AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.732.927 - DF (2018/0073612-4)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
AGRAVANTE : RONALDO DONIZETE PEREIRA
ADVOGADOS : PETRONIO DAMASCENO CASTELO BRANCO - DF042199
CLEYTON MATTOS MENEZES E OUTRO(S) - DF049672
AGRAVADO : SARAH PRISCILLA GUIMARAES
ADVOGADO : SARAH PRISCILLA GUIMARÃES (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTROS - DF037394
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Trata-se de agravo interno interposto por RONALDO DONIZETE PEREIRA contra decisão monocrática, de lavra do eminente Ministro Lázaro Guimarães (e-STJ, fls. 199/203), que deu provimento ao recurso especial de SARAH PRISCILLA GUIMARÃES, para permitir a penhora dos rendimentos do agravante, até o limite de 30% (trinta por cento), para o pagamento exclusivo de honorários advocatícios devidos à agravada.
O recurso especial aduz negativa de vigência ao art. 833, § 2º, do CPC/2015, bem como divergência jurisprudencial.
Nas razões do agravo interno, o agravante alega que a decisão prolatada pelo anterior relator do recurso especial não condiz com a realidade dos fatos, por se tratar de uma família de baixa renda, de modo que a incidência de um percentual de 30% (trinta por cento) sobre os proventos do ora recorrente tem uma representatividade muito grande e coloca em risco o sustento da família como um todo, já que os proventos de aposentadoria alcançam pouco mais de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
A agravada apresentou impugnação (e-STJ, fls. 221/254).
É o relatório.
AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.732.927 - DF (2018/0073612-4)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
AGRAVANTE : RONALDO DONIZETE PEREIRA
ADVOGADOS : PETRONIO DAMASCENO CASTELO BRANCO - DF042199
CLEYTON MATTOS MENEZES E OUTRO(S) - DF049672
AGRAVADO : SARAH PRISCILLA GUIMARAES
ADVOGADO : SARAH PRISCILLA GUIMARÃES (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTROS - DF037394
VOTO
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Reputo relevantes as ponderações trazidas pelo agravante.
Nos autos do cumprimento de sentença prolatada em ação de arbitramento de honorários advocatícios, contratados verbalmente, ajuizada por SARAH PRISCILLA GUIMARÃES em desfavor de RONALDO DONIZETE PEREIRA, a exequente requereu o pagamento da quantia de R$ 20.187,20 (vinte mil, cento e oitenta e sete reais e vinte centavos), tendo o juiz de primeiro grau deferido o pedido de penhora mensal, no percentual de 30% (trinta por cento), dos proventos do executado (aposentado como Agente Administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego), até a satisfação total da dívida.
Seguiu-se agravo de instrumento interposto pelo executado, esclarecendo ser servidor público aposentado de nível médio, com rendimento bruto mensal de R$ 5.723,40 (v. fl. 37 e-STJ) e líquido mensal de R$ 2.532,76 (dois mil, quinhentos e trinta e dois reais e setenta e seis centavos), e afirmando que o impacto concreto da medida deveria ser avaliado no caso em análise, já que a penhora de 30% (trinta por cento) de seus proventos de aposentadoria comprometeria a subsistência do devedor e de seu núcleo familiar essencial.
O eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios deu provimento ao recurso, para afastar a penhora realizada sobre os proventos de aposentadoria do agravante, por entender que os honorários advocatícios não estão abarcados pela exceção legal do art. 833, § 2º, do CPC/2015, que ressalva a penhora de verbas salariais para pagamento de prestação alimentícia, entendendo, assim, a decorrente de obrigação alimentícia relativa a relações familiares.
A regra a ser considerada tem o seguinte teor:
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
§ 1o. A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
§ 2o. O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o.
§ 3o. Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.
O recurso especial interposto por SARAH PRISCILLA GUIMARÃES sustenta, em síntese, que os honorários advocatícios têm natureza alimentar e, portanto, representam exceção à regra de impenhorabilidade de verbas salariais.
