AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.293.221 - RS (2011/0275155-2)
AGRAVANTE : CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI
ADVOGADOS : FABRÍCIO ZIR BOTHOMÉ E OUTRO(S)
IGOR HAMILTON MENDES E OUTRO(S)
LARA CORRÊA SABINO BRESCIANI E OUTRO(S)
AGRAVANTE : AIRTON DÁVILA SEVERO
ADVOGADO : SEBASTIÃO VENTURA PEREIRA DA PAIXÃO JÚNIOR E OUTRO(S)
AGRAVADO : OS MESMOS
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de agravos regimentais, interpostos por CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI e por AIRTON DÁVILA SEVERO, em face da decisão monocrática da lavra deste signatário, que deu parcial provimento ao recurso especial do primeiro recorrente para excluir a verba atinente ao auxílio cesta alimentação, observada a sucumbência recíproca das partes.
Nas razões do regimental da entidade de previdência privada, sustenta-se a inaplicabilidade das Súmulas 5 e 7/STJ, uma vez que, "na mesma esteira do quanto disposto à verba auxílio cesta-alimentação, em que acertadamente houve o reconhecimento do seu caráter indenizatório, a cognição do abono único prescinde da intelecção do mesmo diploma legal: artigo 3º, § único, da Lei Complementar 108/2001". Alega-se, outrossim, que a decisão monocrática deixara de "atentar ao fato de que o Tribunal Gaúcho, a despeito da oposição de recurso aclaratório, quedou-se silente às questões imprescindíveis ao deslinde da controvérsia, notadamente à ausência de manifestação quanto à legislação incidente: artigo 3º, § único, da Lei Complementar 108/2001 e artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal", o que configura violação do artigo 535 do CPC e necessidade de retorno dos autos à origem para reapreciação dos embargos.
Por sua vez, AIRTON DÁVILA SEVERO aduz que a decisão agravada incorreu nos seguintes equívocos: (i) "aplicou o precedente jurisprudencial da Corte Especial do STJ (Recurso Especial 1.023.053/RS), sendo que a Eminente Relatora daquele processo preveniu que o recurso não estava submetido ao rito dos 'recursos repetitivos'"; (ii) "confundiu a rubrica 'auxílio cesta alimentação' (remuneratório) com a 'auxílio refeição' (indenizatório), ignorando as distinções expressas no próprio instrumento coletivo (cláusulas 14ª e 15ª da Convenção Coletiva da FENABAN)"; e (iii) "ignorou o conceito legal de pagamento 'in natura', estabelecido no art. 2º, III, do Decreto-Lei 986/69".
Ao final, ambas as partes requerem a reconsideração da decisão agravada ou sua apreciação pelo Colegiado.
É o relatório.
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.293.221 - RS (2011/0275155-2)
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO POSTULANDO A INCORPORAÇÃO DO AUXÍLIO CESTA ALIMENTAÇÃO E DA PARCELA DENOMINADA ABONO SALARIAL ÚNICO NO CÁLCULO DO BENEFÍCIO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO INTERPOSTO PELA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.
INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
1. Recurso do autor. Não se conhece do agravo regimental interposto após esgotado o prazo legal de 5 (cinco) dias (artigos 545 do CPC e 258 do RISTJ).
