RECURSO ESPECIAL Nº 1.694.417 - SP (2015/0313434-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARIA ZAÍRA BAPTISTA DE MELLO
RECORRENTE : ANNA BEATRIZ BAPTISTA DE MELLO - POR SI E REPRESENTANDO
RECORRENTE : RICARDO MURILLO ROCHA DE MELLO - ESPÓLIO
ADVOGADO : MARIA EDUARDA APARECIDA MATTO GROSSO BORGES E OUTRO(S) - SP079934
ADVOGADA : CLIMENE QUIRIDO - DF006064
RECORRIDO : FERNANDA PATRICIA RAMOS DE MELLO
ADVOGADO : FERNANDA PATRÍCIA RAMOS DE MELLO (EM CAUSA PRÓPRIA) - SP239049
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por MARIA ZAÍRA BAPTISTA DE MELLO, ANNA BEATRIZ BAPTISTA DE MELLO e ESPÓLIO DE RICARDO MURILLO ROCHA DE MELLO, com base nas alíneas ?a? e ?c? do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação por eles interposto, mantendo-se a sentença que reconheceu a prescrição da pretensão deduzida na ação de nulidade de doação cumulada com pretensão de reconhecimento de sonegação de bem.
Recurso especial interposto em: 17/10/2014.
Atribuído ao gabinete em: 25/08/2016.
Ação: de nulidade de doação cumulada com reconhecimento de sonegação de bem.
Sentença: acolheu a arguição de prescrição em relação à pretensão de nulidade da doação e julgou improcedente o pedido de reconhecimento da sonegação de bem (fls. 196/200, e-STJ).
Acórdão: por unanimidade, negou-se provimento ao recurso de apelação, nos termos da seguinte ementa:
AÇÃO DE SONEGADOS ? NEGÓCIO SIMULADO ? BEM QUE TERIA SIDO ADQUIRIDO PELO FALECIDO, MAS COLOCADO NO NOME DA FILHA ? PRETENSÃO ANULATÓRIA DA ESCRITURA PÚBLICA ? PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA ? APLICAÇÃO DO ARTIGO 177, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 ? PRAZO, QUE, ADEMAIS, DEVE SER COMPUTADO A PARTIR DA PRÁTICA DO ATO IMPUNGADO ? PRESCRIÇÃO RECONHECIDA ? SENTENÇA MANTIDA ? RECURSO NÃO PROVIDO. (fls. 298/304, e-STJ).
Recurso especial: alega-se violação ao art. 177 do CC/1916, ao fundamento de que o termo inicial da prescrição vintenária da pretensão de reconhecimento da sonegação de bem seria a data do fim do prazo para colacionar bens ao inventário e não a data da aquisição do imóvel objeto da doação que se pretende nulificar (fls. 307/324, e-STJ).
Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 389/393, e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.694.417 - SP (2015/0313434-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARIA ZAÍRA BAPTISTA DE MELLO
RECORRENTE : ANNA BEATRIZ BAPTISTA DE MELLO - POR SI E REPRESENTANDO
RECORRENTE : RICARDO MURILLO ROCHA DE MELLO - ESPÓLIO
ADVOGADO : MARIA EDUARDA APARECIDA MATTO GROSSO BORGES E OUTRO(S) - SP079934
ADVOGADA : CLIMENE QUIRIDO - DF006064
RECORRIDO : FERNANDA PATRICIA RAMOS DE MELLO
ADVOGADO : FERNANDA PATRÍCIA RAMOS DE MELLO (EM CAUSA PRÓPRIA) - SP239049
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA NOMINADA COMO AÇÃO DE SONEGADOS. IRRELEVÂNCIA DO NOMEN JURIS. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA CONTROVÉRSIA A PARTIR DO PEDIDO E DAS CAUSAS DE PEDIR. DIREITO DE ANULAR NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO. PRAZO DECADENCIAL QUADRIENAL, QUE SE INICIA COM A REALIZAÇÃO DO ATO OU CONTRATO. INVABILIDADE DO PLEITO TAMBÉM SOB A ÓTICA DO PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ACTIO NATA.
