Inteiro teor - HC 194655

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HABEAS CORPUS Nº 194.655 - SP (2011/0008569-0) RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO IMPETRANTE : MARCO ANTONIO ARANTES DE PAIVA E OUTROS ADVOGADO : MARCO ANTÔNIO ARANTES DE PAIVA E OUTRO(S) IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : HUGO FRANCISCO MAYER RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator): Trata-se de habeas corpus substitutivo impetrado em favor de Hugo Francisco Mayer, indicando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento da apelação nº 993.07.059697-0. Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática dos delitos previstos no art. 172, caput, por sessenta e cinco vezes, na forma do art. 71, ambos do Código Penal; art. 168, caput, do Código Penal e art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, às penas privativas de liberdade somadas de 2 (dois) anos de reclusão e 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de detenção, bem como multa de 540 dias-multa. Em sede recursal, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a extinção da punibilidade em relação aos delitos previstos nos arts. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 e 168, caput, do Código Penal, na forma do art. 107, IV, do referido diploma legal. A condenação foi mantida apenas quanto ao crime tipificado no art. 172, caput, por sessenta e cinco vezes, na forma do art. 71, ambos do Código Penal, totalizando 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de detenção em regime inicial semi-aberto e 500 dias-multa. Sustenta o impetrante que as duplicatas foram emitidas dentro do período suspeito judicialmente estabelecido. Assim, o crédito proveniente da fraude se encontra habilitado dentre os credores da massa, tratando-se a hipótese de caso de absorção dos crimes de duplicata simulada pelos de fraude falimentar (art. 187 do Decreto-Lei nº 7661/45), que se encontram prescritos. Ademais, que o paciente não cometeu os crimes que lhe foram imputados e que a materialidade não foi comprovada, configurando-se sua condenação afronta ao princípio da isonomia, além de "indefectível enfrentamento ao Código Penal, pois não individualiza a autoria da conduta típica frente aos fatos [...], imputando ao acusado o resultado de um crime, sem relação de causalidade com seu comportamento [...]" (fls. 39). Afirma que lhe foi indevidamente negado o direito à produção de prova pericial, apesar de informado que era necessária à sua defesa, sendo certo que a perícia cível não se presta a sustentar juízo de condenação. O indeferimento gerou prejuízo inafastável, consubstanciado na condenação do réu. Por fim, que a pena-base foi exasperada com apoio em circunstâncias que caracterizam elementares do tipo, destacando que o paciente "é primário e não existem nos autos quaisquer informações negativas que justificassem a fixação da pena base no máximo da pena cumulada à infração [...]" (fls. 51). O Ministério Público Federal se manifestou pela denegação da ordem (fls. 356/363). O impetrante requereu sua intimação para fim de sustentação oral (fls. 367). Informações atualizadas prestadas em 16.7.2015 (fls. 399/408), 21.7.2015 (fls. 410/421) e 10.8.2015 (fls. 425), de onde se extrai que ainda há pendente no Tribunal de Justiça de São Paulo recurso de agravo de instrumento, em decorrência do qual foi expedido contramandado de prisão do paciente. É o relatório. HABEAS CORPUS Nº 194.655 - SP (2011/0008569-0) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator): Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ quando utilizado em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal (HC 213.935/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe de 22/8/2012; e HC 150.499/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 27/8/2012), assim alinhando-se a precedentes do Supremo Tribunal Federal (HC 104.045/RJ, Rel. Ministra ROSA WEBER, PRIMEIRA TURMA DJe de 6/9/2012). Nada impede, contudo, que, de ofício, constate a Corte Superior a existência de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia, o que ora passo a examinar. Pretende o impetrante, em síntese a) declaração de nulidade processual, pois indeferida prova pericial; b) reconhecimento da absorção dos delitos de duplicata simulada pelo de fraude falimentar previsto no art. 187 da antiga Lei de Falências, com o consequente reconhecimento da prescrição; c) absolvição do paciente, eis que não comprovadas autoria e materialidade e d) redução da pena, diante da indevida exasperação da pena-base. Inicialmente, destaque-se que tanto a sentença de 1º grau como o Tribunal, após exame detido do conjunto probatório, não acolheram a tese de absolvição por falta de provas. Assim, se as instâncias ordinárias entenderam suficientes e indicaram os elementos de prova que levaram ao reconhecimento da autoria e da materialidade dos delitos, acarretando, por consequência, a condenação do paciente, é certo que não cabe a esta Corte Superior, em habeas corpus, desconstituir o afirmado, porquanto demandaria profunda incursão na seara fático-probatória, inviável nessa via estreita do writ. Acerca do tema, o seguinte precedente dessa Corte: "PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR EM CONTINUIDADE DELITIVA. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PADRASTO. REPRESENTAÇÃO. DESNECESSIDADE. NEGATIVA DE AUTORIA E MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME PROBATÓRIO. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Se as instâncias ordinárias entenderam suficientes e indicaram os elementos de prova que levaram ao reconhecimento da autoria, da materialidade e as majorantes do delito, acarretando, por consequência, a condenação do paciente, é certo que não cabe a esta Corte Superior, em habeas corpus, desconstituir o afirmado, porquanto demandaria profunda incursão na seara fático-probatória, inviável nessa via estreita do writ. 3. Os pedidos de decadência do direito de representação e de desclassificação do delito não foram objeto de debate por parte do Tribunal local, não podendo ser apreciada diretamente nesta Corte, sob pena de supressão de instância. 4. Habeas corpus não conhecido." (HC 116.000/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 18/06/2015) Busca a impetração ver reconhecida a absorção dos delitos de duplicata simulada por aquele previsto no art. 187 da antiga lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45), o qual dispunha que "será punida com reclusão por um a quatro anos, o devedor que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores". Todavia, tal pretensão também demandaria inafastável exame de provas não admitida na via eleita, consoante observado pelo Ministério Público Federal (fls. 356/363): "Tampouco pode ser apreciado o pedido de absorção dos delitos de duplicata simulada por crimes de fraude falimentar. Consoante se verifica do aresto ora fustigado, a condenação de HUGO FRANCISCO MAYER está calcada na tese de que a emissão reiterada dos títulos fraudulentos constituiu ato orientado contra o patrimônio alheio e, não, contra a massa falida, constituindo delito autônomo não abrangido pelos falenciais. Ocorre que a refutação de tal premissa fática exige aprofundado exame de provas,inviabilizando o conhecimento do mandamus, também, neste ponto, sendo de bom alvitre lembrar que "não há ilegalidade na decisão do Tribunal a quo que entende ser necessário o reexame do contexto fático-probatório dos autos para a análise da questão referente à absorção do crime de duplicata simulada pelos crimes falimentares" (STJ - HC 24.694/SP - Relator Ministro GILSON DIPP - Quinta Turma - Julgamento em 23.03.2004 - DJ de 10.05.2004 - p. 309). Oportuno destacar, porém, que a pretensão foi afastada pelo acórdão impugnado, que assim dispôs (fls. 117): "[...] Por fim, não há que se falar em absorção dos crimes de duplicata simulada pelos falenciais, pois no caso em tela, há duplicatas que foram emitidas anteriormente ao termo da quebra, de modo que não podem ser considerados abrangidos pelos delitos falimentares. Aplica-se, assim, entendimento jurisprudencial de acordo com a qual "A emissão de duplicata simulada antes do termo da quebra caracteriza crime de estelionato, não estando sujeito ao procedimento da lei de falência. Competência do Ministério Publico para oferecimento da denuncia. Ordem denegada." (STJ, 6a T? RHC 3.929, rei. Min. Pedro Acioli, j. 04.10.1994, DJ 21.11.1994, p. 31.787). Igualmente: "A emissão de duplicatas simuladas antes da decretação da falência caracteriza o delito previsto no art. 172 do CP, e não crime falimentar, eis que o ato foi orientado contra o patrimônio alheio, e não contra o próprio patrimônio, com o fim de subtraí-lo ao concurso de credores" (TACRIM-SP, Ap., rel. José Urban, j. 12.02.1998, RT753/622). O impetrante afirma que a prova pericial requerida visava aferir o teor das duplicatas simuladas e evidenciar que o réu não tinha envolvimento nos fatos delituosos. Ao indeferir a prova requerida, o juiz consignou que "o indeferimento de perícia contábil, a questão não traz qualquer prejuízo aos acusados. O laudo pericial contábil necessário para a ação penal já se encontrava nos autos e a realização de uma nova perícia seria desnecessária e impertinente" (fls. 300). No mesmo sentido entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 115): "Também não houve cerceamento de defesa pelo indeferimento de perícia contábil, porque inexistiu prejuízo à parte, tendo em vista que já havia nos autos laudo pericial contábil necessário, que havia sido elaborado no processo da falência, sendo desnecessária a repetição dessa prova." Com efeito, a prova se destina ao magistrado, que pode indeferi-la, fundamentadamente, quando entender que é irrelevante, impertinente ou protelatória, nos termos do que dispõe o art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal, conforme entendimento a seguir: "PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO DE OUVIDA DE TESTEMUNHA. IMPOSSIBILIDADE DA COLHEITA DA PROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. [...] II - Não obstante o direito à prova, consectário do devido processo legal e decorrência lógica da distribuição do ônus da prova, tendo o processo penal brasileiro adotado o sistema do livre convencimento motivado, ou da persuasão racional, compete ao magistrado o juízo sobre a necessidade e conveniência da produção das provas requeridas, podendo indeferir, fundamentadamente, determinada prova, quando reputá-la desnecessária à formação de sua convicção, impertinente ou protelatória, cabendo ao requerente da diligência demonstrar a sua imprescindibilidade para a comprovação do fato alegado. III - Inviável, na estreita via do habeas corpus, a reapreciação do mérito do indeferimento motivado de produção de prova, porquanto demanda exame aprofundado das demais provas existentes nos autos. Precedentes do Egrégio Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior. [...] VIII - Ordem de habeas corpus denegada, e prejudicados os reiterados pedidos de concessão da medida liminar." (HC 219.365/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 21/10/2013) Portanto, não se vislumbra qualquer irregularidade no indeferimento da prova pericial requerida nos autos da ação penal. No que se refere à fixação da pena, que o impetrante entende ilegal, vez que injustificada sua exasperação, nada há que se alterar. Com efeito, ao fixar a pena o magistrado o fez de forma fundamentada, baseando-se em referências precisas que conduziram ao aumento da pena-base, confira-se (fls. 291/325): "[...] Em fundamentação à aplicação da pena saliento que a reprovabilidade das condutas praticadas pelo acusado justifica aumento nas penas base, especialmente em relação à simulação de duplicatas. A forma como foram realizadas as operações, exigindo um alto grau de preparação, um trabalho arquitetônico na construção de uma gama de empresas que não operavam regularmente e a utilização de notas fiscais falsamente elaboradas, além do trabalho de preenchimento e toda a elaboração contábil das operações demonstraram o alto grau de culpabilidade do agente. Seus antecedentes, embora com passagens processuais, não recomendam exacerbação (fls.4251 e seguintes). Os autos não fornecem elementos seguros quanto à conduta social e a personalidade do agente. Os motivos e circunstâncias são repugnantes. Ocorreu uma fraude fiscal em alto grau de lesividade, além da forma continuada das operações, sem contar as demais operações realizadas noutras comarcas. As conseqüências foram nefastas, pois se causou um enorme prejuízo ao fisco, fator que indiretamente acarreta enorme prejuízo social diante da impossibilidade de realização de melhorias públicas sem a verba sonegada. Da mesma forma, causou ainda enorme desfalque na massa, prejudicando os credores e trabalhadores da falida. Presentes as circunstâncias judiciais referidas, que devem levar a exacerbação das penas base, fixo-as em 4 (quatro) anos de detenção, bem como fixo a pena pecuniária em 300 (trezentos) dias-multa, para cada infração de duplicata simulada, devendo cada dia multa corresponder a um salário mínimo diante da situação econômica do acusado, haja vista seus bens e os valores desviados da massa. [...] Não há atenuantes genéricas ou agravantes genéricas a incidir, uma vez que a pena do artigo 172, do Código Penal já se encontra em seu limite máximo, e quanto aos demais estarem ausentes quaisquer outras causas a justificar aumento nesta etapa." Sobre tal pretensão, bem destacou o Parquet em sua manifestação de fls. 356/363): "[...] Entretanto, ainda que a presente via eleita não seja a mais adequada, vale frisar não assistir razão à Defesa, quando almeja a redução, ao mínimo legal, da pena-base arbitrada a HUGO FRANCISCO MAYER. Contrariamente ao quanto alegado na inicial do mandamus, levando em conta o comando do art. 59 do Código Penal, constatou o Juiz Monocrático militarem em desfavor do réu condições judiciais adversas, como se pode constatar das seguintes passagens, extraídas da sentença condenatória[...]. Com efeito, a elevada culpabilidade do ora Paciente está atrelada ao sofisticado modus operandi por ele adotado na execução das infrações perpetradas, enquanto as graves conseqüências de tais delitos decorrem do elevado dano causado ao patrimônio alheio, pelo lançamento das cártulas fraudulentas, sendo imperioso observar que boa parte dos valores desviados não foi recuperada pelas vítimas do golpe. Desse modo, considerando o Julgador Monocrático e a Corte a quo, de forma adequada, serem adversas à acusada algumas condições judiciais elencadas no art. 59 do Estatuto Repressivo, não há cogitar-se da aplicação da básica reprimenda no mínimo legal, diante da valoração desfavorável de mais de uma daquelas circunstâncias. Não há, portanto, reparos a serem feitos em sede de habeas corpus." Ante o exposto, voto por não conhecer do presente habeas corpus.