2. Recurso da entidade de previdência privada. 2.1. Violação ao artigo 535 do CPC não configurada. Acórdão da Corte local, complementado no julgamento de embargos declaratórios, que enfrentou, de modo fundamentado, todos os aspectos essenciais à resolução da lide. 2.2. Pretensão de incorporação do abono salarial único nos proventos da aposentadoria complementar. 2.2.1. A análise da controvérsia prescinde de interpretação de cláusula contratual e reexame de prova, motivo pelo qual não incidem, na espécie, as Súmulas 5 e 7 do STJ. Fatos incontroversos delimitados no acórdão recorrido. Não há divergência sobre o teor das normas coletivas (que concedem abono único aos bancários ativos em determinados períodos), mas apenas acerca da definição da natureza jurídica da citada verba para fins de incorporação ou não no benefício previdenciário complementar. 2.2.2. O "abono único", concedido aos empregados em atividade, mediante convenção coletiva de trabalho, não ostenta caráter salarial, mas, sim, indenizatório, malgrado o disposto no § 1º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, na linha da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (Orientação Jurisprudencial 346 da Seção de Dissídios Individuais I). Ademais, a determinação de pagamento de valores sem respaldo no plano de custeio implica desequilíbrio econômico atuarial da entidade de previdência privada com prejuízo para a universalidade dos participantes e assistidos, o que fere o princípio da primazia do interesse coletivo do plano (exegese defluente da leitura do artigo 202, caput, da Constituição da República de 1988 e da Lei Complementar 109/2001). Existência de proibição expressa da incorporação do abono nos proventos de complementação de aposentadoria no parágrafo único do artigo 3º da Lei Complementar 108/2001 (específica para entidades fechadas de previdência privada).
3. Agravo regimental do autor não conhecido. Agravo regimental da entidade de previdência privada provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):
1. Agravo regimental do autor.
O reclamo não reúne condições de admissibilidade, diante da intempestividade de sua interposição.
Com efeito, à luz da certidão exarada pela Coordenadoria da Quarta Turma (fl. e-STJ 1.299), o prazo para interposição do presente recurso iniciou-se no dia 15.02.2012. No entanto, o agravo regimental foi interposto tão somente no dia 28.02.2012, quando já esgotado o prazo de 5 (cinco) dias, impondo-se, assim, o seu não conhecimento.
Quanto à impossibilidade de se conhecer do agravo regimental interposto após esgotado o prazo legal de 5 (cinco) dias (artigos 545 do CPC e 258 do RISTJ), confiram-se os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL. INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO NÃO CONHECIDO.
1. É intempestivo o agravo regimental interposto fora do prazo de cinco dias previsto nos artigos 545 do CPC e 258 do RISTJ.
2. Agravo regimental não conhecido (AgRg no Ag 910.555/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 10/03/2011)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTEMPESTIVIDADE.
1. É intempestivo o agravo regimental interposto fora do prazo recursal de 5 (cinco) dias.
2. Agravo regimental não conhecido (AgRg no Ag 1211353/SP, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro - Desembargador Convocado do TJ/AP -, Quarta Turma, DJe 24/8/2010)
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA A INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL. DECISUM QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE PEÇA OBRIGATÓRIA, NOS TERMOS DO ART. 544, § 1º, DO CPC. AGRAVO REGIMENTAL INTEMPESTIVO, PORQUANTO INTERPOSTO APÓS ESCOADO O QUINQUÍDIO LEGAL. RECURSO NÃO CONHECIDO.
I - Nos termos do art. 545 do CPC, "da decisão do Relator que não admitir o agravo de instrumento, negar-lhe provimento ou reformar o acórdão recorrido, caberá agravo no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 557".
II - Dessa forma, não comporta conhecimento o agravo regimental apresentado após exaurido o lapso temporal para a sua interposição, como na hipótese.
III - Agravo regimental não conhecido (RCDESP no Ag 1261765/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 3/8/2010)
2. Agravo regimental da entidade de previdência privada.
2.1. Quanto à apontada violação dos artigos 458, II, e 535, I e II, do CPC, não assiste razão à recorrente, porquanto clara e suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte (Precedentes: AgRg no Ag 1.402.701/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 06.09.2011; REsp 1.264.044/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 08.09.2011; AgRg nos EDcl no Ag 1.304.733/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe 31.08.2011; AgRg no REsp 1.245.079/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16.08.2011, DJe 19.08.2011; e AgRg no Ag 1.407.760/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 09.08.2011, DJe 22.08.2011).
