RECURSO ESPECIAL Nº 1.769.338 - AM (2018/0250557-5)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE MANAUS
PROCURADOR : ALDENAIRA PAULA DE FREITAS E OUTRO(S) - AM002191
RECORRIDO : MARIA DE FATIMA RIBEIRO RODRIGUES
ADVOGADO : CHRISTIANE DI FELÍCIO FERREIRA DA SILVA - AM003631
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto pelo Município de Manaus, com fundamento no art. 105, III, "a", da CF/1988, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas assim ementado:
EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL. ARTIGO 1.000 DO CPC. ATUAÇÃO INCOMPATÍVEL COM A VONTADE DE RECORRER. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO.
I - Não se conhece do recurso quando o apelante atua de forma contrária à vontade de recorrer, aquiescendo tacitamente ao decisum. Inteligência do art. 1.000 do NCPC.
II - Apelação não conhecida.
Os Embargos de Declaração opostos foram rejeitados.
Nas razões do apelo especial, o Município alega violação dos arts. 1.022, II, e 489, § 1º, IV e VII, do CPC/2015; e 1º do Decreto 20.910/1932.
Sustenta, preliminarmente, que "o Recorrente insatisfeito com a decisão do Tribunal a quo, opôs os Embargos de Declaração alegando que continham pontos omissos, em especial a não análise da prescrição. Assim mesmo a Corte de Justiça local se manteve silente não analisando o caso a contento" (fl. 462, e-STJ).
Argumenta ainda:
A Recorrida requereu o enquadramento funcional e financeiro por titulação inicialmente em 2011 e, posteriormente em 2014 momentos ulteriores ao lapso temporal exigido na Lei Municipal nº 1.222/08, relembrando que o prazo para requerer o enquadramento era de 180 (cento e oitenta) dias.
Sendo assim, o marco inicial para requerer o enquadramento começaria a fluir em 27 de março de 2008, com término em 27 de setembro de 2008.
A partir dessa data (27 de março de 2008) começaria a fluir o prazo prescricional para qualquer tipo de pedido por parte da Apelada, inclusive a ação judicial, visto que essa ocorreu em 20 de agosto de 2015. Sendo assim, foi ultrapassado - e muito - o prazo para qualquer insatisfação no que diz respeito ao não enquadramento funcional da Recorrida.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido sobre o prazo prescricional acerca do enquadramento funcional do servidor, qual seja, cinco anos, de acordo com o artigo do Decreto nº 20.910/31 (fls. 469-470, e-STJ).
Contrarrazões às fls. 483-492, e-STJ.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.769.338 - AM (2018/0250557-5)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste gabinete em 18 de outubro de 2018.
Não merece prosperar a irresignação.
Inicialmente, afasto a apontada violação dos arts. 489, § 1º, e 1.022 do CPC/2015, na medida em que não se constata omissão, obscuridade ou contradição nos acórdãos recorridos capazes de torná-los nulos, especialmente porque o Tribunal de origem apreciou a demanda de forma clara e precisa, estando bem delineados os motivos e fundamentos que embasam o decisum.
Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução.
Ademais, não se pode confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
No mais, para melhor elucidação da matéria, cumpre transcrever, no que interessa, o voto condutor do acórdão objurgado:
Suscitou a apelada a preliminar de não conhecimento do recurso, ante a incompatibilidade de atos da administração com a vontade de recorrer, tendo em vista que o Apelante iniciou o processo de pagamento da condenação obtida no presente processo, tendo pago a Apelada o valor de R$32.641,18, conforme contracheque anexo.
Com razão a apelada.
Extrai-se do artigo 1.000 do CPC que se a parte atuar de forma contrária à vontade de recorrer, seu recurso não merece o conhecimento.
(...)
Compulsando os autos, verifico que a sentença recorrida concedeu tutela de evidência apenas para o imediato enquadramento da autora na Classe F-5 e somente no julgamento do mérito, condenou o Município ao pagamento das diferenças salariais devidas, de forma retroativa a outubro de 2008 e seus respectivos reflexos sobre 13° salário, férias + 1/3, em valor monetário a ser apurado em liquidação de sentença.
Como se vê do documento acostado à fl. 362, a Administração procedeu ao pagamento de R$32.641,18 sob as rubricas de "DIF DE SUBSIDOS"; "DIFERENÇA DE FERIAS"; "DIF. 13. SAL. ANO ANT" " DIF. AD. 1/3. SAL. ANO ANT"; "DIF. DE SUB. ANO ANT.", descontados Imposto de Renda e Previdência, não havendo quaisquer ressalvas quanto a eles.