1- Ação distribuída em 21/10/2009. Recurso especial interposto em 17/10/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016.
2- O propósito recursal consiste em definir, a partir do pedido e das causas de pedir da ação proposta, a natureza jurídica do pedido e o prazo prescricional ou decadencial aplicável à hipótese em que se pretende anular escritura pública de compra e venda e, consequentemente, colacionar ao inventário bem imóvel alegadamente sonegado.
3- Para a adequada delimitação do objeto litigioso, inclusive para o fim de definir a ocorrência ou não de decadência ou prescrição, é imprescindível o exame do pedido e das causas de pedir delineadas na petição inicial, sendo irrelevante o nome atribuído à ação ou o fundamento legal indicado na petição inicial. Precedentes.
4- Hipótese em que se pretende a anulação de escritura pública de compra e venda de imóvel alegadamente lavrada mediante simulação entre vendedor, genitor falecido e herdeira, cujo acolhimento levaria à necessidade lógica de colação do bem ao inventário do de cujus.
5- O direito de anular escritura pública sob o fundamento de que o negócio foi simulado se extingue no prazo decadencial quadrienal previsto no art. 178, §9º, V, ?b?, do CC/1916. Precedentes.
6- Inviabilidade de acolhimento do pleito autoral também sob a ótica do prazo prescricional vintenário previsto no art. 177 do CC/1916, tendo em vista que, de acordo com a teoria da actio nata, a pretensão nascer quando há ciência inequívoca da lesão e de sua extensão, permitindo-se o ajuizamento da ação que, na hipótese, apenas foi proposta mais de 20 (vinte) anos após o termo inicial do prazo prescricional.
7- Recurso especial conhecido e desprovido.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.694.417 - SP (2015/0313434-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARIA ZAÍRA BAPTISTA DE MELLO
RECORRENTE : ANNA BEATRIZ BAPTISTA DE MELLO - POR SI E REPRESENTANDO
RECORRENTE : RICARDO MURILLO ROCHA DE MELLO - ESPÓLIO
ADVOGADO : MARIA EDUARDA APARECIDA MATTO GROSSO BORGES E OUTRO(S) - SP079934
ADVOGADA : CLIMENE QUIRIDO - DF006064
RECORRIDO : FERNANDA PATRICIA RAMOS DE MELLO
ADVOGADO : FERNANDA PATRÍCIA RAMOS DE MELLO (EM CAUSA PRÓPRIA) - SP239049
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal consiste em definir, a partir do pedido e das causas de pedir da ação proposta, a natureza jurídica do pedido e o prazo prescricional ou decadencial aplicável à hipótese em que se pretende anular escritura pública de compra e venda e, consequentemente, colacionar ao inventário bem imóvel alegadamente sonegado.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONTROVÉRSIA E EXAME DOS PEDIDOS E DAS CAUSAS DE PEDIR DEDUZIDAS NA PETIÇÃO INICIAL DAS RECORRENTES.
Para melhor compreensão da controvérsia, destaque-se, inicialmente, que as recorrentes ajuizaram ação em que pretendem, como consta do pedido:
Requer e aguarda-se a procedência da presente ação, com declaração de que em face da nulidade da doação feita pelo falecido Ricardo Murillo Rocha de Mello e ante a sonegação por parte da ré, o imóvel designado (...) passa a compor o patrimônio do espólio de Ricardo Murillo Rocha de Mello, sem que em relação a ele caiba qualquer direito à ré, diante da aplicação da penalidade do artigo 1992 do Código Civil, condenando-a ainda ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios a serem arbitrados em seu grau máximo.
A despeito de a redação dada ao pedido não ser suficientemente clara no que se refere à natureza da postulação e ao objeto da ação, verifica-se, a partir da leitura da petição inicial e das causas de pedir aduzidas (fls. 5/13, e-STJ), que não se trata de uma ação de sonegados, a despeito de ter sido assim nominada pelas recorrentes.
De fato, o objeto central da controvérsia consiste em apurar, como destacado na sentença, ?se o bem foi adquirido pela ré, com recursos por ela recebidos de uma irmã e da mãe, ou se os recursos para a aquisição teriam sido doados pelo pai da ré, sem que isso fosse consignado na escritura, dissimulando-se a doação do pai à filha por via da simulação da compra e venda feita diretamente pela então menor? (fl. 199, e-STJ).
Diante desse objeto, a pretensão autônoma deduzida pelas recorrentes é a de anulação da escritura pública alegadamente lavrada mediante simulação, a fim de que seja reconhecido que a aquisição do bem imóvel de propriedade de JOÃO CARLOS DE MOURA VACCARELI se deu com recursos do genitor falecido RICARDO e que o registro do imóvel em nome da recorrida, em verdade, seria uma doação do genitor à recorrida que se configuraria adiantamento da legítima, o que se fez com fundamento no art. 167 do CC/2002.
Se acolhida a pretensão de que o imóvel em disputa pertenceria ao de cujus e não à recorrida, o reconhecimento de que o referido bem deveria ser levado à colação no inventário seria um mero consectário lógico do acolhimento da pretensão das recorrentes.
De outro lado, também se extrai da narrativa delineada na petição inicial e do pedido anteriormente reproduzido, a pretensão condicionada de que, se porventura acolhido o pedido antecedente, seja igualmente aplicada à recorrida a sanção civil de perda do direito sobre o referido bem, ao fundamento de que a sonegação teria ocorrido de má-fé e com o intuito de prejudicar os demais herdeiros ? art. 1.992 do CC/2002.
A exata delimitação dos pedidos e das suas respectivas causas de pedir é de suma relevância, na medida em que a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que ?para determinação do prazo prescricional ou decadencial aplicável deve-se analisar o objeto da ação proposta, deduzido a partir da interpretação sistemática do pedido e da causa de pedir, sendo irrelevante o nome ou o fundamento legal apontado na inicial? (REsp 1.321.998/RS, 3ª Turma, DJe 2008/2014).
2. NATUREZA JURÍDICA DO PEDIDO E PRAZO PRESCRICIONAL OU DECADENCIAL APLICÁVEL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 177 DO CC/1916.
Delimitado o objeto da controvérsia, verifica-se que a pretensão das recorrentes é de anular a escritura pública lavrada em 17/06/1985, referente à aquisição do bem imóvel de propriedade de JOÃO CARLOS DE MOURA VACCARELI, ao fundamento de que o real adquirente do referido bem seria RICARDO MURILLO ROCHA DE MELLO, genitor das recorrentes, e não à recorrida, motivo pelo qual o referido bem deveria ser levado à colação no inventário de RICARDO.
Como destacado, há uma pretensão deduzida pelas recorrentes ? anulação da escritura pública alegadamente lavrada mediante simulação ? que, a um só tempo, é apta a invalidar o negócio jurídico celebrado anteriormente, indicar o destino que se deve dar ao imóvel (ou seja, se ele deve ou não ser levado à colação) e a condicionar o exame da pretensão subsequente (se deve ou não ser aplicada a pena de sonegados à recorrida, pretensão que somente será examinada se for acolhido o pedido de natureza anulatória).
A anulação de escritura pública lavrada no ano de 1985 mediante a alegada simulação entre vendedor, genitor falecido e a recorrida, submete-se ao CC/1916 e, nesse diploma, mais especificamente ao prazo previsto no art. 178, §9º, V, ?b?, que assim preceitua:
Art. 178. Prescreve:
§9º Em quatro anos:
V. A ação de anular ou rescindir os contratos, para a qual se não tenha estabelecido menor prazo; contado este:
b) no de erro, dolo, simulação ou fraude, do dia em que se realizar o ato ou o contrato;
Em primeiro lugar, anote-se que se trata de prazo que, a despeito de rotulado como prescricional, é reconhecido pela uníssona jurisprudência desta Corte como de natureza decadencial. A esse respeito, confira-se:
DIREITO CIVIL. ANULAÇÃO DE CONTRATO CELEBRADO COM VÍCIO DE VONTADE. PRAZO ERRONEAMENTE CHAMADO DE PRESCRICIONAL PELO CC DE 1916. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. DATA DA CELEBRAÇÃO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. Afigura-se despiciendo o rechaço, uma a uma, de todas as alegações deduzidas pelas partes, bastando ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Violação ao art. 535 afastada.