2.2. No tocante ao abono salarial único, melhor sorte assiste à agravante.
Com efeito, na ação condenatória ajuizada em face da entidade de previdência privada, pleiteou-se a incorporação das parcelas denominadas "auxílio cesta alimentação" e "abono único" no benefício previdenciário complementar do autor, bancário aposentado.
No que concerne aos "abonos únicos" concedidos aos bancários em atividade, mediante previsão em convenções coletivas de trabalho, o autor alegou sobressair a natureza salarial da verba, razão pela qual imperiosa sua extensão aos proventos dos empregados inativos.
O acórdão, objeto do recurso especial, reformou a sentença de improcedência, pelos seguintes fundamentos atinentes ao abono único:
(...)
Na mesma senda, é necessário o reconhecimento do direito do apelante no que toca aos abonos únicos contidos nas convenções coletivas de trabalho (Cláusula 46ª ? convenção 2001/2002; 2002/2003 e 2003/2004). Sinalo que o abono único também possui natureza remuneratória.
Ademais, por se tratar de benefício que depende da sua constituição em norma coletiva, é importante referir que não há incorporação ao salário, pois como o próprio nome sugere é pago em parcela única.
Cumpre salientar que abono único concedido pela cláusula 45ª ? convenção 1998/1999) está atingido pela prescrição qüinqüenal.
Dessa forma, procede o pleito do autor, tão-somente, com relação aos abono únicos previstos nas Convenções Coletivas de 2001/2002, 2002/2003, 2003/2004.
(...)
Nas razões do especial interposto pela entidade de previdência privada (ora agravante), aduziu-se, no que importa ao deslinde do presente regimental, violação dos artigos: (i) 3º, parágrafo único, da Lei Complementar 108/2001, ao argumento de que o abono único constitui vantagem não salarial deferida aos funcionários ativos mediante acordo coletivo de trabalho, revelando-se incontroverso que sobre tal verba não incidiram contribuições para formação da reserva garantidora do benefício complementar; (ii) 68 da Lei Complementar 109/2001, na medida em que distintas as relações jurídicas de natureza previdenciária e trabalhista; e (iii) 1º, 7º, 9º, 18 e 19 da Lei Complementar 109/2001, porquanto não observadas as regras acerca da constituição de reservas que assegurem o pagamento do benefício complementar e da garantia do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial do plano de previdência privada.
2.2.1. Preliminarmente, cumpre destacar que a análise da presente controvérsia (atinente ao "abono salarial único") prescinde de interpretação de cláusula contratual e reexame de prova, motivo pelo qual não incidem, na espécie, as Súmulas 5 e 7 do STJ.
Com efeito, a Súmula 7 do STJ (correspondente à Súmula 279 do STF) foi redigida com o intuito de explicitar que a apreciação dos fatos e das provas, à luz do princípio da persuasão racional do juiz, compete às instâncias ordinárias, não sendo possível, por meio do recurso especial, transformar o Superior Tribunal de Justiça em um terceiro grau de exame de prova.
Consoante a lição do Ministro EDUARDO RIBEIRO, citada por BERNARDO PIMENTEL SOUZA, "o que não se pode, no especial, é modificar os fundamentos fáticos da decisão recorrida, rever provas já analisadas" (in Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória, 6ª ed. atual., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 857, nota 1295).
Desse entendimento não destoa o magistério de LUIZ GUILHERME MARINONI, para quem "a qualificação jurídica do fato é posterior ao exame da relação entre a prova e o fato e, assim, parte da premissa de que o fato está provado. Por isso, como é pouco mais que evidente, nada tem a ver com a valoração da prova e com a perfeição da formação da convicção sobre a matéria de fato" (in Reexame da Prova diante dos Recursos Especial e Extraordinário, RePro 130/21).
A propósito, esta Corte já assentou que "não ofende o princípio da Súmula 7 emprestar-se, no julgamento do especial, significado diverso aos fatos estabelecidos pelo acórdão recorrido. Inviável é ter como ocorridos fatos cuja existência o acórdão negou ou negar fatos que se tiveram como verificados" (AgRg nos EREsp 134.108/DF, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, CORTE ESPECIAL, DJ 16/08/1999).
