AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.664.829 - AL (2017/0072937-9)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
Trata-se de agravo interno interposto contra monocrática que decidiu ação contra o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Maceió com o objetivo de obter indenização por danos morais e materiais em razão de procedimento (broncospia) mal sucedido no menor P.S.G.S., deixando-lhe inválido, portador de paralisia cerebral.
O pedido foi acolhido, com a condenação no pagamento de pensão aos dois autores e ao menor, bem como no custeio das despesas médicas e na reparação por danos morais no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) (fls. 1.325-1.340).
O Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, em grau recursal, alterou parcialmente a sentença, reduzindo o valor para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e modulando os juros de mora e correção sobre ambas as condenações, tudo nos termos assim ementados (fl. 2.210):
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO HOSPITALR. ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ESTADO VEGETATIVO DO MENOR. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. DANOS MORIAS COMPROVADOS. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. FIXAÇÃO COM BASE NOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MODIFICAÇÃO DOS TERMOS INICIAIS DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. PENSÃO MENSAL MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 2.261-2.270).
A Santa Casa de Misericórdia interpõe recurso especial, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, alegando violação do art. 1.022, II, do CPC/2015, sustentando que, a despeito da oposição dos declaratórios, o Tribunal a quo deixou de analisar a questão arguída acerca da inexistência de prontuário médico ou de qualquer evolução médica no período em que o paciente sofreu os danos cerebrais respectivos.
Aponta violação dos arts. 17 e 485, VI, do CPC/2015, sustentando a ausência de qualquer conduta que lhe possa ser atribuída.
No intuito de comprovar divergência jurisprudencial quanto à responsabilidade objetiva dos hospitais pela prestação de serviços defeituosos prestados por profissionais sem vínculo de emprego, invoca precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do STJ.
Também sustenta afronta aos arts. 186, 927 e 944, do Código Civil, em razão da total ausência de responsabilidade quanto ao dever de indenizar os danos em questão.
Requer sua exclusão, por ilegitimidade passiva e, como consequência, a manutenção no polo passivo do litisdenunciado, Edmilson Vieira Gaia Filho, por ser o único responsável pela realização dos procedimentos em tela.
Na eventualidade de não se reconhecer o prequestionamento, aponta violação do art. 1.025 do CPC/2015
Contrarrazões ofertadas (fls. 2.424-2.458).
O Ministério Público Federal opinou pelo improvimento do recurso (fls. 2.494-2.499).
A decisão monocrática tem o seguinte dispositivo: "Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, I e II, do RI/STJ, conheço parcialmente do recurso e, nesta parte, nego-lhe provimento".
Interposto agravo interno, a parte agravante traz argumentos contrários aos fundamentos da decisão recorrida.
A parte agravada foi intimada para apresentar impugnação ao recurso.
É relatório.
AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.664.829 - AL (2017/0072937-9)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
O recurso de agravo interno não merece provimento.
Nos termos do enunciado n. 568 da Súmula desta Corte Superior e do art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, o relator está autorizado a decidir monocraticamente quando houver jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Assim, não há que se falar em ilegalidade relativamente a este ponto.
A parte agravante insiste nos mesmos argumentos já analisados na decisão recorrida.
Sem razão a parte agravante.
No que diz respeito à apontada violação do art. 1.022 do CPC/2015, importa salientar que a Corte de origem analisou as alegações da parte quanto à matéria tida como omissa, ainda que possa não ter sido expressa quanto a eventual laudo, conforme se percebe dos seguintes trechos, verbis (fls. 2.216, 2.219, e 2.264):
Em decorrência de procedimentos mal executados pela Santa Casa, o menor sofreu uma para cárdio-respiratória (PCR), tendo chegado à UTI da Unidade de Emergência apresentando taquipnéia (ritmo respiratório acelerado), roncos, sibilos estertores crepitantes à ausculta pulmonar, hipocorado (sem cor), crises convulsivas e atrofia cerebral.
[...]
Em exame dos autos, mais precisamente dos laudos periciais, restou comprovado que ocorreu falha no equipamento na primeira broncoscopia realizada no menor.
Veja-se trechos do laudo pericial acostado às fls. 982/1039, onde o perito se manifesta acerca das perguntas formuladas pelas partes [...]
[...]
Tal alegação não prospera, pois a lide gira em torno de falhas em procedimentos realizados na Santa Casa (broncospia) e as consequências destas falhas no menor Paulo Sergio, estando todos os prontuários da Santa Casa anexados aos autos.
Assim, ainda que não tenha se manifestado expressamente sobre a necessidade do pretenso laudo, é fato que a instância ordinária enfrentou os elementos dos autos para concluir pela caracterização do dano ocorrido sob responsabilidade da ora recorrente, não se configurando, portanto, a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia tal como lhe foi apresentada.
Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp 1486330/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 24/2/2015; AgRg no AREsp 694.344/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 2/6/2015; EDcl no AgRg nos EAREsp 436.467/SP, Rel. Ministro João Otávio De Noronha, CORTE ESPECIAL, DJe 27/5/2015.
Dessarte, como se observa de forma clara, não se trata de omissão, mas sim de inconformismo direto com o resultado do acórdão, que foi contrário aos interesses da parte recorrente, e a mera insatisfação com o conteúdo da decisão embargada não enseja embargos de declaração. Esse não é o objetivo dos aclaratórios, recurso que se presta tão somente a sanar contradições ou omissões decorrentes da ausência de análise dos temas que lhe forem trazidos à tutela jurisdicional, no momento processual oportuno, conforme o art. 1.022 do CPC/2015.