2. Não se conhece de matéria alegada pela primeira vez em recurso especial, por faltar o indispensável prequestionamento. Incidência da Súmula 211.
3. No art. 178, § 9º, V, b, o que o Código Civil de 1916 chamou de prescrição ? a qual atinge o direito de ação, e não o direito material em si ? em realidade, tratava-se de decadência, razão pela qual não se há cogitar da não-existência de uma ação exercitável, uma vez que a decadência atinge o próprio direito material, e não eventual pretensão ? direito de ação.
4. Com efeito, muito embora não se tratasse de prazo prescricional, mas sim decadencial, o Código Civil de 1916 foi técnico ao prever como termo inicial do prazo para a propositura da ação anulatória o dia da celebração do contrato ou da prática do ato, e não a data da ciência do erro ou dolo, ou, ainda, a data em que a parte experimentou o prejuízo, o que somente seria relevante se a natureza jurídica do prazo ora examinado fosse de prescrição.
5. Assim, deve-se respeitar mesmo a literalidade do art. 178, § 9º, V, b, do Código Civil de 1916, uma vez que observada a melhor técnica no que concerne ao termo a quo do prazo erroneamente chamado ?prescricional?.
6. Recurso especial não conhecido. (REsp 868.524/MT, 4ª Turma, DJe 12/03/2010).
Na hipótese em exame, a escritura pública que se pretende anular foi lavrada em 17/06/1985, mas a ação erroneamente rotulada de sonegados somente foi ajuizada pelas recorrentes em 21/10/2009, de modo que é correto concluir que se operou o fenômeno da decadência sobre o direito que detinham as recorrentes de anular o referido negócio jurídico, pois há muito superado o prazo quadrienal previsto no art. 178, §9º, V, ?b?, do CC/1916.
Ainda que se cogitasse a aplicabilidade do prazo prescricional vintenário previsto no art. 177 do CC/1916, fato é que, ainda assim, a pretensão deduzida pelas recorrentes estaria prescrita.
Nesse sentido, a teoria da actio nata esclarece que a ?pretensão nasce quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer o correlato direito de ação? (REsp 1.460.474/PR, 3ª Turma, DJe 03/09/2018).
A esse respeito, consignou-se expressamente o acórdão recorrido:
Ademais, restou verificado pela prova dos autos que as herdeiras tinham conhecimento da transação efetuada quando o pai ainda era vivo, tendo em vista que a própria apelante juntou à inicial os documentos de fls. 28/31 que comprovam que em outubro/87 ela já sabia que o imóvel em litígio havia sido registrado em nome da recorrida, não se olvidando que a ação anulatória ?pode ser intentada mesmo em vida do doador? (STJ, REsp 7879/SP, 3ª Turma, Rel. Ministro Paulo Costa Leite, julgado em 24/02/1994, DJ 20/06/1994, p. 16100).
Assim, considerando que a ciência inequívoca da lesão ocorreu em Outubro de 1987 e que a ação apenas foi ajuizada pelas recorrentes em 21/10/2009, é igualmente forçoso reconhecer que, também sob a essa ótica, escoou-se o prazo para invalidar o negócio jurídico alegadamente simulado.
Em síntese, conclui-se que, aparentemente, buscaram as recorrentes, com a simples modificação do nomen iuris (de ação anulatória de escritura pública para ação de sonegados), tangenciar a decadência e a prescrição, sem, contudo, observar que o objeto litigioso é definido pelo pedido à luz das causas de pedir, sendo absolutamente irrelevante, nesse aspecto, o nome atribuído à ação.
Finalmente, registre-se que reconhecida a decadência do direito de anular a escritura pública do imóvel, fica logicamente prejudicada a questão relacionada à colação do bem ao inventário de RICARDO e não há que se falar, ainda, em enfrentamento do pedido de aplicação da pena de sonegados à recorrida.
3. CONCLUSÃO.
Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.