Como se constata na norma transcrita, "os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal" são impenhoráveis, ressalvadas as hipóteses do § 2º do mesmo artigo. Portanto, não se pode penhorar essas verbas remuneratórias do devedor, exceto para pagamento de prestação de alimentos devidos ou quando os valores remuneratórios excederem a cinquenta salários mínimos mensais.
Registre-se que a expressão "prestação alimentícia" é espécie restrita, como corretamente entendeu a Corte Estadual, e não equivale ao gênero crédito ou dívida de "natureza alimentar". Toda "prestação alimentícia" tem, por óbvio, natureza alimentar. Mas, nem todo crédito ou dívida de natureza alimentar corresponde a "prestação alimentícia". Esta última, é referente apenas a obrigação alimentícia estrito senso, que alguém deve a outrem não por razões negociais comuns, mas por razões morais de altíssima relevância, que o direito tutela desde a Constituição Federal (art. 5º, LXVII).
Não se ignora, a propósito, que, no julgamento dos EDcl nos EAREsp 387.601/RS, a Corte Especial adotou o entendimento de que "honorários advocatícios são considerados verba alimentar, sendo possível a penhora de verbas remuneratórias para o seu pagamento" (EDcl nos EAREsp 387.601/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 26/2/2015, DJe de 4/3/2015). Contudo, esse entendimento não pode ser aplicado de forma simplista e abstrata, desprezando-se as circunstâncias como as do caso em exame. É indispensável a necessidade de avaliar concretamente o impacto da penhora sobre a renda do executado.
Há de se considerar que, em uma família de baixa renda, qualquer percentual de constrição sobre os proventos do arrimo pode vir a comprometer gravemente o sustento do núcleo essencial; o mesmo não necessariamente ocorre quanto à vida, pessoal ou familiar, daquele que recebe alto salário.
Assim, sopesando criteriosamente as circunstâncias de cada caso concreto é que o julgador poderá admitir, ou não, a penhora da verba alimentar sem agredir a garantia do executado e de seu núcleo essencial.
Então, embora não se negue a natureza alimentar do crédito sobre o qual houve a penhora, deve-se considerar que, na situação concreta, a constrição de percentual sobre os modestos proventos de aposentadoria do agravante compromete o sustento do executado e de sua família.
A propósito, cabe transcrever as importantes considerações da Ministra Isabel Gallotti no julgamento do AgRg no AREsp 32.031/SC, de que fui Relator, in verbis:
"Quando o § 2º, do art. 649, do CPC, estabelece como exceção à impenhorabilidade do salário a penhora para pagamentos de prestação alimentícia, a meu ver, o que se tem em mente é que a prestação alimentícia, via de regra, é fixada tendo-se em mira também as possibilidades do alimentante. E não se deve privar o alimentado do necessário para seu sustento, mesmo que à custa de penhora do salário do alimentante.
Penso que quando se trata de honorários advocatícios, a despeito de haver sólida jurisprudência deste Tribunal de que constituem verba de natureza alimentar, essa jurisprudência foi formada com base em casos em que se pretendia incluir os honorários de advogado em fila de precatórios alimentares e, portanto, a serem pagos pelo Estado.
Diversamente, quando se pretende penhora de salário para pagamento de honorários de advogado, penso que não se pode perder de mira as circunstâncias do caso concreto. Ao contrário dos alimentos decorrentes do direito de família, os honorários de advogado não são fixados com base nas necessidades do credor e nas possibilidades do devedor dos honorários. Quando se arbitra honorários de advogados, tem-se em mente o trabalho do advogado na causa, e não se leva em consideração as possibilidades de quem paga os honorários em contraposição às necessidades do credor.
Penso, portanto, que a possibilidade de penhora de vencimentos e salários para satisfazer honorários de advogado deverá levar em conta as circunstâncias do caso concreto, especialmente tomar o cuidado de não privar o titular dos salários de condição da sua própria subsistência." (grifou-se)
Ante o exposto, dou provimento ao agravo interno para negar provimento ao recurso especial, confirmando o v. acórdão recorrido que afastou a penhora realizada sobre os proventos de aposentadoria do agravante.
É como voto.