Relativamente à Súmula 5 do STJ (correspondente à Súmula 454 do STF), o raciocínio é o mesmo. Confira-se, por oportuno, a análise de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, in Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 40:
Como observou Washington de Barros Monteiro, citado por Roberto Rosas (Direito Sumular, 5ª ed., RT, p. 197), a exegese do contrato pressupõe a perquirição do ato volitivo, a pesquisa da "real vontade do agente", o que implicaria reexame do material probatório, convertendo o Tribunal Superior em terceira instância.
Todavia, a qualificação jurídica de uma manifestação de vontade é quaestio juris que, em tese, pode ser objeto de recurso extraordinário/especial. Em processo de que fomos relator, discutiu-se se determinada manifestação de vontade, por público instrumento, constituía "reversão" de doação, ou doação condicional, ou doação mortis causa, ou manifestação de última vontade. A qualificação jurídica do ato de vontade é que determinou qual a lei incidente e, pois, condicionou o julgamento de mérito (REsp. nº 444, rel. Min. Athos Carneiro, ac. De 07.08.1990, RSTJ, 15/233).
Na mesma linha segue o ensinamento de GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA, in Recurso Especial, São Paulo, RT, 2002, p. 300:
Registre-se que o referido enunciado refere-se à simples interpretação e não abrange a qualificação jurídica ou interpretação jurídica de cláusula contratual que é questão predominantemente de direito, passível de análise em recurso especial. Fixados o sentido e o alcance da cláusula contratual, é questão de direito, para fins de recurso especial, a discussão acerca da correta aplicação da lei federal à manifestação de vontade. Portanto, em sede de recurso especial, é possível a discussão acerca da qualificação jurídica da manifestação de vontade, inclusive se a cláusula contratual contraria, ou não, a legislação federal.
Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
DENUNCIAÇÃO DA LIDE, MANDATO IN REM PROPRIAM. RESPONSABILIDADE DOS MANDATÁRIOS E SEUS CESSIONÁRIOS PELOS RISCOS DA EVICÇÃO.
É questão federal, para efeito de cabimento do recurso especial, o concernente a qualificação jurídica do contrato, a 'natureza jurídica' de documento. É mandato em causa própria, e não simplesmente ad negotia, aquele em que o mandante confere poderes para alienar imóvel, declara o recebimento do preço, isenta de prestações de contas, passando assim o procurador a agir realmente em seu próprio interesse e por conta própria.
Configuração do mandato em causa própria como negócio oneroso, com transmissão da posse e consequente responsabilidade do transmitente pelos riscos da evicção. Artigos 70, I, do Código de Processo Civil e 1107 e 1073 do Código Civil.
Admissibilidade da denunciação 'coletiva', com chamamento conjunto, e não 'sucessivo', dos vários antecessores na cadeia de proprietários ou possuidores.
Recurso especial conhecido pela alínea a e parcialmente provido. (REsp 4.589/PR, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, DJ 18/11/1991)
Recurso especial.
Admissibilidade, tratando-se de dar a um contrato sua exata qualificação jurídica, não se controvertendo quanto ao respectivo conteúdo ou relativamente à intenção das partes.
Mútuo - Troca.
A entrega de dez mil sacas de soja, para recebimento de quinze mil, alguns meses após, qualifica-se como mútuo e não troca. O acréscimo representa juros, incidindo o disposto no Decreto 22.626. (REsp 44.456/RS, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJ 16/05/1994)
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - PROMESSA DE DOAÇÃO - ATO DE LIBERALIDADE - INEXIGIBILIDADE - PROVIDO O RECURSO DO RÉU - PREJUDICADO O RECURSO DA AUTORA.
1. A análise da natureza jurídica da promessa de doação e de sua exigibilidade não esbarra nos óbices impostos pelas Súmulas 05 e 07 deste Tribunal Superior, pois as conseqüências jurídicas decorrem da qualificação do ato de vontade que motiva a lide, não dependendo de reexame fático-probatório, ou de cláusulas do contrato.
2. Inviável juridicamente a promessa de doação ante a impossibilidade de se harmonizar a exigibilidade contratual e a espontaneidade, característica do animus donandi. Admitir a promessa de doação equivale a concluir pela possibilidade de uma doação coativa, incompatível, por definição, com um ato de liberalidade.
3. Há se ressaltar que, embora alegue a autora ter o pacto origem em concessões recíprocas envolvendo o patrimônio familiar, nada a respeito foi provado nos autos. Deste modo, o negócio jurídico deve ser tomado como comprometimento à efetivação de futura doação pura.
4. Considerando que a presente demanda deriva de promessa de doação pura e que esta é inexigível judicialmente, revele-se patente a carência do direito de ação, especificamente, em razão da impossibilidade jurídica do pedido.
5. Recurso especial do réu conhecido e provido. Prejudicado o exame do recurso especial da autora. (REsp 730.626/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, DJ 04/12/2006)
Na hipótese ora em foco, pretende o autor, bancário aposentado, que a entidade de previdência privada seja obrigada a proceder à incorporação de abono(s) único(s) (concedidos aos empregados em atividade, mediante convenções coletivas de trabalho) nos proventos de aposentadoria complementar, sob o argumento de que remuneratória a natureza da aludida verba.
Convém observar que os fatos são incontroversos e estão delimitados no acórdão recorrido. Não há divergência sobre o teor das normas coletivas (que concedem abono único aos bancários ativos em determinados períodos), mas apenas acerca da definição da natureza jurídica da citada verba para fins de incorporação ou não no benefício previdenciário complementar.
Assim, é perfeitamente possível ao Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial, atribuir aos fatos apurados nas instâncias ordinárias qualificação e conclusão jurídicas diversas daquelas adotadas no Tribunal de origem.
Diante disso, afasta-se o fundamento constante da decisão monocrática ora atacada e passa-se à análise do mérito recursal.
2.2.2. A controvérsia cinge-se à definição da natureza jurídica do abono único para fins de incorporação ou não nos proventos de complementação previdenciária: se salarial ou indenizatória.
Com efeito, o artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho considera "salário" a contraprestação devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado em razão do serviço prestado.
Na dicção de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "salário é a contraprestação fixa paga pelo empregador pelo tempo de trabalho prestado ou disponibilizado pelo empregado, calculada com base no tempo, na produção ou em ambos os critérios, periodicamente e de modo a caracterizar-se como ganho habitual do trabalhador" (in Curso de Direito do Trabalho, 26ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 2011, p. 815). Esclarece, ainda, o insigne doutrinador que:
Salário é um pagamento periódico e contínuo que, por ter essa característica, torna-se um meio indispensável para que o trabalhador faça frente aos gastos sucessivos destinados à sua subsistência, e não é salário o pagamento sem essa correspondência jurídica como o pagamento eventual e esporádico; pode-se, nesse sentido, dizer que o salário é um ato jurídico de trato sucessivo, da mesma forma que o é a própria relação de emprego que lhe dá origem; a continuidade mais se evidencia diante da periodicidade mensal do pagamento, embora possa, por exceção, haver salário pago em períodos maiores por expressa disposição de lei; se pago em períodos menores, acentua-se ainda mais a sua natureza salarial; (in obra citada, p. 817)
Acerca da figura do "abono", o § 1º do artigo 457 da Consolidação das Leis Trabalhistas assim preceitua:
Art. 457 - (...)
§ 1º - Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.
(...)
A despeito do disposto no supracitado artigo, há doutrina abalizada no sentido de que o abono, malgrado criado para designar adiantamento salarial, pode apresentar, excepcionalmente, natureza jurídica diversa por força de norma legal, máxime quando destituído de habitualidade e pago em parcela única (ALICE MONTEIRO DE BARROS, in Curso de Direito do Trabalho, São Paulo, Ed. LTr, 2005, p. 731; VÓLIA BOMFIM CASSAR, in Direito do Trabalho, 2ª edição, Niterói, Ed. Ímpetus, 2008, p. 857; e MAURÍCIO GODINHO DELGADO, in Curso de Direito do Trabalho, São Paulo, Ed. LTr, 2002, p. 712-714).
Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho, tendo por premissa a força normativa das convenções e acordos coletivos de trabalho (artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição da República de 1988), consolidou o entendimento de que:
ABONO PREVISTO EM NORMA COLETIVA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. CONCESSÃO APENAS AOS EMPREGADOS EM ATIVIDADE. EXTENSÃO AOS INATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. A decisão que estende aos inativos a concessão de abono de natureza jurídica indenizatória, previsto em norma coletiva apenas para os empregados em atividade, a ser pago de uma única vez, e confere natureza salarial à parcela, afronta o art. 7º, XXVI, da CF/88. (Orientação Jurisprudencial 346 da Seção de Dissídios Individuais I)
No mesmo sentido, a citada Corte Laboral, ao tratar do auxílio cesta alimentação, firmou a tese de que:
Auxílio cesta-alimentação previsto em norma coletiva. Convenção coletiva. CEF. Cláusula que estabelece natureza indenizatória à parcela. Extensão aos aposentados e pensionistas. Impossibilidade. CF/88, art. 7º, XXVI. Havendo previsão em cláusula de norma coletiva de trabalho de pagamento mensal de auxílio cesta-alimentação somente a empregados em atividade, dando-lhe caráter indenizatório, é indevida a extensão desse benefício aos aposentados e pensionistas. Exegese do art. 7º, XXVI, da CF/88. (Orientação Jurisprudencial 61 da Seção de Dissídios Individuais I Transitória)
Na hipótese, as convenções coletivas de trabalho suscitadas estabelecem que:
(i) Cláusula 46ª da Convenção Coletiva de 2001/2002:
Para os empregados ativos ou que estivessem afastados por doença, acidente do trabalho e licença-maternidade, em 31.8.2001, será concedido um abono único na vigência da presente Convenção Coletiva de Trabalho 2001/2002, no valor de R$ 1.100,00 (um mil e cem reais), a ser pago na folha de pagamento do mês de novembro de 2001.
(ii) Cláusula 46ª da Convenção Coletiva de 2002/2003:
Para os empregados ativos ou que estivessem afastados por doença, acidente do trabalho e licença-maternidade, em 31.8.2002, será concedido um abono único na vigência da presente Convenção Coletiva de Trabalho 2002/2003, no valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), a ser pago até 10 (dez) dias úteis da data de assinatura da convenção coletiva de trabalho.
(iii) Cláusula 46ª da Convenção Coletiva de 2003/2004:
Para os empregados ativos ou que estivessem afastados por doença, acidente do trabalho e licença-maternidade, em 31.8.2003, será concedido um abono único na vigência da presente Convenção Coletiva de Trabalho 2003/2004, no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), a ser pago até 10 (dez) dias úteis da data de assinatura da convenção coletiva de trabalho.
Das citadas normas coletivas, infere-se que a concessão de abono único limitou-se aos empregados ativos e àqueles afastados por motivo de doença, acidente do trabalho ou licença maternidade, razão pela impossível atribuir-lhe natureza salarial, mas, sim, cunho indenizatório.
Assim, se o abono único não integra o salário para fins trabalhistas, também não poderá ser incorporado ao benefício de previdência complementar a cargo das entidades de previdência privada.
Ainda que assim não fosse, é consabido que a "constituição de reservas que garantam o benefício contratado" constitui característica nuclear do sistema de previdência complementar, expressamente prevista no caput do artigo 202 da Constituição da República de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional 20 de 1998, verbis:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
(...)
Nesse segmento, a inexistência de fonte de custeio para pagamento do "abono único" também constitui inarredável óbice à pretensão de incorporação da aludida verba nos proventos de complementação da aposentadoria.
