Inteiro teor - REsp 1748849

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.748.849 - SP (2018/0147055-0) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO PROCURADOR : RAQUEL SAJOVIC JORGE FERRAZ E OUTRO(S) - SP142009 RECORRIDO : WILSON VILLELA DE OLIVEIRA ADVOGADO : LAHYRE NOGUEIRA NASCIMENTO - SP101097 RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: AÇÃO MONITORIA. Cobrança de multas de trânsito. Infrações cometidas entre 2002 a 2012. Impetração de mandado de segurança no ano de 2007 pelo infrator, o que não impedida o Poder Público de realizar as cobranças devidas. Ajuizamento de ação monitória apenas após o trânsito em julgado do writ. Prescrição qüinqüenal de parte do crédito. Inteligência do artigo Io do Decreto n° 20.919/32. Simetria entre os prazos para propositura da ação para os administrados e para a Administração. Falta de interesse de agir caracterizada. Débito que deve ser convertido em crédito público e cobrado conforme disciplina estabelecida pela Lei 6830/80. Sentença de improcedência. Manutenção. Recurso não provido. A parte recorrente afirma que houve, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 267, VI e 1.102 do CPC e 1º da Lei 6.830/1980. Transcorreu, in albis, o prazo para apresentação de contrarrazões (fl. 523). O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do Recurso Especial. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.748.849 - SP (2018/0147055-0) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 5.10.2018. Merece prosperar a irresignação. No caso dos autos, o Tribunal local consignou: falta interesse de agir à pretensão do ora apelante consubstanciada na cobrança das demais infrações praticadas pelo ora apelado, por meio da ação monitória. Isso porque a aplicação de multas derivadas das práticas de infração de trânsito decorre do exercício do poder de polícia, cujas autuações gozam dos atributos da veracidade e legitimidade, conforme reconhecidos pelo próprio apelante, nas razões recursais (fls. 48). Dessa forma, a existência de débitos pendentes impõe sejam convertidos em crédito público e, a partir daí, inscritos na dívida ativa do Município e cobrados conforme disciplina instituída pela Lei n° 6830/80. Assim, a constituição de título executivo extrajudicial impede o ajuizamento da ação monitória, que deve ser amparada por prova escrita, sem eficácia de título executivo, na forma estabelecida pelo artigo 1.101a., do CPC/73, situação que não ocorreu no presente caso. Caso em que o Tribunal de origem entendeu inexistente o interesse de agir na pretensão do Município consubstanciada na cobrança das infrações de trânsito praticadas pelo particular, por meio da ação monitória. A doutrina especializada de Leonardo José Carneiro da Cunha, ao contrário, afirma que "nada impede que a Fazenda Pública, em vez de inscrever o crédito em dívida ativa, proponha ação monitória" para a cobrança de créditos fiscais, tratando da questão nos seguintes termos: Nos termos do art. 700 do CPC, cabe a ação monitória se houver ?prova escrita sem eficácia de título executivo?. Tal dispositivo há de ser interpretado em conjunto com o art. 785 do CPC, segundo o qual ?a existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial?. Mesmo dispondo de um título executivo extrajudicial, o credor pode optar pelo procedimento comum. De igual modo, pode optar pelo procedimento monitório. (...). Significa que cabe a ação monitória mesmo que o autor disponha de título executivo extrajudicial. (...) AÇÃO MONITÓRIA AJUIZADA PELA FAZENDA PÚBLICA (...) Para os créditos fiscais (tributários ou não tributários), ou seja, para aqueles créditos decorrentes de atividade essencialmente pública, a Fazenda Pública pode valer-se da execução fiscal. É que tais créditos devem ser inscritos em dívida ativa, viabilizando a propositura de execução fiscal. Ainda assim, nada impede que a Fazenda Pública, em vez de inscrever o crédito em dívida ativa, proponha ação monitória, desde que disponha de prova escrita do crédito, a fim de obter um título judicial e promover, em seguida, um cumprimento de sentença. Isso porque, como já se viu no item 13.3 supra, quem dispõe de título executivo extrajudicial pode, mesmo assim, propor ação monitória (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 15ª. Ed. São Paulo: Forense, 2018). Acrescente-se que o STJ entende que não existe prejuízo para o direito de defesa com a escolha do rito da Ação Monitória, que é mais demorado do que o rito da Ação de Execução de Título Extrajudicial. A propósito: AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM PACTO ADJETO DE RESERVA DE DOMÍNIO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. INTERESSE PARA PROPOR AÇÃO MONITÓRIA AO INVÉS DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. 