, na espécie, não obstante o advento da Lei nº 10.258/2001, da norma inscrita no inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, ressalvada, unicamente, por inconstitucional (ADI 1.127/DF), a expressão ?assim reconhecidas pela OAB? constante de referido preceito normativo. (STF, Segunda Turma, HC n. 109.213/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 28/8/2012). Pelos mesmos fundamentos (adoção do princípio da especialidade), não se há de adotar os ditames do art. 318 do Código de Processo Penal, alterados pela Lei n. 12.403/2011, que disciplinam a respeito da prisão domiciliar, tal qual pretendeu fazer o acórdão do Tribunal de origem. Dessa forma, ainda que o paciente não preencha os requisitos previstos no art. 318 do CPP, há de se adotar as disciplinas da Lei n. 8.906/1994, conquanto seja mais antiga. Cumpre-se verificar, pois, se o cumprimento da prisão preventiva em cela individual fere o art. 7º, V, do Estatuto da Advocacia. É da jurisprudência das Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior que "a ausência, simplesmente, de sala do Estado Maior não autoriza seja deferida prisão domiciliar ao paciente, advogado, preso preventivamente, dado que encontra-se segregado em cela separada do convívio prisional, em condições dignas de higiene e salubridade, inclusive com banheiro privativo" (HC n. 270.161/GO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 25/8/2014). No mesmo sentido, entre vários precedentes da Quinta Turma deste Superior Tribunal, podem-se destacar os seguintes: HC n. 149.056/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 30/8/2010; HC n. 247.648/RS, Rel. Min. Campos Marques, DJe 17/12/2012; HC n. 62.867/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 17/3/2008; HC n. 28.203/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 19/12/2003. Assim, entende-se que caso o paciente esteja em cela individual, sem registro de eventual inobservância das condições mínimas de salubridade e dignidade humanas, separado dos outros presos e sem o rigor e a insalubridade do cárcere comum, não há falar em constrangimento ilegal em razão das instalações em que ele se encontra recolhido. Destarte, como bem destacou o Tribunal de origem não tendo sido apresentados documentos comprobatórios do alegado, não há constrangimento ilegal a ser sanado. Nesse particular, não é demais lembrar que o rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos, a existência de constrangimento ilegal imposto ao paciente. De outro vértice, conforme informado pela apontada autoridade coatora, houve a superveniência da sentença condenatória, assim, fica superada a alegação de excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal. Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. É como voto. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator