Inteiro teor - REsp 1088802

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.088.802 - RS (2008/0200188-2) RECORRENTE : EMPLOYER ORGANIZAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS LTDA ADVOGADO : RENATO OLIVEIRA DE ARAUJO E OUTRO(S) RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL RECORRIDO : OS MESMOS RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - Na origem, cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado pela empresa EMPLOYER ORGANIZAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS LTDA, prestadora de serviços de cessão de mão-de-obra efetiva e temporária contra ato do Superintendente da Receita Federal, visando o afastamento da incidência do PIS, COFINS, CSLL e IRPJ sobre o faturamento total da empresa. O juiz de 1º grau extinguiu o processo sem julgamento do mérito, reconhecendo a ilegitimidade passiva ad causam do Superintendente da Receita Federal. Essa decisão ensejou a interposição de apelação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que restou assim ementada: TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. COFINS. PIS. CSLL. IRPJ. BASE DE CÁLCULO. EMPRESAS TRABALHO TEMPORÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. Caracterizada a hipótese de aplicação da Teoria da Encampação, legitimada a autoridade que constou no pólo passivo deste writ. 2. Os valores referentes ao pagamento de salários e respectivos encargos sociais, que são repassados pelas empresas tomadoras, não constituem receita da empresa de trabalho temporário, caracterizando-se como meras entradas, pertencentes a terceiros, que transitam momentaneamente pela contabilidade da empresa sem qualquer efeito patrimonial, não podendo ser consideradas para fins de incidência tributária da contribuição ao PIS, da COFINS, da CSLL e do IRPJ. (fl. 242) Ambas as partes opuseram embargos declaratórios, tendo sido o da Fazenda Nacional parcialmente acolhido e o da impetrante acolhido, mas indeferido o seu pedido de reconsideração. O acórdão foi prolatado nos seguintes termos: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. REDISCUSSÃO. PREQUESTIONAMENTO. 1. A omissão que enseja a declaração do julgado configura-se pelo silêncio do acórdão quanto a ponto sobre que deveria manifestar-se, exatamente o que ocorreu na espécie. 2. Acolhida a omissão apontada, a ementa passará a ter a seguinte redação: "TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. COFINS. PIS. CSLL. IRPJ. BASE DE CÁLCULO. EMPRESAS TRABALHO TEMPORÁRIO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. Caracterizada a hipótese de aplicação da Teoria da Encampação, legitimada a autoridade que constou no pólo passivo deste writ. 2. Os valores referentes ao pagamento dos salários e respectivos encargos sociais, que são repassados pelas empresa tomadoras, não constituem receita da empresa de trabalho temporário, caracterizando-se como meras entradas, pertencentes a terceiros, que transitam momentaneamente pela contabilidade da empresa, sem qualquer efeito patrimonial, não podendo ser consideradas para fins de incidência tributária da contribuição ao PIS, da COFINS, da CSLL e do IRPJ. 3. Se a atividade da impetrante consiste na intermediação de mão-de-obra, não somente a temporária, mas também a efetiva na qual perceba unicamente, como remuneração, a taxa de intermediação e administração da mão-de-obra cedida, é de se analisar se os valores referentes ao pagamento de salários e encargos sociais envolvidos na intermediação, ainda que não-temporária, caracterizam-se ou não como receita para fins de incidência tributária. Nesse sentido, a segunda situação (mão-de-obra efetiva) merece diverso tratamento tributário, sendo base de cálculo da COFINS, PIS, CSLL e IRPJ. Portanto, convém distinguir o trabalho temporário regulado pela Lei 6.019/74 daquele que pode ser denominado, então, de serviço terceirizado." 3. Cabíveis os embargos de declaração com propósito de prequestionamento, de acordo com a Súmula 98 do STJ. 4. Os embargos de declaração não servem de via à rediscussão da matéria julgada. (fl. 274 e 274-verso) Novos embargos declaratórios opostos pela empresa, acolhidos em parte apenas para fins de prequestionamento: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. PREQUESTIONAMENTO. 1. Não configura omissão deixar de apontar cada dispositivo legal concernente às questões tratadas na lide, desde que haja suficiente razão para decidir. 2. Cabíveis os embargos de declaração com propósito de prequestionamento, de acordo com a Súmula 98 do STJ. (fl. 336) Irresignadas, a empresa e a FAZENDA NACIONAL interpuseram recursos especiais. A Fazenda Nacional, em seu recurso especial, interposto com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional e ratificado à fl. 338, alega a violação dos seguintes dispositivos legais: 1) art. 535 do CPC, pois o julgado omitiu-se na análise da legislação aplicável ao caso concreto; 2) arts. 1º, § 3º, 10.637/02, 1º, § 3º, 10.833/03 e arts. 2º, 97 e 176 do CTN, porquanto somente a lei pode autorizar dedução da base de cálculo da COFINS e do PIS, além de que os pagamentos efetuados a empregados ou a pessoas terceirizadas que prestam os serviços contratados pela locadora de mão-de-obra, são, para esta meras despesas administrativas; 3) os prestadores de serviço devem comprovar o cumprimento das obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias ao tomador, sem divisão entre obrigações da empresa e dos terceirizados; 4) a locadora de mão-de-obra contrata os serviços com a pessoa que deles necessita. Como contratante/prestadora, recebe integralmente pelos serviços prestados, pagando, depois, a quem realmente os faz, quer empregados seus, quer não, contabilizando as receitas totais, que incluem o valor dos serviços prestados com a locação da mão-de-obra, alugueis, manutenções, energia elétrica etc; 5) as contribuições para a seguridade social regem-se pelo princípio da solidariedade e devem alcançar várias fontes de custeio, de modo que à mingua de lei específica é inviável deduzir parcelas da base de cálculo da COFINS e do PIS. (fls. 280/291) A empresa, por sua vez, sustenta violação das alíneas "a" e "c" da CF, indicando, além de dissídio jurisprudencial, violação dos arts. 110, 114 do CTN, 2º e 3º da Lei 9.718/98, 1º da Lei 10.637/02 e 1º da Lei 10.833/03. Cita precedente do STF em favor de sua tese (RE 112.040-1/RJ). Requer seja desobrigada de proceder ao recolhimento de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ sobre valores que recebe a título de repasse de verbas salariais e encargos sociais e trabalhistas relativos a mão-de-obra que agencia, intermedeia e loca a seus tomadores, inclusive em caráter não-temporário, bem como que o Fisco Federal somente constitua créditos tributários sobre a taxa de administração cobrada pela recorrente quando da prestação de serviços de intermediação de mão-de-obra. Apresentadas contrarrazões pela Fazenda Nacional, alega que a matéria enseja o reexame de provas, o que não é possível, a teor da Súmula 7 desta Corte. No mérito, pleiteia a manutenção do acórdão de origem (fls. 410/415). A empresa, em suas contrarrazões, sustenta que o acórdão a quo decidiu acertadamente por excluir da base de cálculo dos referidos tributos os valores recebidos pela recorrida a titulo de reembolso pelos salários dos trabalhadores temporários e encargos sociais e trabalhistas. Recursos especiais admitidos às fls. 455 e 456. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.088.802 - RS (2008/0200188-2) RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON RECORRENTE : EMPLOYER ORGANIZAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS LTDA ADVOGADO : RENATO OLIVEIRA DE ARAUJO E OUTRO(S) RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL RECORRIDO : OS MESMOS VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): - Prequestionados os dispositivos legais invocados pelos recorrentes, examino as teses suscitadas nos recursos especiais em conjunto, por tópicos, para melhor compreensão da solução dada ao caso: Preliminarmente, afasto a alegada violação do art. 535 do CPC sustentada pela FAZENDA por entender deficiente o recurso que não explicitou que questão jurídica de relevo restou omitida pelo Tribunal de origem. Prequestionada, ainda que implicitamente, a tese em torno dos dispositivos legais invocados pela recorrente, examino o mérito do recurso especial. O cerne da questão de fundo discutida nos autos diz respeito à tributação, pelo PIS, COFINS, IRPJ e CSLL dos serviços prestados por empresa (prestadora de serviços de cessão de mão-de-obra temporária, nos termos da lei 6.019/74 e de mão-de-obra efetiva, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho e do art. 31 da Lei 8.212/91 - fl. 270-verso) de locação de mão-de-obra, como é o caso da recorrida. Inicialmente merece destaque que todos os tributos em discussão tem por base de cálculo montantes equiparados ou reflexos, isto é há uma base de cálculo maior (faturamento) da qual derivam parcelas dessa mesma base de cálculo (lucro real e líquido) e a solução a ser dada deve ser coerente com essa realidade, salvo se existente alguma peculiaridade na legislação específica de regência. Quanto ao PIS e COFINS, a questão foi exaustivamente examinada pela Segunda Turma, por ocasião do julgamento do REsp 954.719/SC, ocorrido em 13.11.2007, que, por unanimidade, entendeu ser inapropriada a solução apontada pelo Tribunal de origem, no sentido de afastar a incidência da mencionada exação, disso resultando em afronta aos dispositivos da legislação federal que dispõe sobre a base de cálculo do PIS e da COFINS (faturamento), peremptórios em determinar a tributação de todas as receitas decorrentes de operações realizadas pela pessoa jurídica, sem fazer qualquer distinção entre o que seja receita própria da empresa e o que seja mero ingresso patrimonial. Confira-se, a propósito, a ementa que resumiu o julgado; TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. LOCAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. SALÁRIOS E ENCARGOS PAGOS AOS TRABALHADORES CEDIDOS. INCIDÊNCIA. 1. O faturamento, entendido como receita bruta obtida por meio das vendas de mercadorias e de serviços de qualquer natureza, constitui a base de cálculo do PIS e da COFINS. 2. No caso de empresas de intermediação de mão-de-obra, os valores recebidos dos tomadores de serviços ingressam no caixa do empresário, por direito próprio, em face do exercício do seu objeto social (locação de mão-de-obra), correspondendo ao seu faturamento. 3. Diante da ausência de previsão legal, os salários e os encargos sociais que a empresa locadora de mão-de-obra desembolsa em razão das pessoas que coloca à disposição do tomador de serviços não podem ser exluídos do âmbito de incidência das Contribuições Sociais que incidem sobre o faturamento. 4. Recurso Especial provido. (REsp 954.719/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em 13.11.2007, acórdão pendente de publicação). Merecem destaque, por oportuno, os seguintes excertos do voto do eminente relator, que bem enfrentou as questões suscitadas e que, por isso mesmo, ora são adotados como razões de decidir por esta Relatora: Na situação sob análise é incontestável que os valores recebidos dos tomadores de serviços ingressam no caixa das empresas de intermediação de mão-de-obra, por direito próprio, em face do exercício do seu objeto social (locação de mão-de-obra). Integram, assim, seu faturamento. Ressalte-se que o faturamento não se confunde com o lucro. Somente na apuração deste último podem ser abatidas as despesas indispensáveis à percepção das receitas. Desse modo, diante da ausência de previsão legal, os salários e os encargos sociais que a empresa locadora de mão-de-obra desembolsa em razão das pessoas que coloca à disposição do tomador de serviços não podem ser excluídos do âmbito de incidência das Contribuições Sociais que incidem sobre o faturamento, sob pena de malferimento ao princípio da legalidade. Nessa linha, ressalte-se que, nos casos em que o legislador pretendeu retirar da base de cálculo dessas Contribuições determinadas espécies de receitas, o fez expressamente. É o que se verifica da leitura do art. 1º, § 3º, da Lei 10.833/02, e do art. 1º, § 3º, da Lei 10.637/2002. Confiram-se: COFINS Art. 1º.......................... § 3º Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas: I - isentas ou não alcançadas pela incidência da contribuição ou sujeitas à alíquota 0 (zero); II - não-operacionais, decorrentes da venda de ativo permanente; III - auferidas pela pessoa jurídica revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da empresa vendedora, na condição de substituta tributária; IV - de venda de álcool para fins carburantes; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004) V - referentes a: a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos; b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição que tenham sido computados como receita. PIS Art. 1º............................. § 3º Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo, as receitas: I - decorrentes de saídas isentas da contribuição ou sujeitas à alíquota zero; II - (VETADO) III - auferidas pela pessoa jurídica revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da empresa vendedora, na condição de substituta tributária; IV - de venda de álcool para fins carburantes; V - referentes a: a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos; b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, que tenham sido computados como receita. VI ? não-operacionais, decorrentes da venda de ativo imobilizado. Sobre a base de cálculo das Contribuições Sociais, a Primeira Seção já se manifestou no julgamento dos EREsp 727.245/PE, consignando o voto condutor do e. Ministro Teori Zavascki que: o certo é que, mantido o atual sistema constitucional e ressalvadas as situações previstas nas Leis acima referidas, as contribuições para PIS/COFINS podem incidir legitimamente sobre o faturamento das pessoas jurídicas mesmo quando tal faturamento seja composto por pagamentos feitos por outras pessoas jurídicas, com recursos retirados de receitas sujeitas às mesmas contribuições. Constato, ainda, que o Ministro Humberto Martins, em caso análogo, proferiu decisão monocrática no REsp 761.413/PR, entendendo pela incidência do tributo sobre as receitas auferidas pelas empresas de vigilância, nos casos de intermediação de mão-de-obra. [..] Como visto, a legislação é clara ao escolher o faturamento como base de cálculo do PIS e da COFINS. Não há como excluir da incidência das Contribuições Sociais os salários e os encargos que a empresa de intermediação de mão-de-obra desembolsa em razão das pessoas que coloca à disposição do tomador de serviços, porquanto estão compreendidos dentro das hipóteses de incidência. Assim, configurada a perfeita subsunção do fato à norma de incidência tributária, e diante da ausência de qualquer comando legal que estabeleça isenção, não há como afastar a cobrança dos tributos. Por conseguinte, deve-se reformar o acórdão recorrido no que violou a legislação federal pertinente à base de cálculo do PIS e da COFINS. Pelas mesmas razões, o aresto recorrido não merece prosperar quanto à exclusão das receitas decorrentes de operações de cessão de mão-de-obra não temporária, visto que não é a circunstância da prestação do serviço que autoriza a dedução ou não da receita da base de cálculo do tributo, mas o ingresso dessa receita a título próprio, que embora sirva para cobrir despesas administrativas, obrigações fiscais e trabalhistas posteriores não desqualifica a destinação da receita: compor o faturamento da pessoa jurídica. Somente havendo previsão legal é que se admite a repercussão jurídica do tributo, o que não é o caso das legislações dos tributos em referência na hipótese de cessão de mão-de-obra quando o rendimento auferido (lucro líquido e receita total) pela prestação do serviço é auferido integralmente pela prestadora que também suporta integralmente o ônus fiscal. Com essas considerações, conheço em parte o recurso especial da Fazenda Nacional e, nessa parte, dou-lhe provimento e nego provimento ao recurso especial do contribuinte.