Assim, não se conhece do recurso quando o apelante atua de forma contrária a vontade de recorrer, aquiescendo tacitamente ao decisum.
Ante o exposto, em aplicação ao artigo 1.000 do CPC, não conheço da apelação interposta (fls. 371-372, e-STJ).
Não obstante as razões explicitadas pelo Tribunal a quo, ao interpor o recurso, o recorrente não impugnou o fundamento acima mencionado. Ao proceder dessa forma, não observara o recorrente as diretrizes fixadas pelo princípio da dialeticidade, dentre as quais indispensável a pertinência temática entre as razões de decidir e os fundamentos fornecidos pelo recurso para justificar o pedido de reforma ou de nulidade do julgado.
Assim, não sendo o argumento atacado pela parte recorrente e, como é apto, por si só, para manter o decisum combatido, permite aplicar na espécie, por analogia, os óbices das Súmulas 284 e 283 do STF, ante a deficiência na motivação e a ausência de impugnação de fundamento autônomo.
Nessa esteira:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. EXIGÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
1. O princípio da dialeticidade impõe ao recorrente o ônus de demonstrar o desacerto da decisão agravada.
2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "em obediência ao princípio da dialeticidade, os recursos devem impugnar, de maneira clara, objetiva, específica e pormenorizada todos os fundamentos da decisão contra a qual se insurgem, sob pena de vê-los mantidos (AgRg no AREsp 1262653/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 30/05/2018)" (AgRg no AREsp 618.056/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 01/08/2018).
3. Agravo regimental não conhecido.
(AgInt nos EDcl no AREsp 1294340/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 02/10/2018)
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RAZÕES DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284 DO STF.
1. A Corte Regional, ao julgar o Mandado de Segurança, denegou a ordem por entender que não há necessidade que justifique a impetração do mandamus quando já alcançado, administrativamente, o objeto da pretensão.
2. Não obstante as razões explicitadas pela instância a quo, ao interpor o recurso, a recorrente não impugnou o fundamento acima mencionado no tocante à desnecessária impetração do Mandado de Segurança tendo em vista que a sua pretensão já havia sido alcançada pela via administrativa.
3. Ao proceder dessa forma, não observou a recorrente as diretrizes fixadas pelo princípio da dialeticidade, dentre as quais se destacar a indispensável pertinência temática entre as razões de decidir e os fundamentos fornecidos pelo recurso para justificar o pedido de reforma ou de nulidade do julgado. Incidência, por analogia, das Súmulas 283 e 284 do STF.
4. Recurso em Mandado de Segurança não conhecido.
(RMS 54.537/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 18/10/2017)
Ademais, tendo o Tribunal a quo entendido que ocorreu a preclusão do direito dos recorrentes, para alterar tal conclusão seria necessário o reexame de provas, o que é inviável ante óbice da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Ilustrativamente:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO PREVISTA NO ART. 57, I, DA LEI 9.615/1998 (LEI PELÉ). INTERPOSIÇÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO LÓGICA APONTADA PELA CORTE LOCAL. NECESSIDADE DE REEXAME DOS FATOS E DAS PROVAS. INCIDÊNCIA. SÚMULA 7/STJ.
1. Cuida-se, originariamente, de Ação de Cobrança ajuizada pela Federação das Associações de Atletas Profissionais contra o Sport Club Internacional, ora recorrente, visando à condenação ao pagamento da contribuição prevista no art. 57, I, da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé).
2. A sentença julgou procedente o pedido, tendo sido mantida por ocasião do julgamento da Apelação. Fundamentou a Corte local falta de interesse recursal, tendo em vista a suposta concordância do recorrente com as conclusões do laudo pericial que serviu de base para a condenação.
3. Nesse sentido, o Tribunal de origem concluiu: "Aliás, o requerido solicitou que fosse considerado o laudo complementar retificado pelo Experto (fls. 437/438), o qual foi levado em consideração pelo Julgador de 1º grau e agora em sede de recurso a parte pretende a modificação do julgado, sendo irrefutável a aplicação do instituto da preclusão lógica ao caso em tela" (fl. 539, e-STJ).
4. Decidir de forma contrária ao que ficou expressamente consignado no v. acórdão recorrido implica revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.
5. Recurso Especial não conhecido.
(REsp 1693960/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2017, DJe 19/12/2017) (Grifei).
Diante do exposto, conheço em parte do Recurso Especial e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É como voto.