Assim é o entendimento jurisprudencial desta Corte de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA.INCIDÊNCIA DE MULTA CONTRATUAL. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS, PROVAS E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SUMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do artigo 1022, II, § único, e 489 do Código de Processo Civil. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. As conclusões do acórdão recorrido em relação à abusividade de cláusula contratual, e não incidência da multa contratual, decorreram da análise do conjunto fático - probatório dos autos e da interpretação de claúsulas contratuais. Assim, alterar o entendimento da Corte Estadual não é possível em sede de recurso especial, pois demandaria, necessariamente, reexame de fatos, provas e cláusulas contratuais, o que é vedado em razão dos óbices as Súmulas 5 e 7 do STJ.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1159794/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. VIOLAÇÃO AO ART. 1022 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STF. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. O acórdão recorrido abordou, de forma fundamentada, todos os pontos essenciais para o deslinde da controvérsia com clareza e objetividade, razão pela qual não há que se falar na suscitada ocorrência de violação do art. 1022 do Código de Processo Civil de 2015.
2. O prequestionamento não exige que haja menção expressa dos dispositivos infraconstitucionais tidos como violados, entretanto, é imprescindível que no aresto recorrido a questão tenha sido discutida e decidida fundamentadamente, sob pena de não preenchimento do requisito do prequestionamento, indispensável para o conhecimento do recurso. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
3. É inadmissível o recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles - Súmula 283/STF.
4. Na hipótese, o acórdão recorrido concluiu que a recorrida não praticou ato capaz de ensejar indenização à parte autora. A revisão do entendimento do acórdão recorrido demanda o revolvimento fático dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1120757/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2017, DJe 21/11/2017).
Nesse contexto, prejudicada a análise de violação ao art. 1.025 do CPC/2015.
Em relação à alegação de violação dos arts. 17 e 485, VI, do CPC/2015, bem como dos arts. 186, 927 e 944, do Código Civil, verifica-se que a irresignação da recorrente acerca da alegada ausência de qualquer conduta que lhe possa ser atribuída no que diz respeito aos danos causados ao menor, vai de encontro às convicções do julgador a quo, que com lastro no conjunto probatório constante dos autos, conforme transcrito acima, decidiu pela caracterização da falha de procedimentos realizados pela recorrente.
Nesse diapasão, para rever tal posição e interpretar os dispositivos legais apontados como violados, seria necessário o reexame desses mesmos elementos fático-probatórios, o que é vedado no âmbito estreito do recurso especial. Incide na hipótese a Súmula n. 7/STJ.
Em relação à responsabilidade da recorrente, as instância ordinárias deliberaram (fls. 1.331, 2.214-2.215, 2.219):
[...] Por mais que se tenha dito que o primeiro procedimento de broncoscopia (realizado pelo Dr. Frederico Mansur) foi bem sucedido, verifica-se quando da realização da mesma, o médico responsável somente conseguiu retirar parte do osso de galinha do brônquio, tendo em vista a existência de dificuldades com o broncoscópio, sendo necessária a realização de um novo procedimento de broncoscopia (fls. 56, 63, 80 e 869), para retirada dos resíduos de osso de galinha.
Não obstante, desimporta a relação havida entre o médico e o hospital, tendo em vista ser fato incontroverso nos autos que a cirurgia e a prescrição dos medicamentos foram realizadas nas dependências do Centro Médico Hospitalar. Portanto, mesmo que o médico que realizou a cirurgia não integre o corpo clínico da entidade hospitalar, por certo, este estava cadastrado para a utilização das dependências do nosocômio, que receberia recursos pela utilização dos equipamentos e salas de cirurgia/recuperação, assumindo a responsabilidade dos atos praticados pelos profissionais que atuam em seu estabelecimento.
Oportuno esclarecer que a legitimidade passiva da entidade hospitalar decorre da norma prevista no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, sendo inaplicável, ao caso dos autos, o inciso III do art. 932 do Código Civil.
[...]
Assim, evidenciada a existência de relação jurídica mantida com o hospital apelante, o que possibilitou a realização da cirurgia em suas dependências, aquele é parte legítima para figurar no pólo passivo da presente demanda.
[...]
Em exame dos autos, mais precisamente dos laudos periciais, restou comprovado que ocorreu falha no equipamento na primeira broncoscopia realizada no menor.
[...]
No caso em questão a omissão do hospital em prestar atendimento médico eficaz ao paciente que estava internado em suas dependências agravou a situação do mesmo, tendo este paralisia cerebral irreversível pós parada cárdio-respiratória e estenose subglótica pós-procedimento, sem contactar com o meio ambiente, tratando-se de incapacidade permanente, que não possuía antes de ingressar no hospital para a realização dos procedimentos médicos.
Veja-se que não se trata apenas de responsabilização do profissional de saúde que não teria vínculo com o hospital recorrente, conforme a alegação recursal em tela, mas a instância a quo, mais próxima dos fatos e provas, concluiu também pela existência de falhas no equipamento hospitalar.
Assim, os arestos invocados como paradigmas a tanto não se prestam, e eventual debate sobre o tema, para fim de estancar a responsabilidade da recorrente no tocante aos equipamentos, também demandaria revolvimento fático-probatório.
Ante o exposto, não havendo razões para modificar a decisão recorrida, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.