1. A jurisprudência desta Corte entende que é possível a propositura de ação monitória pelo detentor de título executivo para perseguir seus créditos, uma vez que o referido procedimento não traz maiores prejuízos ao réu. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl no AREsp 118.562/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 9/6/2015). AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO FIXO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE TAMBÉM DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO MONITÓRIA. PRECEDENTES ESPECÍFICOS DESTE STJ. 1. A atribuição da qualidade de título executivo ao contrato de abertura de crédito fixo não impede a utilização, segundo a livre faculdade do credor, da ação monitória, procedimento que, comparado ao processo de execução, não traz maiores prejuízos ao réu. 2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp 1.209.717/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 17/9/2012). AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. AJUIZAMENTO DE AÇÃO MONITÓRIA EM VEZ DE AÇÃO DE EXECUÇÃO. FACULDADE DO CREDOR, DESDE QUE A OPÇÃO NÃO IMPLIQUE PREJUÍZO À DEFESA DO DEVEDOR. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1.- Embora disponha de título executivo extrajudicial, o credor tem a faculdade de levar a lide ao conhecimento do Judiciário da forma que lhe aprouver, desde que a escolha por um ou por outro meio processual não venha a prejudicar do direito de defesa do devedor. Não é vedado pelo ordenamento jurídico o ajuizamento de Ação Monitória por quem dispõe de título executivo extrajudicial. 2.- O agravo não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 148.484/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 28/5/2012). PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE DÍVIDA. SERVIÇO DE PROPAGANDA. EXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. ESCOLHA DO RITO DA AÇÃO MONITÓRIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 535, II, DO CPC. 1. Não se configurou a ofensa ao art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 2. A indicada afronta dos arts. 3º, 244, 249, § 1º, e 250 do CPC não pode ser analisada, pois o Tribunal de origem não emitiu juízo de valor sobre esses dispositivos legais. O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do Recurso Especial quando o artigo tido por violado não foi apreciado pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos de Declaração, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ. 3. A recorrente propôs Ação Monitória contra o Detran/RJ com o escopo de cobrar dívida oriunda de serviços de publicidade. Como, em seu entendimento, não possuía título executivo extrajudicial, pois detinha apenas notas fiscais e comprovantes de serviço, não ajuizou Ação de Execução. 4. A dúvida da recorrente sobre qual procedimento adotar para cobrar o seu débito é plenamente justificada até mesmo pelo acórdão que julgou o recurso de Apelação, que decidiu pela "inexistência de título hábil capaz de aparelhar o pedido da existência do débito cobrado", verbis: "Com efeito, da análise das inúmeras notas fiscais juntadas por linha, verifica-se que alguns dos referidos títulos sequer apresentaram assinatura de qualquer representante do Detran, não havendo como prevalecer, assim, a cobrança realizada através da presente monitoria". 5. Apenas no julgamento do recurso de Embargos de Declaração, o Tribunal fluminense reconheceu a existência de título executivo extrajudicial apto a amparar a Ação de Execução. Dessa forma, julgou extinta a Ação Monitória por falta de interesse de agir da empresa recorrente. 6. Ademais, não existiu prejuízo para o direito de defesa do Detran/RJ com a escolha do rito da Ação Monitória, que é mais demorado do que o rito da Ação de Execução de Título Extrajudicial. 7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1281036/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 24/05/2016) Nesse sentido, o enunciado 446 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "Cabe ação monitória mesmo quando o autor for portador de título executivo extrajudicial". Ainda, o enunciado 101 da I Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal: É admissível ação monitória, ainda que o autor detenha título executivo extrajudicial. Dessa forma, por estar em dissonância com o entendimento desta Corte Superior, deve ser reformado o aresto proferido na origem. Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial para reformar o acórdão da origem, determinado o prosseguimento da Ação Monitória para a cobrança das multas não prescritas, como entender de direto. É como voto.