É, ademais, o que se depreende do exame de normas constantes da Lei Complementar 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar:
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Art. 1º O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Complementar.
(...)
Art. 3º A ação do Estado será exercida com o objetivo de:
(...)
III - determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades;
(...)
CAPÍTULO II
DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS
Seção I
Disposições Comuns
(...)
Art. 7º Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.
(...)
Art. 9º As entidades de previdência complementar constituirão reservas técnicas, provisões e fundos, de conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 1º A aplicação dos recursos correspondentes às reservas, às provisões e aos fundos de que trata o caput será feita conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
§ 2º É vedado o estabelecimento de aplicações compulsórias ou limites mínimos de aplicação.
(...)
Seção II
Dos Planos de Benefícios de Entidades Fechadas
(...)
Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 1º O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.
§ 2º Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obrigatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocinador ou instituidor.
§ 3º As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
(...)
Consequentemente, a determinação de pagamento de valores sem respaldo no plano de custeio implica desequilíbrio econômico atuarial da entidade de previdência privada com prejuízo para a universalidade dos participantes e assistidos, o que fere o princípio da primazia do interesse coletivo do plano.
Outrossim, a defendida aplicação do princípio da isonomia entre trabalhadores ativos e aposentados não encontra amparo na concepção de igualdade material, bem definida nas palavras de Rui Barbosa:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.
Com efeito, sabendo-se da independência existente entre as relações jurídicas trabalhista e previdenciária, nos termos do § 2º do artigo 202 da Constituição da República, notadamente advinda do caráter contratual (facultativo) e contributivo do plano de previdência privada (que busca a constituição de reservas segundo regras coletivas que garantam o benefício contratado), não há como estabelecer isonomia entre situações evidentemente desiguais.
No mesmo diapasão, colhe-se excerto do judicioso voto da lavra da e. Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento de recurso especial representativo da controvérsia atinente ao auxílio cesta alimentação:
O exame da legislação específica que rege as entidades de previdência privada e suas relações com seus filiados (art. 202 da CF e suas Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001) revela que o sistema de previdência complementar brasileiro foi concebido, não para instituir a paridade de vencimentos entre empregados ativos e aposentados, mas com a finalidade de constituir reservas financeiras, a partir de contribuições de filiados e patrocinador, destinadas a assegurar o pagamento dos benefícios oferecidos e, no caso da complementação de aposentadoria, proporcionar ao trabalhador aposentado padrão de vida próximo ao que desfrutava quando em atividade, com observância, todavia, dos parâmetros atuariais estabelecidos nos planos de custeio, com a finalidade de manutenção do equilíbrio econômico e financeiro. (REsp 1.207.071/RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 27.06.2012, DJe 08.08.2012)
Por fim, importante destacar que, no tocante aos fundos de pensão (entidades fechadas de previdência privada), há proibição legal expressa da incorporação do abono nos proventos de complementação de aposentadoria, consoante se depreende da leitura do artigo 3º da Lei Complementar 108/2001, verbis:
Art. 3º Observado o disposto no artigo anterior, os planos de benefícios das entidades de que trata esta Lei Complementar atenderão às seguintes regras:
(...)
Parágrafo único. Os reajustes dos benefícios em manutenção serão efetuados de acordo com critérios estabelecidos nos regulamentos dos planos de benefícios, vedado o repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de qualquer natureza para tais benefícios.
Desse modo, diante do caráter indenizatório do "abono único" e da ausência de fonte de custeio, não há falar em incorporação deste aos proventos para fins de cálculo da aposentadoria complementar, reconhecendo-se, outrossim, a violação, pelo decisum emanado do Tribunal a quo, do artigo 3º, parágrafo único, da Lei Complementar 108/2001.
3. Do exposto, não conheço do agravo regimental do autor, e provejo aquele deflagrado pela entidade de previdência privada, para dar integral provimento ao recurso especial, julgando improcedente a pretensão formulada na inicial e condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais).
É como voto.